Aproxima-se cada vez mais os dias do Congresso
Eucarístico, e em todas as almas piedosas se intensifica a preparação para que
seja realmente régio o triunfo que, para Nosso Senhor, desejamos. Não são
apenas altares que se constróem, cruzes que se erguem, tronos que se
ornamentam, guirlandas e festões que se apresentam
para a glorificação de Nosso Senhor. Em cada coração piedoso, em cada alma
verdadeiramente interior, torna-se maior o altar espiritual que erguemos a
Deus, levanta-se mais alto sobre as fraquezas e os defeitos humanos a cruz da
mortificação, firma-se mais solidamente o trono em que se assenta a Fé, e se
tornam mais ricas e copiosas as guirlandas de
sacrifícios e as flores de piedade com que esperamos tributar a Nosso Senhor
uma glorificação espiritual e interior que esteja à altura da magnificência
externa de que, pela solicitude pastoral da Autoridade Eclesiástica, o
Congresso refulgirá.
Com essa dupla característica dos triunfos interior
e espiritual, e glorificação externa e sensível, é que o Ex.mo e Rev.mo Sr.
Arcebispo Metropolitano desejou o Congresso Eucarístico. Nem um, nem o outro
destes preparativos deve faltar. E, por isto, as pouquíssimas semanas que nos
separam do Congresso devem ser por nós ardentemente aproveitadas para o
trabalho interior e externo mais fecundo, mais generoso, mais persistente que
possamos efetuar.
* * *
E, como faz parte da cuidadosa preparação de
qualquer ato o se preestabelecer o modo pelo qual se deverá ele fazer, não será
supérfluo que façamos nossos planos sobre o que a Nosso Senhor diremos ou
pediremos durante os dias do Congresso.
Certamente, uma das nossas grandes preces deve ser
pela paz. É preciso não ter entranhas de misericórdia, para não sentir uma dor
profunda à vista do sangue cristão que está sendo derramado em todas as partes
da Terra. E se fosse só sangue! Quantas lágrimas, quanta dor, quanto sofrimento
se estende hoje por todo o mundo, com um cortejo tal de tristes conseqüências,
que seria impossível à linguagem humana descrever ao menos de longe, e
palidamente, o que o homem contemporâneo sofre no grande drama de nossos dias!
Se fizéssemos um cômputo de todos os bens temporais
que se sacrificam no atual conflito, veríamos que a realidade é mais sombria do
que as conjeturas mais pessimistas. Entretanto, parece que isto não basta para
a expiação de nossas culpas, e, dos poucos bens que nos restam, ainda estamos
proibidos de gozar com aquela relativa tranqüilidade que a fruição das coisas
temporais permite em ocasiões normais: servimo-nos deles a medo, às pressas, açodadamente, com a impressão mais ou menos confusa de que
já amanhã talvez não possamos ter à nossa disposição o que hoje ainda é nosso.
Assim, não haverá exagero em se afirmar que a
escala dos sofrimentos temporais cresce de dia a dia de tal maneira, que
realmente se pode prever o momento em que se tornarão quase insuportáveis.
Ora, nosso Deus é um Deus de bondade. Ele castiga,
mas sabe perdoar; fere, mais sabe curar; abate, mas sabe reerguer. Assim, preparemo-nos para, nos dias do Congresso, nos aproximarmos
diante do Trono Eucarístico, que é por excelência o Trono da Misericórdia,
exprimindo filialmente tudo quanto nos vai de
sofrimento na alma e no corpo, muito certos de que quanto mais filiais, francos
e... santamente importunos saibamos ser, tanto mais agradaremos a Nosso Senhor.
Foi Ele mesmo quem nos contou a parábola tocante do homem precisado de pães,
que só os obteve à força de importunar um amigo que já dormia. E, em seguida
nos aconselhou a que, também nós fossemos filialmente
insistentes em nossos pedidos, se os quiséssemos ver atendidos. Peçamos a Nossa
Senhora, Medianeira de todas as graças, que nos alcance, para os dias do
Congresso, a graça da Santa importunidade sem a qual realmente perderemos
muitos dos frutos que a Providencia para nós prepara.
