Fiel embora a
sua atividade de sistemático alheamento a todos os assuntos meramente
temporais, o LEGIONÁRIO não deve abandonar sua tradição essencial que consiste
em intervir em todos os acontecimentos temporais em toda a medida em que eles
interessarem direta ou indiretamente, mediata ou imediatamente, à Causa
Católica. Entre uma e outra posição não há contradição. Se nos alheamos de
quaisquer problemas meramente temporais, fazemo-lo exclusivamente por querermos
servir em toda a linha a Igreja Católica. E se em determinados problemas
temporais a Igreja estiver interessada, ainda que acidentalmente, esse mesmo
zelo pela Causa de Deus nos deve levar a tomar neles posição nítida: com
efeito, pelo simples fato de a Igreja estar interessada em um problema, perde
ele seu caráter temporal, e cessa o motivo de nossa não-intervenção.
Se bem que os
debates na Câmara dos Comuns a propósito da capitulação de Tobruque não tenham tido qualquer relação direta com
assuntos espirituais, não pode, pois, o LEGIONÁRIO deixar de fazer sobre eles
um comentário.
* * *
O resultado da
votação feita a propósito da moção de desconfiança contra o Sr. Winston
Churchill mostrou que este possui uma
esmagadora maioria, capaz de colocar o governo inglês em condições de
prosseguir tranqüilamente na luta contra seus adversários. Isto não obstante,
os debates que precederam a votação demonstraram claramente que a capitulação
do general Richtie não causou apenas temor,
mas ainda, e sobretudo, verdadeira e veemente surpresa entre os parlamentares
do Reino Unido. Por que? Durante todos os debates, se bem que muitas vezes se
houvessem levantado em favor do gabinete, ninguém ousou uma defesa clara e
direta da atitude do militar britânico. Alguns oradores tentaram - e foi tudo -
desviar do espinhoso assunto a atenção de seus colegas, por meio de
escapatórias inábeis. Assim, quando um dos deputados investia contra a direção
da guerra e suas alusões atingiam cada vez mais o general Richtie,
um dos ministros o aparteou perguntando se ele estava
à procura de uma vítima expiatória. Dias depois, entretanto, o próprio governo
inglês demitiu - sem esperar o pedido de exoneração - o general Richtie, e com isto mostrou que efetivamente o decoro
nacional exigia a punição do grande culpado. O Sr. Churchill declarou
cautelosamente que ainda era cedo para fazer à Câmara um relato sobre a conduta
do cabo de guerra demissionário. E, com isto tudo, um véu de decência cobriu
mais este episódio desconcertante e enigmático da atual conflagração mundial.
* * *
De todos os
pontos de vista, isto é, como católicos e como brasileiros, somos interessados
em levantar a ponta do véu. Com efeito, mais uma vez o neo-paganismo
alcança uma vitória decisiva, não em conseqüência de uma luta renhida como as
que ora se travam em território russo, mas como fruto de acontecimentos
velados, de episódios clandestinos, de recuos inexplicáveis do adversário, em
todo análogos aos que deram aos nazistas tão grandes vantagens na luta contra a
Noruega, França, Bélgica, Holanda etc. Todos ainda nos lembramos da
inexplicável inércia de Gamelin,
da imperícia infantil e falaciosa de Korep,
da capitulação do forte de Liège, e, por fim, da
grande, da suprema, da imortal "surpresa" da rendição de Pétain.
Linhas de
combate intransponíveis, situações estratégicas invencíveis, fortificações
inexpugnáveis, tudo cedia ante o invasor como se um misterioso timbó paralisasse ante ele todos os adversários, e suas
vitórias davam muito mais a impressão de marchas triunfais através de países
atacados de moléstia de sono, do que uma guerra séria e autêntica.
A despeito de
mil oposições, enfrentando irascibilidades
patrioteiras das mais injustas e cegas, o LEGIONÁRIO vem mostrando
sistematicamente este aspecto de truck, de bluff, de camouflage que se encontra em quase todos os episódios
essenciais do atual conflito. É preciso que os generais de Hitler não venham a
cingir perante a História do futuro os louros próprios à glória militar, quando
positivamente não é tanto da luta armada quanto da cilada, da traição, do
punhal vibrado pelas costas, que muitos e muitos deles receberam a vitória.
Em nossa edição
anterior já assinalamos que o próprio comunicado alemão deixava transparecer a
surpresa que às forças teutônicas causou a súbita rendição do adversário.
Mas, dir-se-á,
essa surpresa é uma prova da inocência dos nazistas. Se eles devessem à quinta
coluna sua vitória, não teriam manifestado surpresa
para não dar documento de que efetivamente o adversário se rendeu com
facilidade. O argumento é inconsistente. A facilidade da rendição de qualquer
maneira [...erro tipográfico...] [chocou] a opinião inglesa,
pois que ela conhecia bem os recursos que havia em Tobruque.
Neste sentido, o comunicado das tropas nazistas nada alterou. Esta surpresa
implicava, na realidade, em uma afirmação indireta de que não havia qualquer
espécie de conivência entre sitiantes e elementos da guarnição sitiada. Assim,
não é ela senão um paravento atrás do qual o comando
alemão tentou esconder inutilmente a verdadeira causa da vitória.
Durante anos se
combateu na África sem que qualquer dos lados obtivesse resultado definitivo.
Inesperadamente, um dos contendores se atira nos braços do outro. Toda a
Inglaterra vibra de indignação. Mas a
derrota de Tobruque está consumada, e os males já
hoje se apresentam como gravíssimos. Surpresa nas fileiras alemãs. Surpresa,
também, no Parlamento inglês. A despeito de tudo isto, o fato aí está, o enigma
continua de pé, e a explicação parece não acudir a ninguém... ou ao menos aos
cegos que não querem ver.
* * *
Assim é que o
nazismo costuma vencer seus adversários. Entre esses adversários, estão já
hoje, e desde muito tempo, a Igreja Católica. O Brasil tem suas relações rotas
com o "eixo". Se quisermos estar à altura do momento, lembremo-nos de
que a vigilância é o dever essencial que a Fé e o patriotismo nos impõem.