Legionário, N.º 530, 4 de outubro de 1942

AS DECLARAÇÕES DO CARDEAL ARCEBISPO DO RIO DE JANEIRO

Em outra secção deste jornal, transcrevemos na íntegra as declarações de Sua Eminência o Sr. D. Sebastião Leme da Silveira Cintra, Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro. Neste artigo, limitamo-nos a um simples comentário sobre tão momentoso documento.

Dele se pode dizer que espelha com toda a fidelidade a alma de seu eminente autor. Na nobre singeleza de sua linguagem, na clareza, concisão e precisão dos conceitos, na rara oportunidade de suas considerações vê-se nele todo o espírito ao mesmo tempo sutil e firme de nosso Cardeal.

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As primeiras palavras do documento são de completa solidariedade a S. Excia. o Sr. Presidente da República na ocasião e por motivo da bárbara agressão de que foi vítima o Brasil. Ninguém ignora como a Santa Igreja [é] sempre solícita em preceituar a todos os seus filhos uma perfeita disciplina ao Poder Temporal. É, entretanto, cuidadosa de não assumir atitudes que signifiquem qualquer interferência em assunto puramente político e humano, ainda mesmo que ponderáveis razões parecessem, segundo uns ou outros, indicar a conveniência de uma posição menos arredia. Desta vez, porém, a situação é tão especial que o Episcopado Nacional, cumprindo um altíssimo dever de patriotismo, presta ao Sr. Dr. Getulio Vargas todo o seu mais decidido apoio às medidas que forem necessárias para a defesa nacional. É, assim, um inesgotável manancial de energias morais, de prestígio e de influência que se vem somar a todas as forças vivas da nação, conjugadas na repulsa à agressão de que o País foi vítima.

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Qual a situação dos estrangeiros católicos aqui residentes? Também a estes obriga a declaração dos Ex.mos e Rev.mos Srs. Bispos, feita por intermédio do Eminentíssimo Senhor Cardeal. Hóspedes de nosso país, é para eles, mais do que um dever de cavalheirismo, uma obrigação de justiça fazer tudo para que o país vença esta guerra JUSTA em que está empenhado. E qualquer ato de sabotagem feito com o criminoso propósito de golpear a fundo os mais graves interesses nacionais seria nesse momento, para qualquer estrangeiro, ainda que nacional de país do “eixo”, pecado mortal. Pecado mortal: não há outro meio de qualificar o fato.

Pecado mortal! A expressão é terrível. Significa ela que quem conscientemente praticar atos tais fica privado da graça de Deus, irá ao inferno se morrer impenitente e, enquanto não se emendar, não poderá receber, sem sacrilégios, nem o Sacramento da confissão, nem o da Comunhão. Pecado mortal! É esta a pior desgraça que possa ruir sobre um católico. Desgraça tanto mais grave quanto ele é seu único autor. S. Luiz, Rei da França, disse preferir - a exemplo de muitos outros Santos - ficar leproso a cometer um pecado mortal. Foi para não pecar mortalmente que os mártires enfrentaram as feras no Coliseu. São estas as conseqüências de qualquer ato de sabotagem contra o Brasil.

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À vista destas reflexões, verifica-se quanto é futil, pueril, ridículo e infantil imaginar que as Ordens e Congregações Religiosas, o Clero secular estrangeiro, possam constituir ambientes em que, com freqüência ainda que relativa, se encontrem atos de sabotagem contra o Brasil.

Qual seria a atitude mental de um Religioso ou de uma Religiosa que abandonasse o mundo com todas as suas vantagens e delícias, adstringindo-se a um regime dos mais austeros, a fim de ganhar o Céu, e, finalmente, perdesse esse mesmo Céu... para fazer sabotagem! Seria o sacrifício de todas as vantagens deste mundo e do outro, e, mais do que isto - as almas piedosas compreenderão o que agora direi - uma ofensa a Deus, Nosso Senhor, coisa mil vezes mais grave do que a mais grave das desgraças.

O mais curioso é que a razão por que os membros dessas Ordens ou Congregações estrangeiras, por vezes opulentíssimas na Europa, vem ao Brasil renunciando espontaneamente ao prazer de viver em sua própria Pátria, é tão somente o zelo de salvar as almas aqui, dada a insuficiência numérica do Clero nacional. E, muitas vezes, vão às missões entre os índios... É de gente que faz um sacrifício assim que havemos de desconfiar? Renunciemos, então, e definitivamente, ao uso do mais elementar bom senso.

Quanto ao Clero, imagine-se um Sacerdote a celebrar missa diariamente, e, diariamente, a fazer um tremendo sacrilégio, só para ter um rádio e enviar algumas noticias à sua Pátria. Ridículo dos ridículos. Não há um só católico que possa admitir como freqüente ou ao menos relativamente freqüente tal balela.

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Agiu, pois, muito e muito bem o Episcopado Nacional fazendo inteiramente sua a causa dos Religiosos e Sacerdotes estrangeiros, quando declarou formalmente: “Não aceite, porém, o público, com facilidade, acusações gratuitas e de ordinário tendenciosas contra o clero, as Ordens e Congregações Religiosas em geral, não somente por tratar-se de respeitáveis corporações cujos membros, na sua generalidade, estão acima de toda a suspeita, mas ainda por sabermos, pela dolorosa experiência da vida, que em circunstâncias tais, como a do momento presente, há sempre espíritos mal intencionados ou de fantasias exaltadas, que se empenham em criar ambientes de confusão no intuito de profanar ou demolir as mais sólidas e ilibadas reputações, até de altas personalidades civis ou eclesiásticas.

Assim, pois, excetuando um ou outro caso, sempre muitíssimo raro, no qual a Autoridade Eclesiástica reivindica para si o imprescritível direito de punir imediatamente o faltoso, não se pode conceber que se mantenha, em relação aos Religiosos e Sacerdotes estrangeiros, outro sentimento que não o de um profundo respeito, de uma grande gratidão, e de uma confiança cuja garantia está em mil motivos ponderosos, e, agora, em mais este: a solene palavra dos Bispos do Brasil.

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E... ponto final. O assunto está resolvido. O que agora se deve fazer é deixá-lo morrer. A posição dos Sacerdotes e Religiosos estrangeiros está definida: ocupam eles um lugar de escol no coração dos brasileiros.