* * *
Entretanto, não nos esqueçamos de uma oração que a
Sagrada Liturgia põe na boca do Sacerdote: Senhor, para que obtenhamos o que
Vos pedimos, fazei que Vos peçamos o que Vos agrada.
Premidos pelos sofrimentos da guerra, peçamos a
Nosso Senhor a paz. Mas, se realmente queremos a paz, peçamos a Deus, não uma
paz qualquer, mas a verdadeira paz que Ele nos quer dar.
* * *
Ora qual a paz que Deus nos quer dar? No brasão de
armas do atual Pontífice, encontramos o princípio fundamental que responde a
esta pergunta. “A paz é fruto da justiça”, lê-se nas armas pontifícias. Logo,
sem justiça não há paz verdadeira. E nós não podemos pedir a Nosso Senhor senão
a paz que Ele nos quer dar, e que é a paz nascida da justiça.
* * *
Em sua primeira acepção, a frase opus Justitiae pax poderia fazer pensar que por justitiae se deve entender
exclusivamente o respeito aos direitos dos vizinhos, e especialmente dos povos
fracos, a observância honesta dos tratados internacionais, e o respeito às
regras de moral internacional. Sem dúvida, todos estes bens fazem parte da
virtude da justiça. Mas a palavra justiça tem, em seu sentido corrente, na
Bíblia Sagrada, uma expressão muito mais ampla, que não podemos considerar
alheia ao dístico do atual Pontífice.
A justiça é,
na linguagem da Santa Escritura, o conjunto de todas as virtudes, e, neste
sentido, quando se lê que alguém é um justo na Escritura, deve entender-se que
possui todas as virtudes.
Isto posto, a paz não é apenas o produto de uma
honestidade internacional precariamente alicerçada em alguns vestígios
imprecisos de tradições, alguns destroços de princípios morais, e alguns
rudimentos de pudor que ainda possam sobrenadar, depois de nossos dias, no
mundo de amanhã. Essa moral internacional mais ou menos leiga, [...] já
fracassou com a defuntíssima Liga das Nações, e não
pode mais servir de fundamentos a qualquer homem sensato e de espirito de Fé.
Se é com o material doutrinário avariado, que sobrou das ruínas que pretendemos
construir o mundo de amanhã, outra coisa não teremos feito senão contaminar com
o cupim, que aluiu a sociedade contemporânea, as traves mestras da sociedade de
amanhã.
Assim, o que devemos pedir é uma paz que seja o
reino da virtude, que decorra da vitória da virtude, que se faça na exclusiva e
inteira vantagem da virtude, é essa a paz que Deus quer, a que portanto devemos
pedir a Deus se quisermos ser atendidos.
* * *
Mas o que é virtude? As virtudes
que os infiéis e os pagãos podem praticar não são suficientes para fundamentar
uma verdadeira paz. Só as virtudes que a Igreja ensina, e por meio dos
Sacramentos ajuda a praticar, é que são realmente o fundamento da paz. E,
assim, a virtude só vencerá onde vencer a Santa Igreja de Deus.
Em outros termos, não haverá verdadeira paz senão
na medida em que houver um triunfo da Santa Igreja. E nossos pedidos pela paz
se devem confundir indissoluvelmente com aquela prece que diariamente se reza
depois da Santa Missa: quas pro libertate et exaltatione Sanctae Matris Ecclesiae preces efundimos, misericors
et benignus exaudi;
ouvi Senhor, misericordiosa e benignamente, as preces que fazemos pela
liberdade e exaltação da Santa Madre Igreja.
A exaltação da
Santa Igreja, isto é, que a Igreja seja reconhecida por todos os povos
no reinado universal que de direito lhe cabe sobre o mundo inteiro, é este o
grande anelo que deve estar indissoluvelmente ligado a todos os nossos anseios
de paz. Ouçamos a Sagrada Liturgia, e, se queremos que Deus nos dê a paz,
peçamos a paz que Ele nos quer dar, e não a paz imediata e incondicional que,
para o mundo inteiro, talvez nossa covardia ou nosso comodismo desejassem!