Terminado o Congresso Eucarístico, deve voltar-se
nossa atenção mais uma vez para o vasto plano de desdobramento de Paróquias,
empreendido pelo Ex.mo Rev.mo Sr. D. José Gaspar de Afonseca e Silva logo depois de sua
investidura no sólio arquiepiscopal de São Paulo. Por sua magnitude, e pela
natureza dos problemas sociais que veio enfrentar, a iniciativa do Ex.mo Rev.mo
Sr. Arcebispo muito tem de parecido com a famosa “ofensiva” desferida pelo
falecido Cardeal Verdier na banlieue de
Paris.
Como todos sabem, a capital francesa se desenvolveu
extraordinariamente nas últimas décadas, multiplicando em torno de si os
bairros operários inteiramente novos, nos quais formigava uma população
absolutamente desprovida de recursos morais e materiais. Pela desgraça dos
tempos, não fora possível à Autoridade Eclesiástica acompanhar o
desenvolvimento da cidade, em conseqüência do que, se no antigo núcleo da velha
Paris abundavam as igrejas e instituições pias de toda a espécie e a divisão
das paróquias já atendia perfeitamente às necessidades da população, nos
bairros novos, automaticamente anexados às paróquias da periferia que assim se
tornavam vastíssimas e impossíveis de serem convenientemente pastoreadas pelos
respectivos Curas, a assistência espiritual se tornava rara e, por vezes,
inteiramente inexistente. Assim, um problema se somava a outro. A miséria dos
bairros novos, da banlieue
como dizem os parisienses, fazia dos seus moradores o terreno ideal para a
semeadura das idéias subversivas. Fervilhava na banlieue a propaganda comunista.
E, por outro lado, a carência de socorros espirituais facilitava
assombrosamente o processo de descristianização que assim se processava em
torno de Paris.
A conjunção de tão dolorosas circunstâncias
produziu frutos lamentáveis. Em certos bairros, a propaganda vermelha medrara a
tal ponto, que seria quase impossível um sacerdote passar por lá sem se
arriscar a graves injúrias ou até a uma agressão física. A banlieue formava como que uma
cinta de anarquia, de revolta e de miséria, a apertar cada vez mais ameaçadoramente o centro esplêndido da mais culta e famosa
das capitais do mundo. Foi para fazer face a esta dificílima situação, que S.
E. o Cardeal Verdier elaborou seu ousadíssimo plano.
Entretanto dificuldades financeiras que é fácil avaliar, o ilustre purpurado
mandou confeccionar um grande número de pequenas Igrejas em estilo leve e
econômico, e ordenou que fossem construídas em pleno centro dos focos de
miséria e bolchevismo. Nosso Senhor Jesus Cristo é o Divino Médico das almas, e
haveria de estar ali, presente sob as espécies eucarísticas tão realmente
quanto às margens do Tiberíades, no alto do Tabor ou no Horto das Oliveiras, a salvar, a curar, a
nutrir aquela multidão ainda mais faminta e mais necessitada do Pão da Vida, do
que do pão efêmero com que se sacia a fome corporal. Por isto, confiou Sua
Eminência as novas paróquias a uma legião de sacerdotes devotados e
empreendedores, e ao cabo de algum tempo a vitória era completa.
O operariado não pode deixar de notar que a
iniciativa do Cardeal-Arcebispo, além de ocupar numerosos braços e concorrer de
forma não pequena a aliviar muitos desempregados, era uma prova tangível de que
essa igreja que os comunistas caluniavam como inimiga dos operários penetrava
no meio deles, cingia-os amorosamente em seus braços paternais, e considerava
com olhos de compaixão suas inúmeras misérias, que se propunha curar. O
convívio quotidiano com o pároco, sempre edificante por suas virtudes, por sua
austeridade, por sua piedade, por sua alta compreensão da própria dignidade
como por sua ardente caridade, tudo isto concorreu para que a propaganda
comunista perdesse seus melhores pretextos de exploração. Por outro lado, a
ação do Pároco aproximava as almas de Deus. A graça ia banhando cada vez mais
abundantemente os espíritos transviados. E Cristo-Rei
conquistava cada dia novos triunfos nessa zona que fora outrora um extenso e
tenebroso feudo da III Internacional.
Não seria preciso dizer tanto para se compreender a
que ponto é desejável que o vasto empreendimento pelo Ex.mo Rev.mo Sr.
Arcebispo produza os mais amplos resultados. Entre nós, precisamente o mesmo
fenômeno se tem verificado. O centro da cidade, que representa nossa zona mais
antiga, está cheio de igrejas que atestam a piedade de nossos maiores. À medida
que os bairros são mais distantes, isto é mais novos, verifica-se que o número
de igrejas é menor, índice tristemente expressivo do declínio em que esteve em
certo tempo nosso fervor religioso. Finalmente, nos bairros de periferia,
nascidos não se sabe como, da noite para o dia, o número de igrejas era, a bem
dizer, quase nulo. Urgia remediar tão triste situação, antes que a propaganda
vermelha, ou a insidiosa campanha dos totalitários penetrasse naquela massa e a
fizesse levedar com o fermento ágil e vivaz do erro.
De mais a mais, a campanha espírita e protestante,
já hoje graças a Deus em franco declínio, constituía uma ameaça tremenda. Tudo
isto tornava desejabilíssimo o acréscimo do número de
paróquias de banlieue,
e, assim, o plano do Ex.mo Rev.mo Sr. Arcebispo correspondia às necessidades
mais profundas da Igreja em São Paulo.
Mas agora que o plano, já feito, está em vias de
execução, é preciso que a piedade dos fiéis se interesse vivamente por ele.
Durante algum tempo, todas as atenções estiveram concentradas no Congresso.
Nada de mais justo. Mas agora é preciso que reconheçamos a labuta extraordinária
a que se entregam numerosos sacerdotes seculares e muitas Ordens ou
Congregações Religiosas, e que colaboremos decididamente com eles.
O acervo de dificuldades a que estão sujeitos esses
heróicos e abnegados sacerdotes é imenso, e começa desde os passos preliminares
para a aquisição do terreno, até os últimos pormenores da execução das obras.
Ainda é cedo para se escrever algo sobre a verdadeira epopéia de apostolado que
esses valentes missionários de banlieue paulista escrevem neste momento. A luta contra a
incompreensão de uns, a excessiva parcimônia de outros, os caprichos e as
fantasias dos mais generosos, as susceptibilidades e o autoritarismo de tantos
e tantos doadores, as renúncias, os sacrifícios, as verdadeiras mortificações que de tudo isto decorre, são episódios
árduos e gloriosos de nossa expansão religiosa, que estão a exigir todo o devotamento de um cronista que lhes recolha dia a dia os
aspectos mais típicos, a fim de que esse tesouro não se perca para a História
da Arquidiocese e edificação das gerações futuras. Luta humilde, modesta,
apagada, ela não se faz com as lantejoulas da propaganda em grande estilo, nem
com os aplausos dos que só compreendem e só apoiam as obras de socorro
material. Por isto mesmo, elas estão a reclamar imperiosamente todo o apoio das
almas verdadeiramente fervorosas, que sabem o que vale para a glória de Deus a
fundação de mais uma nova Paróquia, mais um novo templo, mais um sacrário no
qual Nosso Senhor possa ser adorado, e mais um altar da Virgem Santíssima, Medianeira
de todas as Graças, junto ao qual as populações fiéis possam colher a plenitude
das bênçãos de Deus.