Legionário, N.º 512, 5 de julho de 1942

Os Debates Sobre a Capitulação de Tobruque

Fiel embora a sua atividade de sistemático alheamento a todos os assuntos meramente temporais, o LEGIONÁRIO não deve abandonar sua tradição essencial que consiste em intervir em todos os acontecimentos temporais em toda a medida em que eles interessarem direta ou indiretamente, mediata ou imediatamente, à Causa Católica. Entre uma e outra posição não há contradição. Se nos alheamos de quaisquer problemas meramente temporais, fazemo-lo exclusivamente por querermos servir em toda a linha a Igreja Católica. E se em determinados problemas temporais a Igreja estiver interessada, ainda que acidentalmente, esse mesmo zelo pela Causa de Deus nos deve levar a tomar neles posição nítida: com efeito, pelo simples fato de a Igreja estar interessada em um problema, perde ele seu caráter temporal, e cessa o motivo de nossa não-intervenção.

Se bem que os debates na Câmara dos Comuns a propósito da capitulação de Tobruque não tenham tido qualquer relação direta com assuntos espirituais, não pode, pois, o LEGIONÁRIO deixar de fazer sobre eles um comentário.

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O resultado da votação feita a propósito da moção de desconfiança contra o Sr. Winston Churchill mostrou que este possui uma esmagadora maioria, capaz de colocar o governo inglês em condições de prosseguir tranqüilamente na luta contra seus adversários. Isto não obstante, os debates que precederam a votação demonstraram claramente que a capitulação do general Richtie não causou apenas temor, mas ainda, e sobretudo, verdadeira e veemente surpresa entre os parlamentares do Reino Unido. Por que? Durante todos os debates, se bem que muitas vezes se houvessem levantado em favor do gabinete, ninguém ousou uma defesa clara e direta da atitude do militar britânico. Alguns oradores tentaram - e foi tudo - desviar do espinhoso assunto a atenção de seus colegas, por meio de escapatórias inábeis. Assim, quando um dos deputados investia contra a direção da guerra e suas alusões atingiam cada vez mais o general Richtie, um dos ministros o aparteou perguntando se ele estava à procura de uma vítima expiatória. Dias depois, entretanto, o próprio governo inglês demitiu - sem esperar o pedido de exoneração - o general Richtie, e com isto mostrou que efetivamente o decoro nacional exigia a punição do grande culpado. O Sr. Churchill declarou cautelosamente que ainda era cedo para fazer à Câmara um relato sobre a conduta do cabo de guerra demissionário. E, com isto tudo, um véu de decência cobriu mais este episódio desconcertante e enigmático da atual conflagração mundial.

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De todos os pontos de vista, isto é, como católicos e como brasileiros, somos interessados em levantar a ponta do véu. Com efeito, mais uma vez o neo-paganismo alcança uma vitória decisiva, não em conseqüência de uma luta renhida como as que ora se travam em território russo, mas como fruto de acontecimentos velados, de episódios clandestinos, de recuos inexplicáveis do adversário, em todo análogos aos que deram aos nazistas tão grandes vantagens na luta contra a Noruega, França, Bélgica, Holanda etc. Todos ainda nos lembramos da inexplicável inércia de Gamelin, da imperícia infantil e falaciosa de Korep, da capitulação do forte de Liège, e, por fim, da grande, da suprema, da imortal "surpresa" da rendição de Pétain.

Linhas de combate intransponíveis, situações estratégicas invencíveis, fortificações inexpugnáveis, tudo cedia ante o invasor como se um misterioso timbó paralisasse ante ele todos os adversários, e suas vitórias davam muito mais a impressão de marchas triunfais através de países atacados de moléstia de sono, do que uma guerra séria e autêntica.

A despeito de mil oposições, enfrentando irascibilidades patrioteiras das mais injustas e cegas, o LEGIONÁRIO vem mostrando sistematicamente este aspecto de truck, de bluff, de camouflage que se encontra em quase todos os episódios essenciais do atual conflito. É preciso que os generais de Hitler não venham a cingir perante a História do futuro os louros próprios à glória militar, quando positivamente não é tanto da luta armada quanto da cilada, da traição, do punhal vibrado pelas costas, que muitos e muitos deles receberam a vitória.

Em nossa edição anterior já assinalamos que o próprio comunicado alemão deixava transparecer a surpresa que às forças teutônicas causou a súbita rendição do adversário.

Mas, dir-se-á, essa surpresa é uma prova da inocência dos nazistas. Se eles devessem à quinta coluna sua vitória, não teriam manifestado surpresa para não dar documento de que efetivamente o adversário se rendeu com facilidade. O argumento é inconsistente. A facilidade da rendição de qualquer maneira [...erro tipográfico...] [chocou] a opinião inglesa, pois que ela conhecia bem os recursos que havia em Tobruque. Neste sentido, o comunicado das tropas nazistas nada alterou. Esta surpresa implicava, na realidade, em uma afirmação indireta de que não havia qualquer espécie de conivência entre sitiantes e elementos da guarnição sitiada. Assim, não é ela senão um paravento atrás do qual o comando alemão tentou esconder inutilmente a verdadeira causa da vitória.

Durante anos se combateu na África sem que qualquer dos lados obtivesse resultado definitivo. Inesperadamente, um dos contendores se atira nos braços do outro. Toda a Inglaterra vibra de indignação. Mas a derrota de Tobruque está consumada, e os males já hoje se apresentam como gravíssimos. Surpresa nas fileiras alemãs. Surpresa, também, no Parlamento inglês. A despeito de tudo isto, o fato aí está, o enigma continua de pé, e a explicação parece não acudir a ninguém... ou ao menos aos cegos que não querem ver.

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Assim é que o nazismo costuma vencer seus adversários. Entre esses adversários, estão já hoje, e desde muito tempo, a Igreja Católica. O Brasil tem suas relações rotas com o "eixo". Se quisermos estar à altura do momento, lembremo-nos de que a vigilância é o dever essencial que a Fé e o patriotismo nos impõem.