A Carta Apostólica dirigida por Sua Santidade o
Papa Pio XII a Sua Eminência o Senhor Cardeal-Arcebispo do
Rio de Janeiro marca uma era nova nos anais do laicato católico brasileiro, e
merece por isso um exame atento e meticuloso. Com efeito, a palavra do Santo
Padre é um tesouro do qual devemos analisar jóia por jóia, palavra por palavra,
a fim de lhe dar o devido valor.
Preliminarmente, é digno de nota que o Sumo
Pontífice tenha tratado um problema de envergadura mundial, qual seja o da
situação jurídica das Congregações Marianas nos quadros do
apostolado leigo depois da fundação dos atuais organismos da Ação Católica, por
meio de um documento dirigido ao insigne Cardeal-Arcebispo do Rio de Janeiro.
Este assunto é de interesse mundial, não só por que afeta todos os países
católicos, mas ainda por que no mundo inteiro tem sido debatido. Assim, poderia
ser resolvido como as questões da mesma importância, por meio de uma Encíclica
dirigida a todo o Episcopado católico. O Santo Padre poderia, ainda,
exprimir-se pela voz autorizada de seu eminente Secretário de Estado. Preferiu,
entretanto, honrar o movimento mariano do Brasil, dirigindo-se pessoalmente e em
português - o texto oficial é em nosso idioma - ao grande Cardeal D. Sebastião
Leme, e mostrar, assim, toda a importância que as entidades
religiosas do Brasil vão assumindo na vida da Igreja e no coração do Augusto
Pontífice. Para testemunhar de modo todo especial o amor que vota ao movimento
mariano no Brasil, o Santo Padre quis que sua Carta Apostólica fosse intitulada
“Com Particular Complacência”, uma vez que os documentos pontifícios costumam ser
designados pelas palavras com que começam. Ainda mais: quis o Santo Padre
mencionar nominalmente a Confederação Nacional das Congregações Marianas no
Brasil, e seu “dileto filho César Dainese, da Companhia de Jesus”, bem sabendo a gratíssima
repercussão que esta honra teria no coração de todos os Congregados do Brasil.
Que generosa e exuberante recompensa do Santo Padre a quantos concorreram para
o ramalhete espiritual que de tal maneira O sensibilizou!
* * *
A palavra augusta do
Santo Padre vem por termo a uma era de confusão e insídias, em que o inimicus homo, invejoso das flores que desabrochavam no jardim de
Maria, difundiu o joio de mil conjeturas infundadas, de mil doutrinas
temerárias, de mil novidades perigosas, a fim de tornar inútil a obra dos bons
semeadores. Diversas opiniões infundadas ruem por terra e se desfasem
inteiramente com a carta do Santo Padre, e é para nós um dever, assinalar
fortemente tal fato.
A despeito dos frutos incomparáveis que as Congregações
Marianas produziram, não faltou quem lamentasse que elas tivessem florescido
entre nós, porque suas numerosas e notáveis realizações no campo do apostolado
prejudicavam a expansão da Ação Católica. Entendia-se que as Congregações Marianas tinham saído de
seu papel ao dar origem a toda sorte de obras de atividade apostólica pelo
Reinado de Cristo. Este terreno pertencia só à Ação Católica, que deveria
enxotar dele as Congregações Marianas e as demais associações, como corpo estranho,
velharia embaraçosa que melhor proveito poderia prestar à causa da Igreja senão
confinando-se no mero campo das atividades estritamente piedosas e de mera
formação espiritual. E eram estes ainda os mais generosos! De quantos elementos
qualificados, ou soi-disant
tais, ouvimos a afirmação de que segundo a mente da Santa Sé deveriam
desaparecer gradualmente as Congregações Marianas e outras associações, para
sobreviver apenas a A. C. Condenadas a uma morte
lenta, deveriam fanar-se aos poucos, até que esse caridoso processo de pena
capital por inanição, “paternalmente” aplicado pelos Pontífices, desse cabo
delas! Utopias! Erros! Falsas visões de um messianismo heterodoxo! Finalmente,
a palavra do Papa veio. E ela não tardou em restabelecer a verdade.
* * *
Acentuando primeiramente os trechos em que o Santo
Padre afirma taxativamente que deseja ver as Congregações Marianas entregues ao
apostolado exterior e social, e não apenas ao campo da piedade e da formação.
Diz o Santo Padre que apreciou muito o ramalhete
espiritual dos Congregados, mas que por maior que tivesse sido esse júbilo,
“maior ainda foi Sua satisfação ao saber que as valorosas Falanges Marianas são
cooperadoras eficazes na propagação do Reino de Jesus
Cristo e que exercem um fecundo apostolado, por meio de múltiplas e variadas
obras de zelo”. Assim, pois, as obras de apostolado externo a que presentemente
as Congregações Marianas se entregam não são consideradas pelo Santo Padre um
terreno em que elas sejam intrusas, em que se possam quando muito tolerar em
falta de melhor: o Vigário de Cristo sobre a terra se rejubila com o fato, e
implicitamente afirma que elas tem a isto pleno, amplo, total e irrestrito
direito.
