Legionário, N.º 508, 7 de junho de 1942

A última alocução pontifícia

Na quarta-feira p.p., publicaram os jornais mais uma alocução do Santo Padre Pio XII. O mundo já se está habituando a admirar as produções do Pontífice, tão notáveis por sua bela forma literária, quanto por sua unção verdadeiramente angélica. Enquanto, de todos os lados, só se ouve falar em luta, matança, em ódio, o Santo Padre é infatigável em empregar a linguagem do amor, e sabe dar às suas palavras uma autoridade e um calor que estabelecem um imenso contraste com o pacifismo oco e vazio [...], que tão freqüentemente se encontra entre nós.

O que, entretanto, é sobretudo digno de nota, é que o Santo Padre mantém, em sua doçura, uma invencível firmeza. Insulado, em pleno território italiano, no meio de forças militares do “eixo”, sujeito a qualquer momento a um ato de violência ou de simples pressão, o Santo Padre tem sabido manter, nas circunstâncias atuais, uma linha de conduta firmíssima, que deve causar a maior admiração.

Logo no início da guerra, manifestou-se o Sumo Pontífice, com sobranceira energia, contra a agressão feita à Holanda, Bélgica e Luxemburgo. Depois, a Santa Sé acentuou, por meio do “Osservatore Romano”, que não era  neutra no presente conflito, mas simplesmente evitava de enfeudar os interesses da Santa Igreja a pontos de vista meramente humanos e temporais. Neutra, ela não o era e não o poderia ser. Na presente luta quando estavam empenhados de um e de outro lado interesses e princípios que tão de perto afetavam a vida e doutrina da Igreja, a Santa Sé não poderia ver com indiferença o desfecho da luta. Pouco depois, o nazismo começou a alardear sua ridícula propaganda no sentido de persuadir o mundo de que estava em vias de realizar uma cruzada triunfante contra a Rússia soviética. E, assim, católicos ingênuos, de todos os matizes intelectuais ou ideológicos, começaram a aplaudir o novo Godofredo de Bouillon. Entretanto, a Santa Sé continuou firme em sua atitude inicial, e jamais deu a esta pretensa “cruzada” a palavra de incitamento, de apoio, de estímulo que os pseudo-cruzados esperavam ansiosamente. E, cada vez que o Papa vai falar, desilude mais uma vez esta expectativa, com uma perseverança e uma firmeza que - nós o podemos imaginar - há de custar ao Vigário de Cristo preocupações e angústias sem conta.

Com efeito, a Santa Sé, como todas as outra potências que lutam contra o nazismo, há de experimentar a terrível “guerra de nervos” de que a diplomacia do III Reich tem tirado tantos lucros. E, por isto, bem podemos imaginar as insinuações, os pedidos, as ameaças, as manobras que, a todo o momento, circundam o Trono de S. Pedro, a fim de arrancar ao Santo Padre uma palavra, uma só, uma pequenina e rápida palavra de apoio ao “eixo”, ao menos.

E, no entanto, esta palavra não veio... e não virá.

Só Deus pode saber o que, para tal resultado, o Papa sofre, as apreensões que lhe torturam o espírito, as amarguras que lhe invadem a cada momento a alma. Neste mês, mês em que se festeja a festa de S. Pedro, oremos pelo Papa, ofereçamos a Deus sacrifícios e mortificações pelo Papa, a fim de que mais fácil lhe seja o cumprimento de seu heróico dever.

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Com efeito, é preciso insistir sempre sobre o grande dever da oração. Todos sabemos, pela Fé, o valor da oração. Sabemos todos ainda que é este o melhor modo que temos, para auxiliar a Santa Igreja em suas múltiplas e graves necessidades. Tudo isto não obstante, continuamos a acompanhar o curso dos acontecimentos com muito interesse, muitos comentários... e poucas orações.

Mas, por mais importante que seja a oração, ela não basta. É preciso que seja seguida de mortificações. Com efeito, a penitência é indispensável para que aplaquemos a cólera divina. As almas expiatórias são mais necessárias em nossa época do que nunca, e infelizmente se deve reconhecer que o espírito de penitência decai dia a dia entre nós. Quando o Papa tanto sofre por nós, soframos também por ele, oferecendo a Deus além de nossas súplicas algum sacrifício voluntário... que não seja dos mais leves, a fim de O ajudar a carregar a sua Cruz.

É muito melhor que procedamos assim do que como meros observadores que, curiosos e às vezes simpáticos, assistem placidamente ao desenrolar trágico dos acontecimentos em nossos dias.