Para o católico realmente imbuído de sentimentos
filiais para com a Santa Sé, nada há de mais interessante do que acompanhar o
desenvolvimento que tem sido dado ao conceito de Ação Católica no pontificado de
Pio XII. Seria temerário ver
uma ruptura de continuidade na vida da Ação Católica com a ascensão do novo
Papa ao Trono de S. Pedro. Considerando as coisas da Igreja com olhos filiais,
esforcemo-nos por discernir, nos vários atos do atual Pontífice, a continuidade
do pensamento e da ação do seu preclaro antecessor.
Procuraremos demonstrar esta continuidade em dois
artigos, tomando por base um documento emanado de Pio XI - os Estatutos da
Ação Católica Brasileira - e os principais documentos de Pio XII, sobre o mesmo
assunto.
* * *
Como se sabe, os Estatutos da Ação Católica
Brasileira promulgados por todo o Episcopado Nacional foram cuidadosamente
revistos e examinados de antemão pela Santa Sé. Eles constituem, pois, um ato
oficial da Hierarquia, revestidos de toda a autoridade que lhes vem não só da
aprovação de nossos Bispos como ainda da chancela da Santa Sé. Seria infantil
alegar que esta autoridade é apenas relativa, porquanto os Estatutos podem ser
reformados a qualquer momento. Com efeito, enquanto os Estatutos estiverem em
vigência e não forem alterados, tem eles plena força de lei, e não podem ser
desobedecidos por quem quer que seja. Mais ainda, eles só podem ser reformados
por quem os promulgou, e o laicato, que não tem autoridade para tanto, deve
abster-se cuidadosamente de conjeturas, de previsões e interferências em campo
que não lhe pertence. Deixemos este assunto à Hierarquia. Quanto a nós, lembremo-nos
somente de que enquanto ela não fizer esta reforma que poderá vir logo, demorar
muito ou não vir de todo, estamos absolutamente tão obrigados a obedecer a tais
Estatutos quanto se eles fossem eternos. Se amanhã a Santa Sé os reformar,
tê-lo-á feito com sua habitual sabedoria e nos inclinaremos de bom grado, mas
este dia de amanhã não tem eficácia para alterar antecipadamente o que ainda
hoje está em vigor.
A nós, leigos, não compete o direito de fazer sobre
os Estatutos da A.C. apreciações de
qualquer natureza, mas apenas obedecer-lhes com júbilo, porque são a expressão
atual da vontade da Igreja, que com idêntico júbilo obedeceremos se algum dia
ela mandar o contrário. Isto posto, entremos em nossos assuntos.
* * *
Os Estatutos da A.C.B. consideram três espécies de
organizações: a) os quadros fundamentais da A.C., a saber os Homens da A.C., a
Juventude com os Benjamins e os Aspirantes; e as entidades que lhes
correspondem no plano feminino; b) as associações auxiliares, em cujo número se
incluem todas as associações de piedade e apostolado pré-existentes
à fundação da A.C., ou instituídas depois dela; c) as obras econômico-sociais,
que não têm um fim imediato de apostolado nem de piedade, mas que se dedicam
diretamente à solução de questões econômico-sociais
ligadas à realização das diretrizes da Igreja
neste assunto.
Estes Estatutos [têm] uma verdadeira originalidade
no assunto. Com efeito, essa pluralidade de organizações não se encontra, senão
muito raramente, nos Estatutos da A.C. de outros países, e se deve à
previdência do nosso zeloso Episcopado que bem compreendeu o grave erro que
havia em se dissociar do trabalho da A.C. toda a magnífica rede de organização
de piedade e de apostolado a ela pré-existente.
Mas esta pluralidade criou um duplo problema. De um
lado, tornou mais nítida do que nunca a questão da essência jurídica das várias
categorias: será real que são umas participantes e outras meras colaboradoras
da Hierarquia? Em segundo lugar, já que às varias categorias está franqueado o
terreno do Apostolado, pergunta-se: qual o teor das relações que entre elas
devem existir?
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À primeira questão, respondeu um artigo de S.E. o
Cardeal Piazza, presidente da Comissão Cardinalícia instituída pelo
Santo Padre para tratar das questões da A.C. na Itália. Seria temerário
subestimar-se o verdadeiro alcance de tal documento. Em matéria de A.C., não há
problema mais importante do que o da natureza jurídica dessa organização. É
evidente. Nenhum ser tem problema mais fundamental do que o conhecimento de sua
própria natureza. Todos os outros problemas da A.C. ficam subordinados a essa
importantíssima questão. Quer se responda de um, quer de outro modo, daí
decorre uma série de conseqüências que se projetam sobre a vida e organização
da A.C.
