As opiniões se dividiram a respeito da
interpretação que se deve dar ao ato do governo russo declarando dissolvido o
órgão de direção da propaganda bolchevista no mundo inteiro.
Em si mesmo considerado, o ato quereria
dizer que a Rússia desiste de promover a revolução bolchevista mundial por meio
de um organismo especialmente destinado a este fim. Com efeito, é preciso não
supor que o governo soviético tenha assumido o compromisso de, daqui para o
futuro, não prestar o menor apoio à revolução mundial. O comunicado oficial
russo explica que as exigências do próprio movimento comunista internacional
tornariam nociva a existência de um órgão coordenador especializado. Este órgão
correria o risco de asfixiar a autonomia dos vários partidos comunistas
nacionais. Por isto, e no principal interesse da expansão bolchevista mundial,
a III Internacional seria dissolvida.
Em outros termos, o comunismo russo,
dissolvendo a III Internacional, não o faz porque deixe de desejar a expansão
bolchevista. Fá-lo, pelo contrário, porque quer remover um obstáculo a esta
expansão.
* * *
Este o principal motivo
apresentado pelos próprios comunistas. Qual o modo por que a opinião mundial
acolheu o documento russo?
É curioso notar que, no público,
não faltaram pessoas que sentissem a esperança de que a Rússia está em vias de
abandonar o comunismo. O livro do Embaixador Davis
criara ambiente para esta quimera. E ela persistiu, mais ainda solidificou-se,
diante da conduta da URSS no presente caso.
É próprio das quimeras resistirem
à evidência dos fatos. O governo soviético incumbiu-se ele próprio de desfazer
a hipótese, declarando que não era a indiferença à revolução mundial, mas pelo
contrário em benefício dessa revolução que a III Internacional se dissolvia.
Houve mais. A URSS mostrou claramente que esse gesto não se podia atribuir a
disposições de hoje, a rumos novos aparecidos agora, já que ela, há anos atrás,
consentira de bom grado, em virtude das mesmas razões que hoje a movem, em
desligar da III Internacional o partido comunista norte-americano, precisamente
uma das unidades mais valorosas e importantes do partido comunista mundial.
Tudo isto não obstante, a mesma
esperança persiste: quem sabe se a III Internacional dissolvida significa o
comunismo repudiado ou ao menos mitigado na própria Rússia?
* * *
E como receberam o fato os
partidos comunistas do mundo inteiro?
É curioso observar este aspecto do
problema. Com efeito, seria natural que, caso a extinção da III Internacional
significasse o desinteresse russo pela revolução mundial, os corifeus desta
revolução, no mundo inteiro, lançassem os mais altos brados, acusando o governo
soviético de baixa traição à causa do proletariado internacional. No entanto
nada disto sucedeu. Pelo contrário, todos os partidos comunistas receberam o
fato com tranqüilidade. Não nos consta um lamento, um protesto, uma
recriminação. Os comunistas do mundo inteiro acharam isto ótimo. Logo, deve-se
entender que eles acharam que havia alguma segunda intenção atrás deste gesto.
* * *
Mas, dir-se-á, estes são os fatos
considerados na sua superfície. É esta a análise das atitudes oficiais, dos
acontecimento de fachada. Política não se analisa assim. É preciso mais esprit de finesse.
Reflitamos. Indiscutivelmente, sem
esprit de finesse,
não se analisam os acontecimentos de política. Mas o esprit de finesse não nos levaria aí a
considerações muito diferentes?
Se não devemos dar importância aos
acontecimentos de fachada, mas só olhar o aspecto mais profundo dos fatos,
devemos reconhecer que as raposas do Kremlin bem sabiam que o público se
sentiria inclinado a ver, em sua recente atitude, um indício de que o
bolchevismo está em declínio na própria Rússia. Ora, tendo causado essa
impressão e sabendo de antemão que a causariam, quiseram efetivamente causá-la.
Tudo isto posto, seria o caso de perguntar se realmente foi este o efeito que
desejavam. Evidentemente sim. Mas, em caso afirmativo, o esprit de finesse não nos deveria levar a
considerar o caso com suspicácia, procurando-lhe, não esta intenção óbvia, mas
um segundo propósito, um desígnio oculto?
* * *
E que desígnio? De todos os
tempos, a propaganda comunista se fez de mentiras. Se os comunistas tivessem
sido sempre adversários leais e corajosos, não haveria maior dificuldade em se
admitir sua conversão. Mas, precisamente como os nazistas, eles foram sempre
mentirosos insignes, traiçoeiros e pérfidos. Não seria o caso de se suspeitar
que também ai andaram de má fé?
As vantagens que esta atitude
acarreta são inúmeras. Em primeiro lugar, a guerra estimulou por toda a parte o
sentimento nacional. Os partidos comunistas, filiados a uma internacional,
tornavam-se com isto antipáticos. Fechando ou fingindo fechar a III
Internacional, a Rússia despiu suas sucursais deste cunho antipático. Já veio
um telegrama do Canadá anunciando que se pleiteava a reabertura daquele partido
com tal fundamento.
Por outro lado, morto em aparência
o próprio expansionismo comunista, a opinião mundial
aceitaria com muito menor relutância uma dilatação territorial da Rússia na
Europa.
Finalmente muitos ingênuos,
iludidos pela hipótese de que a III Internacional estava fechada e o comunismo
em declínio, tenderiam a aceitar de boa mente o caso de uma adesão a um
comunismo mitigado.
Ora o que é um comunismo mitigado?
Um comunismo disfarçado. Um comunismo que fará tudo para ser mais radical. Um
comunismo idêntico ao socialismo condenado por Pio XI em termos tão severos que
escreveu na Encíclica Quadragésimo Anno
que o católico não pode ser ao mesmo tempo socialista e católico.
E este inimigo oculto será mil
vezes mais perigoso que o comunismo cru.