Legionário, N.º 517, 9 de agosto de 1942

JUSTITIA ET PAX !

Aproxima-se cada vez mais os dias do Congresso Eucarístico, e em todas as almas piedosas se intensifica a preparação para que seja realmente régio o triunfo que, para Nosso Senhor, desejamos. Não são apenas altares que se constróem, cruzes que se erguem, tronos que se ornamentam, guirlandas e festões que se apresentam para a glorificação de Nosso Senhor. Em cada coração piedoso, em cada alma verdadeiramente interior, torna-se maior o altar espiritual que erguemos a Deus, levanta-se mais alto sobre as fraquezas e os defeitos humanos a cruz da mortificação, firma-se mais solidamente o trono em que se assenta a Fé, e se tornam mais ricas e copiosas as guirlandas de sacrifícios e as flores de piedade com que esperamos tributar a Nosso Senhor uma glorificação espiritual e interior que esteja à altura da magnificência externa de que, pela solicitude pastoral da Autoridade Eclesiástica, o Congresso refulgirá.

Com essa dupla característica dos triunfos interior e espiritual, e glorificação externa e sensível, é que o Ex.mo e Rev.mo Sr. Arcebispo Metropolitano desejou o Congresso Eucarístico. Nem um, nem o outro destes preparativos deve faltar. E, por isto, as pouquíssimas semanas que nos separam do Congresso devem ser por nós ardentemente aproveitadas para o trabalho interior e externo mais fecundo, mais generoso, mais persistente que possamos efetuar.

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E, como faz parte da cuidadosa preparação de qualquer ato o se preestabelecer o modo pelo qual se deverá ele fazer, não será supérfluo que façamos nossos planos sobre o que a Nosso Senhor diremos ou pediremos durante os dias do Congresso.

Certamente, uma das nossas grandes preces deve ser pela paz. É preciso não ter entranhas de misericórdia, para não sentir uma dor profunda à vista do sangue cristão que está sendo derramado em todas as partes da Terra. E se fosse só sangue! Quantas lágrimas, quanta dor, quanto sofrimento se estende hoje por todo o mundo, com um cortejo tal de tristes conseqüências, que seria impossível à linguagem humana descrever ao menos de longe, e palidamente, o que o homem contemporâneo sofre no grande drama de nossos dias!

Se fizéssemos um cômputo de todos os bens temporais que se sacrificam no atual conflito, veríamos que a realidade é mais sombria do que as conjeturas mais pessimistas. Entretanto, parece que isto não basta para a expiação de nossas culpas, e, dos poucos bens que nos restam, ainda estamos proibidos de gozar com aquela relativa tranqüilidade que a fruição das coisas temporais permite em ocasiões normais: servimo-nos deles a medo, às pressas, açodadamente, com a impressão mais ou menos confusa de que já amanhã talvez não possamos ter à nossa disposição o que hoje ainda é nosso.

Assim, não haverá exagero em se afirmar que a escala dos sofrimentos temporais cresce de dia a dia de tal maneira, que realmente se pode prever o momento em que se tornarão quase insuportáveis.

Ora, nosso Deus é um Deus de bondade. Ele castiga, mas sabe perdoar; fere, mais sabe curar; abate, mas sabe reerguer. Assim, preparemo-nos para, nos dias do Congresso, nos aproximarmos diante do Trono Eucarístico, que é por excelência o Trono da Misericórdia, exprimindo filialmente tudo quanto nos vai de sofrimento na alma e no corpo, muito certos de que quanto mais filiais, francos e... santamente importunos saibamos ser, tanto mais agradaremos a Nosso Senhor. Foi Ele mesmo quem nos contou a parábola tocante do homem precisado de pães, que só os obteve à força de importunar um amigo que já dormia. E, em seguida nos aconselhou a que, também nós fossemos filialmente insistentes em nossos pedidos, se os quiséssemos ver atendidos. Peçamos a Nossa Senhora, Medianeira de todas as graças, que nos alcance, para os dias do Congresso, a graça da Santa importunidade sem a qual realmente perderemos muitos dos frutos que a Providencia para nós prepara.