Ora, é evidente que o Santo Padre Pio XII não poderia ter
nomeado para cargo de tal importância um Cardeal que não tivesse, sobre essa
questão fundamental, vital, que influencia todas as outras questões, o próprio
pensamento do Pontífice. Quem conhece o acendrado zelo com que S.S. Pio XII
governa a Igreja percebe logo a prudência e o critério que o guiou na escolha
de um auxiliar numa questão de importância capital para a dilatação do reinado
de N. S. Jesus Cristo. Esta mesma consideração leva-nos a crer que S.E. o
Cardeal Piazza só se externou publicamente depois de
se inteirar perfeitamente do pensamento do Romano Pontífice. Tudo isto bem o
sentiu o “Boletim da A.C.B.”, transcrevendo o artigo de S.E. o Cardeal Piazza, tão claro, tão harmonioso, tão preciso, sobre o
assunto.
Com efeito, se esse artigo não tivesse qualquer
relação com a A.C. Brasileira, sua transcrição no Boletim não se explicaria. É
óbvia entre o artigo e nossa A.C.. A essência jurídica da A.C. é a mesma no
mundo inteiro, e o pensamento do Santo Padre sobre a essência da A.C. italiana
interessa tanto a esta quanto à do Brasil ou a de qualquer outro país. A
estrutura jurídica da A.C., ou seja sua organização interna pode variar de um
país para outro. Sua essência jurídica, isto é sua qualificação como elemento
integrante da Igreja docente ou discente, participantes das funções
hierárquicas ou órgão de atividade inteiramente súdito, é o mesmo em todo o
orbe católico.
Aliás, o artigo do Cardeal Piazza
tem o título “Desenvolvimento de uma Definição”. E é comentário e interpretação
autorizada de uma definição que o Santo Padre Pio XI deu para o mundo
inteiro.
Como dissemos, a opinião do Cardeal Piazza exprime o pensamento do próprio Pontífice. E, em seu
artigo, o ilustre Prelado elucida, sob a égide de Pio XII, com sabedoria e
prudência, o problema suscitado a propósito da atualidade de expressões
“participação” e “colaboração”, usadas pelo Santo Padre Pio XI,
indiferentemente, em suas definições de A.C. Depois de várias considerações
doutrinárias e jurídicas importantíssimas, o porta-voz do Santo Padre conclui
que a A.C. é de essência jurídica absolutamente idêntico à dos órgãos do
apostolado leigo pré-existentes, e demonstra que
quando o Santo Padre Pio XI falou em “participação”, teve em mente dar a esta
palavra o sentido, aliás legítimo, de mera colaboração.
* * *
Como se vê, sem ruído, sem afirmações estrepitosas,
o Santo Padre Pio XII, com uma firmeza suave que lhe é muito característica, já
deu solução ao mais importante dos problemas da A.C.. Entretanto, S.S. não se
limitou a falar pela autoridade do Cardeal Piazza. Na
alocução de 5 de dezembro de 1940 aos representantes da A.C. Italiana se referiu insistentemente à
A.C. o Sumo Pontífice. E, nesse documento, aludiu à A.C. 13 vezes como uma
“cooperação” ou “colaboração” com o apostolado hierárquico, e nem uma só vez
como “participação”. Silêncio cauteloso e eloqüente, mostra ele muito bem que o
Santo Padre entende, também ele, que a participação da A.C. no [apostolado]
hierárquico da Igreja é uma simples colaboração.
“Simples colaboração” - a palavra não deixa de ser
curiosa. Com efeito, a colaboração é simples, como são simples todas as coisa
grandes e belas. E que pode haver de mais belo para um leigo do que auxiliar a
Hierarquia na realização de sua missão providencial?
Uma rápida reflexão elucidará nosso
pensamento a este respeito. O Cireneu não participou do Sacrifício Redentor de
N. S. Jesus Cristo, mas colaborou humildemente com o Salvador nessa obra das
obras, carregando modestamente a Cruz do Divino Redentor. Entretanto, a santa
inveja de todas as gerações cristãs, durante perto de vinte séculos, se
concentrou sobre essa figura de eleição, chamada à excelsa dignidade dessa
“simples” colaboração. Sejamos como Cireneu: contentamo-nos em ser meros
colaboradores da Hierarquia Eclesiástica, dando graças a Deus por essa grande
honra, e pedindo a Nossa Senhora que nos obtenha a docilidade, obediência e
fidelidade de colaboradores sans peur et sans reproche, isto
é, sem medo dos adversários da Igreja, e sem qualquer falta para com a Sagrada
Hierarquia.
* * *
A A.C. tem absoluta necessidade de que esta
doutrina sadia se difunda cada vez mais. Com efeito,
urge que a A.C. entre por toda a parte, isto é nos colégios, nas fábricas, nos
quartéis e nos escritórios das grandes organizações modernas. É este o desejo
do Pontífice. E necessário se torna que esse trabalho de expansão não encontre
cerradas em seu caminho tantas portas que a difusão de doutrinas errôneas cerrou.