Legionário, N.º 514, 19 de julho de 1942

O Racionamento e o Congresso

Procedeu com evidente acerto o Ex.mo. e Rev.mo. Sr. Arcebispo Metropolitano deliberando realizar o Congresso Eucarístico, por maiores que sejam os obstáculos de toda a ordem, que se ergam para perturbar o esplendor do próximo Congresso Eucarístico, este, de modo algum, deixará de se realizar.

Um ânimo menos firme e varonil facilmente se dobraria ante o peso das circunstâncias adversas, que parecem cooperar para que o Congresso não se realize. A situação internacional continua sombria, e as declarações de nossas autoridades acentuam, de modo sereno porém cada vez mais firme, que o Brasil precisa estar espiritualmente mobilizado para qualquer emergência. Por outro lado, a carência quase completa de combustível ameaça prejudicar gravemente o transporte das dezenas de milhares de congressistas que afluirão ao vale do Anhangabaú. Finalmente, a insegurança das comunicações marítimas com quase todos os Estados litorâneos torna impossível a afluência a S. Paulo, de numerosas peregrinações. Tudo parecia, pois, indicar que o IV Congresso Eucarístico Nacional deveria ser adiado. E, não obstante, enfrentando resolutamente a premência de tantos fatores desfavoráveis, o Ex.mo e Rev.mo Sr. Arcebispo determinou que o Congresso se realizaria em quaisquer circunstâncias. Foi uma deliberação forte e ousada, que se fundou na percepção lúcida das circunstâncias concretas em que  nos encontramos, e em grande espírito sobrenatural. O êxito estrondoso que, de qualquer maneira, o Congresso terá, há de mostrar que o eminente Prelado teve razão.

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Antes de tudo, é preciso acentuar que, se indiscutivelmente os congressistas vão encontrar dificuldades quer para chegar a esta cidade, quer para, aí estabelecidos, demandar diariamente em grandes massas ao vale do Anhangabaú, há um evidente pessimismo no modo por que essas dificuldades se apresentam. O IV Congresso Eucarístico Nacional encontrou na alma brasileira ressonâncias tão profundas que podemos contar com todas as providências das autoridades civis, para, de todos os modos possíveis, mitigar as dificuldades da situação. Assim, tudo quanto estiver na alçada do Estado será feito para atenuar ou eliminar inteiramente os problemas que nossa situação anormal vem criando. Não há, pois, exagero de otimismo em se esperar que durante os dias do Congresso o transporte de congressistas se faça em S. Paulo com uma normalidade absoluta.

Por outro lado, não vemos porque seja impossível que ainda sobrevenha, até o Congresso, circunstâncias que facilitem gradativamente a distribuição de gasolina a todos os interessados. Quer por motivos naturais, quer por motivos sobrenaturais, esta hipótese sempre deve ficar aberta diante de nós. Assim, conservando embora um realismo sadio, não renunciemos tão depressa a algumas perspectivas favoráveis que temos diante de nós.

Quanto às peregrinações de outros Estados, é evidente que viriam em número muito maior, caso as circunstâncias fossem normais. No entanto, em todo o Brasil estão sendo organizadas delegações tão seletas e tão representativas, o entusiasmo piedoso das massas pelo Congresso está tão animado, que se os peregrinos não afluirão ao Congresso, esse se irradiará certamente por todo o Brasil em um verdadeiro incêndio de preces de oferecimentos e o Brasil, presente ao Congresso por seu Episcopado e por suas delegações, a eles se associará ainda de modo vibrante aos pés dos milhares de tabernáculos existentes no País.

Finalmente, os trabalhos preparatórios do Congresso estão tendo resultado tão feliz que desde já se pode prenunciar que a imensa massa humana que virá a S. Paulo “apesar de todos os pesares” será bastante para dar às sessões todo o brilho que nosso zelo pode desejar.

Nos dias do Congresso, ver-se-á que não exageramos. Apesar de tudo, o Congresso será um grande, um magnífico, um deslumbramento ato de amor coletivo a Nosso Senhor Sacramentado.

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Concedamos, porém, para efeito de argumentação, que não seja possível remover alguns dos obstáculos, e que reais e pesados sacrifícios devam ser impostos aos Congressistas. Espantar-se-ão os leitores se lhes dissermos que essa circunstância poderá concorrer, mais do que qualquer outra, para o brilho do Congresso?

Nunca devemos esquecer que, se a prece tem junto a Deus Nosso Senhor um poder admirável, ela sempre se deve amparar no valor não menor da mortificação. A prova de amor é o sacrifício. Essa verdade está inscrita no âmago de nossa Religião. E o brilho das manifestações de amor a Nosso Senhor Sacramentado é maior pela prova árdua do sacrifício, do que por todos os meios humanos que poderíamos mobilizar para o esplendor externo das cerimônias. De mais a mais, vivemos em uma época em que graves ofensas são feitas a Deus. E é digno de católicos que, pela austeridade de nossos sacrifícios, demonstremos que somos os discípulos não do mundo pagão e sensual que, segundo diz o Evangelho, “está todo imerso no mal”, mas d’Aquele que nos disse que, se O quiséssemos seguir, deveríamos fazer tomando cada qual às costas sua própria cruz.

O Congresso Eucarístico deve ter necessariamente um significado de reparação e de desagravo, hoje mais indispensável do que nunca. Uma penitência imposta à multidão pelas circunstância concorrerá notavelmente para que o caracter de desagravo do Congresso se acentue. Os espinhos destas pequenas adversidades lhe darão uma glória superior a qualquer outra.

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Isto tudo posto, trabalhemos animosamente, em união com a Comissão Executiva instituída pelo Ex.mo e Rev.mo Sr. Arcebispo Metropolitano, para que o Congresso apresente todo o esplendor que se deve desde já prever, bem certo de que ele não corresponderá a nossas expectativas, mas as excederá indubitavelmente, constituindo uma afirmação que vem em hora providencial, de que o Brasil é, e quer ser sempre católico, apostólico, romano.