Chegamos em artigo anterior a duas conclusões de
capital importância:
1 – tem força
plenamente obrigatória e pleno vigor jurídico os Estatutos Provisórios da Ação
Católica Brasileira enquanto não forem reformados.
2 – Além disto, Pio XII já deixou bem claro
que se deve entender que a dualidade de situações criada pela fundação da AC -
associações fundamentais e auxiliares - não implica, de modo algum, em uma diversidade
de essência jurídica.
Isto posto, pergunta-se: implica em diversidade de
situação jurídica? É preciso distinguir entre essência jurídica e situação
jurídica. Por exemplo, uma Federação Mariana tem
situação jurídica diversa de uma simples Congregação. Entretanto, a essência
jurídica de ambas as organizações é a mesma: obras de colaboração no apostolado
hierárquico da Igreja.
Mas, se há dois tipos de associações, umas
fundamentais, outras auxiliares, que diversidade real e objetiva decorre desta
diversidade de denominação? Atendendo bem aos termos, auxiliares do quê?
Fundamentais do quê? Da Ação Católica. Logo, existe uma grande obra que a Ação
Católica deve realizar, e para cuja
consecução estas duas entidades devem concorrer de modo diverso, umas como
fundamentais, e outras como auxiliares. Diante disto, qual o panorama que
vemos? Há um grande fim geral, para o qual o Santo Padre conclama todos os
fiéis. Os modos de obter este fim, cada Bispo em sua Diocese as determina e
realiza, servindo-se para tanto, entre outros meios, de uma Junta Diocesana ou
central, que deve superintender todos os esforços do laicato católico. A esta
Junta cabe fornecer as diretrizes emanadas da Autoridade, e coordenar os
trabalhos na realização destas diretrizes. Para a obtenção desta finalidade
coletiva, tem a Junta dois tipos de organismos, uns, fundamentais, vivem sob
uma dependência mais direta e são como que os fundamentais normais, os meios de
execução imediatos e habituais dos desígnios expressos pela Autoridade por meio
da Junta. Outros, pelo contrário, são elementos que ocupam nas atividades da AC
uma função subsidiária, que a Junta deve utilizar na medida em que, na
realização de suas atividade normais, não for suficiente o concurso das
organizações fundamentais.
Analisemos mais detidamente este conceito. O fim
geral da AC é, evidentemente, a instauração do Reinado de Nosso Senhor Jesus
Cristo. Entretanto, ela não pode procurar a realização simultânea de toda a
grande variedade de esforços que esta tarefa imensa exige. Por isto, no mundo
inteiro a AC tem tomado o hábito de estabelecer programas anuais, que
constituem os marcos de progresso, a trajetória metódica e segura por ela
seguida na realização de suas altas finalidades. Os meios, por excelência, da
AC na execução deste programa são os organismos fundamentais. Entretanto, pode
ela apelar para o concurso dos organismos auxiliares, sempre que sinta a
insuficiência dos recursos dos organismos fundamentais para tal trabalho.
Ora, acontece que, paralelamente ao programa anual
da AC, há uma imensa seara de apostolado em que se pode trabalhar. Desde que a
AC não peça às A. A. uma atividade de colaboração direta em seu programa, podem
as associações auxiliares consagrar todos os seus esforços e recursos na
colaboração com a Hierarquia em quaisquer campos do apostolado, e, ainda assim,
elas continuarão a funcionar como verdadeiras auxiliares da AC, pois que
estarão desbastando um campo que, dia mais dia menos, a AC terá de trilhar.
Entretanto - note-se bem - neste último
gênero de tarefa, as A. A. não estão sujeitas direta e normalmente à Junta
Diocesana, mas exclusivamente à Hierarquia, de modo direto e imediato. Nisto há
uma diferença importante de situação jurídica. Com efeito, as A. A. podem
desenvolver trabalhos que estejam à margem das atividades próprias e oficiais
da A. A. O mesmo, evidentemente, não se pode dar com as organizações
fundamentais.
Por outro lado, os Estatutos da A.C.B. diferenciam
claramente a autoridade direta que a Junta Diocesana exerce sobre as diretrizes
das organizações fundamentais, da autoridade apenas indireta que exerce sobre
as A. A. por meio da Confederação Católica. E todas estas diferenças de
situação provam à saciedade que há uma real e objetiva diferença, segundo os
presentes estatutos da A.C.B., entre as organizações fundamentais e auxiliares.
* * *
Porém, toda esta situação criada sob o glorioso
pontificado do inolvidável Pio XI não deixava de suscitar alguns problemas que
preocuparam os espíritos esclarecidos. São tão evidentes e tão freqüentes os motivos de dupla incidência de atividades
em um mesmo campo, no caso das organizações auxiliares e fundamentais da AC,
que se torna absolutamente claro que seria preciso fixar princípios, ou abrir
diretrizes para a solução deste problema concreto nascido com a prática. De que
modo o fez a Santa Sé?