Comprova-o o período seguinte: “isto vem
confirmar-nos, ainda mais uma vez, que estas Falanges Marianas ocupam, segundo
suas gloriosas tradições, sob as ordens da Hierarquia, um conspícuo lugar no
trabalho e na luta pela Maior Glória de Deus e bem das almas”. Em outros
termos, fazendo tudo quanto fazem presentemente, estão apenas na situação
“conspícua” que a tradição lhes indicou, e essa situação “conspícua” nenhuma
alteração sofreu com fatos supervenientes como, por exemplo, a constituição da
Ação Católica.
Houve quem sustentasse que as Congregações Marianas
têm uma estrutura jurídica que as torna radical, e visceralmente incapaz de
apostolado em nossos dias. É supérfluo acentuar até que ponto a Carta
Apostólica pulveriza essa fantasiosa e inconsistente afirmação. Outros têm
pretendido que as Congregações ocupam no Brasil um lugar por demais grande,
roubam à A. C. o lugar que lhe é devido. De nenhum modo, já que o Pontífice se
rejubila com a magnitude desse papel, e acrescenta a expressão
de seu grande contentamento pelo fato de que elas “ocupam um lugar conspícuo,
segundo está informado, no trabalho e na luta para a Maior Glória de Deus e bem
das almas, e que são, como força espiritual de grande importância para a causa
católica no Brasil”. Que informações teve o Sumo Pontífice para chegar a tal
afirmação? Foram as mais autorizadas e imparciais, e é Ele mesmo que no-lo diz:
“com tanto entusiasmo, publicamente o tem manifestado repetidas ocasiões,
dileto Filho Nosso, bem como também o tem feito outros Veneráveis Irmãos no
Episcopado”. Em outros termos é toda a Hierarquia Católica que o afirma, que o
aplaude, que o sanciona. Quem ousará discrepar?
Mais adiante, o Santo Padre insiste: “uma sólida
formação espiritual e uma intensa e fecunda atividade apostólica são elementos
ambos essenciais à toda Congregação Mariana”. Como
pretender, então, que as próprias Regras das Congregações confinam esses sodalícios no mero terreno da piedade?
Mas, dir-se-á, o Santo Padre, apreciando a situação
atual, gostaria talvez que as Congregações Marianas não aumentassem seu raio de
ação. Não é verdadeira essa conjetura, e menos verdade ainda é que o Santo
Padre deseja que as Congregações morram a fogo lento: “Nossos mais vivos
desejos são que estas associações de piedade e apostolado cristão cresçam cada
dia mais, cada dia mais se robusteçam numa íntima e profunda vida sobrenatural,
cooperem cada dia mais, com seu tradicional acatamento e humilde submissão às
normas e direção da Hierarquia, na dilatação do Reino de Deus, e difundam cada vez mais abundantemente a vida cristã, nos
indivíduos, nas famílias e na sociedade”. Não se trata aí de mero desejo do
Sumo Pontífice, mas “de seu mais ardente desejo”.
Finalmente,
aos que entendiam que as Congregações Marianas eram produto de uma
espiritualidade decrépita, isto é da espiritualidade ignaciana
que, com seus Exercícios Espirituais saíra de moda inteiramente, o Santo Padre
destina este trecho expressivo: “Com singular agrado vemos que os membros deste
pacifico exército mariano... e temperam, constantemente, suas armas em
freqüentes retiros espirituais, e na frágua dos Exercícios que cada ano
praticam”. A distinção é clara: não é só os retiros em geral, mas os Exercícios
de modo particular, que o Santo Padre Pio XII, como todos os seus antecessores,
louva, abençoa, recomenda e inculca.
Assim se vê como foi acertada a orientação dada
pela Ação Católica de São Paulo ao problema de suas relações com as associações
preexistentes e particularmente com as Congregações Marianas. Enfrentando mil e
mil dificuldades, críticas de toda ordem, incompreensões de todo o jaez, a Junta
Arquidiocesana, sob a direção perspicaz e firme desse grande e benemérito
paladino que é Monsenhor Antônio de Castro Mayer, e sob a augusta e alta
autoridade de seu amadissímo Arcebispo - o “Arcebispo
da Ação Católica” como tão justamente tem sido chamado desde seu tempo de Bispo
Auxiliar - a Junta Arquidiocesana evitou atritos, incompreensões, dificuldades
e ruínas que - como hoje se vê mais claramente que nunca - não corresponderiam
aos propósitos da Santa Sé.