Em outra secção deste
jornal, transcrevemos na íntegra as declarações de Sua Eminência o Sr. D.
Sebastião Leme da Silveira Cintra,
Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro. Neste artigo, limitamo-nos a um simples
comentário sobre tão momentoso documento.
Dele se pode dizer que espelha com
toda a fidelidade a alma de seu eminente autor. Na nobre singeleza de sua
linguagem, na clareza, concisão e precisão dos conceitos, na rara oportunidade
de suas considerações vê-se nele todo o espírito ao mesmo tempo sutil e firme
de nosso Cardeal.
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As primeiras palavras do documento são
de completa solidariedade a S. Excia. o Sr. Presidente da República na ocasião
e por motivo da bárbara agressão de que foi vítima o Brasil. Ninguém ignora
como a Santa Igreja [é] sempre solícita em preceituar a todos os seus filhos
uma perfeita disciplina ao Poder Temporal. É, entretanto, cuidadosa de não
assumir atitudes que signifiquem qualquer interferência em assunto puramente
político e humano, ainda mesmo que ponderáveis razões parecessem, segundo uns
ou outros, indicar a conveniência de uma posição menos arredia. Desta vez, porém,
a situação é tão especial que o Episcopado Nacional, cumprindo um altíssimo
dever de patriotismo, presta ao Sr. Dr. Getulio
Vargas todo o seu mais decidido apoio às medidas que
forem necessárias para a defesa nacional. É, assim, um inesgotável manancial de
energias morais, de prestígio e de influência que se vem somar a todas as
forças vivas da nação, conjugadas na repulsa à agressão de que o País foi
vítima.
* * *
Qual a situação dos estrangeiros
católicos aqui residentes? Também a estes obriga a declaração dos Ex.mos e Rev.mos Srs. Bispos,
feita por intermédio do Eminentíssimo Senhor Cardeal. Hóspedes de nosso país, é
para eles, mais do que um dever de cavalheirismo, uma obrigação de justiça
fazer tudo para que o país vença esta guerra JUSTA em que está empenhado. E
qualquer ato de sabotagem feito com o criminoso propósito de golpear a fundo os
mais graves interesses nacionais seria nesse momento, para qualquer
estrangeiro, ainda que nacional de país do “eixo”, pecado mortal. Pecado
mortal: não há outro meio de qualificar o fato.
Pecado mortal! A expressão é terrível.
Significa ela que quem conscientemente praticar atos tais fica privado da graça
de Deus, irá ao inferno se morrer impenitente e, enquanto não se emendar, não
poderá receber, sem sacrilégios, nem o Sacramento da confissão, nem o da
Comunhão. Pecado mortal! É esta a pior desgraça que possa ruir sobre um
católico. Desgraça tanto mais grave quanto ele é seu único autor. S. Luiz, Rei da França, disse
preferir - a exemplo de muitos outros Santos - ficar leproso a cometer um
pecado mortal. Foi para não pecar mortalmente que os mártires enfrentaram as
feras no Coliseu. São estas as conseqüências de qualquer ato de sabotagem
contra o Brasil.
* * *
À vista destas reflexões, verifica-se
quanto é futil, pueril, ridículo e infantil imaginar
que as Ordens e Congregações Religiosas, o Clero secular estrangeiro, possam
constituir ambientes em que, com freqüência ainda que relativa, se encontrem
atos de sabotagem contra o Brasil.
Qual seria a atitude mental de um Religioso
ou de uma Religiosa que abandonasse o mundo com todas as suas vantagens e
delícias, adstringindo-se a um regime dos mais austeros, a fim de ganhar o Céu,
e, finalmente, perdesse esse mesmo Céu... para fazer sabotagem! Seria o
sacrifício de todas as vantagens deste mundo e do outro, e, mais do que isto -
as almas piedosas compreenderão o que agora direi - uma ofensa a Deus, Nosso
Senhor, coisa mil vezes mais grave do que a mais grave das desgraças.
O mais curioso é que a razão por que os
membros dessas Ordens ou Congregações estrangeiras, por vezes opulentíssimas na Europa, vem ao Brasil renunciando
espontaneamente ao prazer de viver em sua própria Pátria, é tão somente o zelo
de salvar as almas aqui, dada a insuficiência numérica do Clero nacional. E,
muitas vezes, vão às missões entre os índios... É de gente que faz um
sacrifício assim que havemos de desconfiar? Renunciemos, então, e
definitivamente, ao uso do mais elementar bom senso.
Quanto ao Clero, imagine-se um
Sacerdote a celebrar missa diariamente, e, diariamente, a fazer um tremendo
sacrilégio, só para ter um rádio e enviar algumas noticias à sua Pátria.
Ridículo dos ridículos. Não há um só católico que possa admitir como freqüente
ou ao menos relativamente freqüente tal balela.
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Agiu, pois, muito e muito bem o
Episcopado Nacional fazendo inteiramente sua a causa dos Religiosos e
Sacerdotes estrangeiros, quando declarou formalmente: “Não aceite, porém, o
público, com facilidade, acusações gratuitas e de ordinário tendenciosas contra
o clero, as Ordens e Congregações Religiosas em geral, não somente por
tratar-se de respeitáveis corporações cujos membros, na sua generalidade, estão
acima de toda a suspeita, mas ainda por sabermos, pela dolorosa experiência da
vida, que em circunstâncias tais, como a do momento presente, há sempre
espíritos mal intencionados ou de fantasias exaltadas, que se empenham em criar
ambientes de confusão no intuito de profanar ou demolir as mais sólidas e
ilibadas reputações, até de altas personalidades civis ou eclesiásticas.
Assim, pois, excetuando um ou outro
caso, sempre muitíssimo raro, no qual a Autoridade Eclesiástica reivindica para
si o imprescritível direito de punir imediatamente o faltoso, não se pode
conceber que se mantenha, em relação aos Religiosos e Sacerdotes estrangeiros,
outro sentimento que não o de um profundo respeito, de uma grande gratidão, e
de uma confiança cuja garantia está em mil motivos ponderosos, e, agora, em
mais este: a solene palavra dos Bispos do Brasil.
* * *
E... ponto final. O assunto está resolvido. O que
agora se deve fazer é deixá-lo morrer. A posição dos Sacerdotes e Religiosos
estrangeiros está definida: ocupam eles um lugar de escol no coração dos
brasileiros.