Legionário, N.º 538, 29 de novembro de 1942

AS NOVAS PAROQUIAS

Terminado o Congresso Eucarístico, deve voltar-se nossa atenção mais uma vez para o vasto plano de desdobramento de Paróquias, empreendido pelo Ex.mo Rev.mo Sr. D. José Gaspar de Afonseca e Silva logo depois de sua investidura no sólio arquiepiscopal de São Paulo. Por sua magnitude, e pela natureza dos problemas sociais que veio enfrentar, a iniciativa do Ex.mo Rev.mo Sr. Arcebispo muito tem de parecido com a famosa “ofensiva” desferida pelo falecido Cardeal Verdier na banlieue de Paris.

Como todos sabem, a capital francesa se desenvolveu extraordinariamente nas últimas décadas, multiplicando em torno de si os bairros operários inteiramente novos, nos quais formigava uma população absolutamente desprovida de recursos morais e materiais. Pela desgraça dos tempos, não fora possível à Autoridade Eclesiástica acompanhar o desenvolvimento da cidade, em conseqüência do que, se no antigo núcleo da velha Paris abundavam as igrejas e instituições pias de toda a espécie e a divisão das paróquias já atendia perfeitamente às necessidades da população, nos bairros novos, automaticamente anexados às paróquias da periferia que assim se tornavam vastíssimas e impossíveis de serem convenientemente pastoreadas pelos respectivos Curas, a assistência espiritual se tornava rara e, por vezes, inteiramente inexistente. Assim, um problema se somava a outro. A miséria dos bairros novos, da banlieue como dizem os parisienses, fazia dos seus moradores o terreno ideal para a semeadura das idéias subversivas. Fervilhava na banlieue a propaganda comunista. E, por outro lado, a carência de socorros espirituais facilitava assombrosamente o processo de descristianização que assim se processava em torno de Paris.

A conjunção de tão dolorosas circunstâncias produziu frutos lamentáveis. Em certos bairros, a propaganda vermelha medrara a tal ponto, que seria quase impossível um sacerdote passar por lá sem se arriscar a graves injúrias ou até a uma agressão física. A banlieue formava como que uma cinta de anarquia, de revolta e de miséria, a apertar cada vez mais ameaçadoramente o centro esplêndido da mais culta e famosa das capitais do mundo. Foi para fazer face a esta dificílima situação, que S. E. o Cardeal Verdier elaborou seu ousadíssimo plano. Entretanto dificuldades financeiras que é fácil avaliar, o ilustre purpurado mandou confeccionar um grande número de pequenas Igrejas em estilo leve e econômico, e ordenou que fossem construídas em pleno centro dos focos de miséria e bolchevismo. Nosso Senhor Jesus Cristo é o Divino Médico das almas, e haveria de estar ali, presente sob as espécies eucarísticas tão realmente quanto às margens do Tiberíades, no alto do Tabor ou no Horto das Oliveiras, a salvar, a curar, a nutrir aquela multidão ainda mais faminta e mais necessitada do Pão da Vida, do que do pão efêmero com que se sacia a fome corporal. Por isto, confiou Sua Eminência as novas paróquias a uma legião de sacerdotes devotados e empreendedores, e ao cabo de algum tempo a vitória era completa.

O operariado não pode deixar de notar que a iniciativa do Cardeal-Arcebispo, além de ocupar numerosos braços e concorrer de forma não pequena a aliviar muitos desempregados, era uma prova tangível de que essa igreja que os comunistas caluniavam como inimiga dos operários penetrava no meio deles, cingia-os amorosamente em seus braços paternais, e considerava com olhos de compaixão suas inúmeras misérias, que se propunha curar. O convívio quotidiano com o pároco, sempre edificante por suas virtudes, por sua austeridade, por sua piedade, por sua alta compreensão da própria dignidade como por sua ardente caridade, tudo isto concorreu para que a propaganda comunista perdesse seus melhores pretextos de exploração. Por outro lado, a ação do Pároco aproximava as almas de Deus. A graça ia banhando cada vez mais abundantemente os espíritos transviados. E Cristo-Rei conquistava cada dia novos triunfos nessa zona que fora outrora um extenso e tenebroso feudo da III Internacional.

Não seria preciso dizer tanto para se compreender a que ponto é desejável que o vasto empreendimento pelo Ex.mo Rev.mo Sr. Arcebispo produza os mais amplos resultados. Entre nós, precisamente o mesmo fenômeno se tem verificado. O centro da cidade, que representa nossa zona mais antiga, está cheio de igrejas que atestam a piedade de nossos maiores. À medida que os bairros são mais distantes, isto é mais novos, verifica-se que o número de igrejas é menor, índice tristemente expressivo do declínio em que esteve em certo tempo nosso fervor religioso. Finalmente, nos bairros de periferia, nascidos não se sabe como, da noite para o dia, o número de igrejas era, a bem dizer, quase nulo. Urgia remediar tão triste situação, antes que a propaganda vermelha, ou a insidiosa campanha dos totalitários penetrasse naquela massa e a fizesse levedar com o fermento ágil e vivaz do erro.

De mais a mais, a campanha espírita e protestante, já hoje graças a Deus em franco declínio, constituía uma ameaça tremenda. Tudo isto tornava desejabilíssimo o acréscimo do número de paróquias de banlieue, e, assim, o plano do Ex.mo Rev.mo Sr. Arcebispo correspondia às necessidades mais profundas da Igreja em São Paulo.

Mas agora que o plano, já feito, está em vias de execução, é preciso que a piedade dos fiéis se interesse vivamente por ele. Durante algum tempo, todas as atenções estiveram concentradas no Congresso. Nada de mais justo. Mas agora é preciso que reconheçamos a labuta extraordinária a que se entregam numerosos sacerdotes seculares e muitas Ordens ou Congregações Religiosas, e que colaboremos decididamente com eles.

O acervo de dificuldades a que estão sujeitos esses heróicos e abnegados sacerdotes é imenso, e começa desde os passos preliminares para a aquisição do terreno, até os últimos pormenores da execução das obras. Ainda é cedo para se escrever algo sobre a verdadeira epopéia de apostolado que esses valentes missionários de banlieue paulista escrevem neste momento. A luta contra a incompreensão de uns, a excessiva parcimônia de outros, os caprichos e as fantasias dos mais generosos, as susceptibilidades e o autoritarismo de tantos e tantos doadores, as renúncias, os sacrifícios, as verdadeiras mortificações que de tudo isto decorre, são episódios árduos e gloriosos de nossa expansão religiosa, que estão a exigir todo o devotamento de um cronista que lhes recolha dia a dia os aspectos mais típicos, a fim de que esse tesouro não se perca para a História da Arquidiocese e edificação das gerações futuras. Luta humilde, modesta, apagada, ela não se faz com as lantejoulas da propaganda em grande estilo, nem com os aplausos dos que só compreendem e só apoiam as obras de socorro material. Por isto mesmo, elas estão a reclamar imperiosamente todo o apoio das almas verdadeiramente fervorosas, que sabem o que vale para a glória de Deus a fundação de mais uma nova Paróquia, mais um novo templo, mais um sacrário no qual Nosso Senhor possa ser adorado, e mais um altar da Virgem Santíssima, Medianeira de todas as Graças, junto ao qual as populações fiéis possam colher a plenitude das bênçãos de Deus.