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Entretanto, não nos esqueçamos de uma oração que a Sagrada Liturgia põe na boca do Sacerdote: Senhor, para que obtenhamos o que Vos pedimos, fazei que Vos peçamos o que Vos agrada.

Premidos pelos sofrimentos da guerra, peçamos a Nosso Senhor a paz. Mas, se realmente queremos a paz, peçamos a Deus, não uma paz qualquer, mas a verdadeira paz que Ele nos quer dar.

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Ora qual a paz que Deus nos quer dar? No brasão de armas do atual Pontífice, encontramos o princípio fundamental que responde a esta pergunta. “A paz é fruto da justiça”, lê-se nas armas pontifícias. Logo, sem justiça não há paz verdadeira. E nós não podemos pedir a Nosso Senhor senão a paz que Ele nos quer dar, e que é a paz nascida da justiça.

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Em sua primeira acepção, a frase opus Justitiae pax poderia fazer pensar que por justitiae se deve entender exclusivamente o respeito aos direitos dos vizinhos, e especialmente dos povos fracos, a observância honesta dos tratados internacionais, e o respeito às regras de moral internacional. Sem dúvida, todos estes bens fazem parte da virtude da justiça. Mas a palavra justiça tem, em seu sentido corrente, na Bíblia Sagrada, uma expressão muito mais ampla, que não podemos considerar alheia ao dístico do atual Pontífice.

 A justiça é, na linguagem da Santa Escritura, o conjunto de todas as virtudes, e, neste sentido, quando se lê que alguém é um justo na Escritura, deve entender-se que possui todas as virtudes.

Isto posto, a paz não é apenas o produto de uma honestidade internacional precariamente alicerçada em alguns vestígios imprecisos de tradições, alguns destroços de princípios morais, e alguns rudimentos de pudor que ainda possam sobrenadar, depois de nossos dias, no mundo de amanhã. Essa moral internacional mais ou menos leiga, [...] já fracassou com a defuntíssima Liga das Nações, e não pode mais servir de fundamentos a qualquer homem sensato e de espirito de Fé. Se é com o material doutrinário avariado, que sobrou das ruínas que pretendemos construir o mundo de amanhã, outra coisa não teremos feito senão contaminar com o cupim, que aluiu a sociedade contemporânea, as traves mestras da sociedade de amanhã.

Assim, o que devemos pedir é uma paz que seja o reino da virtude, que decorra da vitória da virtude, que se faça na exclusiva e inteira vantagem da virtude, é essa a paz que Deus quer, a que portanto devemos pedir a Deus se quisermos ser atendidos.

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Mas o que é virtude? As virtudes que os infiéis e os pagãos podem praticar não são suficientes para fundamentar uma verdadeira paz. Só as virtudes que a Igreja ensina, e por meio dos Sacramentos ajuda a praticar, é que são realmente o fundamento da paz. E, assim, a virtude só vencerá onde vencer a Santa Igreja de Deus.

Em outros termos, não haverá verdadeira paz senão na medida em que houver um triunfo da Santa Igreja. E nossos pedidos pela paz se devem confundir indissoluvelmente com aquela prece que diariamente se reza depois da Santa Missa: quas pro libertate et exaltatione Sanctae Matris Ecclesiae preces efundimos, misericors et benignus exaudi; ouvi Senhor, misericordiosa e benignamente, as preces que fazemos pela liberdade e exaltação da Santa Madre Igreja.

A exaltação da  Santa Igreja, isto é, que a Igreja seja reconhecida por todos os povos no reinado universal que de direito lhe cabe sobre o mundo inteiro, é este o grande anelo que deve estar indissoluvelmente ligado a todos os nossos anseios de paz. Ouçamos a Sagrada Liturgia, e, se queremos que Deus nos dê a paz, peçamos a paz que Ele nos quer dar, e não a paz imediata e incondicional que, para o mundo inteiro, talvez nossa covardia ou nosso comodismo desejassem!