Primeiramente, traçou o Santo Padre sábias e
importantes regras de cooperação, na alocução que pronunciou aos 5 de Setembro
de 1940, e que o boletim da AC publicou. Destacamos da alocução pontifícia os
seguintes tópicos:
“Mas além da união entre si, será uma vantagem de
afeição amistosa e cordial se reinar união entre os membros da Ação Católica e
os de outras associações. A organização da Ação Católica Italiana, embora seja
órgão principal dos católicos militantes, não obstante, comporta a seu lado
outras associações também dependentes da Autoridade Eclesiástica, das quais
algumas que tem fins e formas de apostolado bem se podem dizer colaboradores no
apostolado Hierárquico. Entre essas Associações e as da Ação Católica, quem não
vê como seja necessário que exista uma benevolência mútua, uma larga
compreensão, uma cooperação sincera: dotes e virtudes que têm suas raízes, de
um lado, no zelo puríssimo da glória de Deus e da salvação das almas que inflama
a todas; de outro lado em pertencer, aí atingindo à seiva de vida, ao mesmo
Corpo Místico de Cristo? Umas e outras não se perturbarão nos trabalhos aos
quais segundo os seus próprios estatutos, aprovados pela autoridade da Igreja,
se consagram; ao contrário, mutuamente com emulação se auxiliarão, e
sustentarão, a fim de que na verdade espiritual que se ajusta, se adapta, se
amolda aos diversos costumes, a mudanças das circunstâncias, à índole dos
temperamentos, apareça e fulgure a luminosa insígnia característica do cristão:
a caridade.”
* * *
Entretanto, é preciso acentuar que o Santo Padre
considera também para a AC Italiana uma outra possibilidade nova e digna de atenção na alocução que proferiu
aos peregrinos e representantes da AC Italiana. Diz o Pontífice: “E, se nos institutos católicos de
educação, não de outro modo como nas associações religiosas que tem fins e formas organizadas de
apostolado, se estabelecerem associações internas de AC, esta aí entre com discreção e reserva, nada perturbando da estrutura e da
vida do instituto ou da associação, mas apenas imprimindo novo impulso ao espírito
e às formas de apostolado, enquadrando-as na grande organização central”.
Assim, o Santo Padre Pio XII não se limitou a
indicar as normas de mútua prudência e caridade que devem ser observadas pelas
organizações fundamentais e auxiliares da A.C. Ele vai mais longe, e aponta à
A.C. Italiana a visibilidade de uma solução que, em muitos casos concretos,
pode sentir os melhores e mais auspiciosos resultados: é a fundação de núcleos
da AC dentro das próprias organizações auxiliares, o que evidentemente
constitui um poderoso vínculo de união e coordenação entre todos.
Esta verdadeira inovação introduzida por Pio XII na
estrutura da AC Italiana constitui um harmonioso desenvolvimento das diretrizes
dadas a esta pelo imortal Pio XI. Sabemos que, há alguns anos, essa solução vinha sendo
experimentada na Itália. Deve ter dado certamente resultados satisfatórios no
ambiente peculiar àquele país, já que o Santo Padre consagrou a legitimidade
dessa interpenetração de estruturas em sua mencionada alocução.
Quais os resultados que o Santo Padre espera dessa
interpenetração da AC Italiana nas associações e instituições católicas? Ele
mesmo as enumera:
1 - um novo impulso no espírito e na forma de
apostolado de cada instituição onde a AC penetrar; o que significa, em outros
termos, que a AC longe de constituir um perigo de desvirtuamento do espírito da
associação ou instituição, deve agir como um fermento sutil, que tornará mais
genuíno, mais autêntico, mais real o espírito próprio a cada obra, e mais
vivazes os seus esforços de apostolado;
2 - que com isto não haja fortalecimento da
estrutura de todo o apostolado leigo dentro dos quadros gerais da AC.
E o Santo Padre exclui categoricamente um perigo
que a muitos espíritos poderiam causar apreensão: essa penetração da AC pode
ser feita “nada perturbando da estrutura
e da vida do instituto e da associação”.
Como se vê, essa solução oferece largo campo para o
estudo e as digressões dos doutrinadores, que poderão encontrar uma forte
substância doutrinária subjacente nessa solução prática estabelecida, na
Itália, pelo Sumo Pontífice.
* * *
Pio XII gosta de se dizer continuador
de Pio XI, e realmente tem o ex-secretário de Estado
do grande Papa falecido todos os títulos para fazer de seu Pontificado um
prolongamento luminoso do Pontificado anterior. Além de Sucessor de Pio XI, Pio
XII é seu continuador. Mas um continuador
de grande envergadura como Pio XII não se limita a andar pelos caminhos abertos
pelo seu antecessor. Faz mais. Abre ele próprio novos caminhos que constituam o
prolongamento harmonioso das vastas e fecundas perspectivas que Pio XI traçou.
Seria supérfluo acrescentar que, nessa obra
personalíssima de completar inovando, Pio XII introduziu as características de
sua individualidade de escol. Competia ao seu espírito tão apaixonado de
colaboração, de cordura, de caridade, demonstrar por meio de realizações práticas
que a grande obra de Pio XI poderia ser levada a feliz termo, em todos os
sentidos, dentro daquele ambiente típico da Igreja que se traduz no anelo de
nosso Divino Salvador: “que todos sejam um”. Esta a preocupação dominante da
alocução de 5 de setembro, quando o Santo Padre traçou à Ação Católica esse
belo programa, a que com todo o entusiasmo devemos aderir:
1 - “União com a Hierarquia”.
2 - “União com Deus”.
3 - “União com as outras associações”.
Para isto, tem a A.C. de S. Paulo um motivo particular.
Jamais deve ela esquecer-se de que no brasão de armas de seu amantíssimo
Arcebispo é o mesmo programa de união que se inscreve, como norma inspiradora
de todos os esforços de sua infatigável atividade.