Se eu tivesse tido a desventura de ser dos que
aplaudiram ou ao menos desculparam a inércia do governo de Vichy
quando da penetração de tropas nipônicas na Indochina, sentiria uma confusão sem limites ao ver agora a atitude
assumida pelo Marechal Pétain e seu governo
perante a invasão de Madagascar pelas tropas
inglesas. Com efeito, o grande argumento alegado pelos partidários de Vichy para justificarem a entrega da Indochina era a
debilidade da guarnição francesa ali estabelecida. Essa debilidade foi
contestada pelos próprios franceses residentes naquele domínio, que se
indignaram com a inércia de Vichy. Entretanto, serviu
de desculpa plausível — ao menos aos olhos de muitas pessoas — para a entrega
inglória daquelas riquíssimas regiões. No caso de Madagascar, a situação é
idêntica. No momento que escrevemos, as tropas inglesas já obtiveram resultados
altamente significativos. A resistência vai patenteando cada vez mais sua
inutilidade. As veleidades de Pétain e de Darlan redundaram simplesmente em uma inútil efusão de
sangue. E, no entanto, a atitude de Vichy foi tão
claramente quixotesca neste caso quanto havia sido “sancho-pancesca”
— esse neologismo precisa ser empregado por indispensável em nossos dias — há
alguns meses atrás, no caso da Indochina. Por que isto? Simplesmente porque o
Sr. Pétain e Sr. Darlan,
etc., são na realidade “eixistas” categóricos e
devotados, e assim entregaram de boa mente ao Japão o que agora recusam
em vão à Inglaterra.
* * *
Entre o “caso” da Indochina e o de Madagascar, no
entanto, há uma diferença radical. Entregando a Indochina ao Japão, Pétain, que é um militar experimentado, bem sabia que não
se limitava a entregar uma parcela do território imperial francês, mas que ao
mesmo tempo punha nas mãos dos japoneses a chave das vitórias que culminaram
com o esmagamento de Singapura. Ora, caída Singapura, o que obteria e o que
obteve Pétain, senão um fortalecimento do nazismo
que, quando chegar finalmente o dia da assinatura do tratado de paz com a
França, se encontrará em condições de exigir cláusulas mais inclementes do que
nunca? Assim, entregando a Indochina, Pétain outra
coisa não fez senão firmar o látego nas mãos dos adversários do seu país e da
civilização católica.
Pelo contrário, se entregasse Madagascar, Pétain debilitaria a situação do “eixo”, e conseguiria
condições mais benignas para seu país.
Entretanto, o que fez Pétain?
Ainda desta vez, agiu como um simples instrumento do totalitarismo.
* * *
Dir-se-á, talvez, que Pétain
procedeu por esta forma porque se ordenasse aos franceses que se entregassem em
Madagascar, já não poderia conter a pressão alemã sobre Vichy.
Essa alegação é falsa. Em primeiro lugar, Pétain
poderia ter telegrafado pro forma aos franceses de Madagascar. Mas
por que fazê-lo com o ardor, com a arrogância, com a empáfia com que o fez? E,
ademais, em que sentido pode ser ainda maior a pressão alemã sobre Vichy, quando à testa do governo da França chamada livre já
se encontra um mero lacaio do totalitarismo, o Sr. Pierre
Laval? Imagina porventura Pétain que
se sua permanência à testa do governo prejudicasse os planos do “eixo” ele
ainda ali se encontraria? Como é fácil exterminar um octogenário! Um grande
susto, uma dose muito forte de calmante, mil coisas enfim podem fazer parar um
coração que já bateu tanto... sobretudo em Verdun,
onde, segundo Clemenceau, bateu demais!
Mas, dir-se-á, Pétain
realmente convém ao “eixo” porque sua presença à testa das instituições evita
uma insurreição geral. Daí, entretanto, não se deve inferir que a razão de sua
permanência na direção da política de Vichy exprima
necessariamente sua cumplicidade com o “eixo”. Como não? Percebe ele que um
levante geral só não se opera porque sua presença coonesta situações e fatos
que normalmente revoltariam os franceses? Então, qual é o seu dever, senão
retirar-se imediatamente? Permanecendo, não é ele um cúmplice?
* * *
Mas, objetar-se-á, para pensar assim seria
necessário que o velho Marechal tivesse uma vibratilidade, uma energia, uma
capacidade de tomar atitudes e de pensar com vigor que lhe faltam hoje em dia.
Sim? Ao menos estas qualidades não lhe faltaram quando soube incitar a uma
morte inútil seus compatriotas de Madagascar, em torno de uma violência pouco
comum.
* * *
Entretanto, dir-se-á por fim, não é certo que Pétain seja uma mera figura de proa. Conseguiu ele,
permanecendo no poder, subtrair a direção da esquadra a Laval,
conservando-a nas mãos de Darlan, do que decorre que
o velho Marechal tentou um supremo esforço para pôr a frota francesa fora do
alcance dos nazistas.
Estará realmente a frota francesa fora de alcance
dos nazistas? Serão os sentimentos anti-ingleses de Darlan muito diversos dos de Laval?
Leia-se o telegrama que mandou aos franceses de Madagascar:
“Mais uma vez os ingleses, em vez de combater os
seus inimigos, procuram meios mais fáceis, atacando a colônia francesa longe da
metrópole. O Marechal Pétain pediu-vos para defender
Madagascar e sei que respondereis patrioticamente ao seu apelo. Defendei
firmemente a honra de nossa bandeira até o limite das vossas possibilidades e
fazei os ingleses pagar caro pelo seu ato de salteadores de estradas. Toda a
França e seu Império estão convosco, de coração. Não esqueçais que os ingleses
nos traíram na Flandres, que nos atacaram traiçoeiramente em Dacar e na Síria e que estão
assassinando civis em Paris, procurando fazer com que as mulheres e crianças de Djibouti perecessem à fome.
Estais defendendo a honra da França. Chegará o dia em que a Inglaterra pagará.
É longa a vida da França”.
“Chegará o dia em que a Inglaterra pagará”... a que
eqüivale isto, enquanto durarem as circunstâncias presentes, senão a dizer:
“chegará o dia que o nazismo vencerá”?