Se há uma acusação que não se possa fazer aos
regimes totalitários, e especialmente ao nazismo, é que sua propaganda carece
de sabedoria e eficácia. A escolha perfeita de todos os temas de exploração política
deu à propaganda nazista um poder talvez sem precedentes na História. Sabem os
dirigentes do III Reich encontrar, com uma inteligência que seria carismática
se não fosse diabólica, todos os temas capazes de impressionar até o âmago, a
opinião pública, e explorar de tal maneira estes temas, que obtém os resultados
os mais surpreendentes e contraditórios. Seria supérfluo enumerar muitos
exemplos do que digo, pois que tudo isto está na consciência pública. Um caso
concreto bastará por todos os outros. Segundo me fez observar há algum tempo
atrás certo personagem da alta aristocracia européia, aliás simpático às armas
germânicas, Hitler instituiu na
Alemanha um regime
tipicamente igualitário e democrático... explorando o sentimento aristocrático
e monárquico ainda tão vivo entre os alemães. Assim foi pela esperança de uma
restauração monárquica, que Hitler conseguiu o apoio dos poderosíssimos “junkers” prussianos do famoso “Herrenclub”, dos príncipes de quase toda as antigas famílias
reinantes alemãs, dos altos oficiais do exército — quase todos nobres — etc.
Guindado ao poder pelo apoio destas forças, e dos católicos iludidos pela
perspectiva do esmagamento do comunismo, Hitler desenvolveu depois um plano de
ação que vem a ser, em última análise, a ruína das melhores esperanças
monárquicas e católicas. Como se vê, soube ele encontrar no fundo da alma alemã
os sentimentos tradicionais e cristãos que ainda tinham vitalidade, animá-los,
fazê-los servir como degraus para o poder e, baseados neles, pôr em execução um
plano de governo que era precisamente o contrário do que prometera. Em outros
termos a sinceridade das afirmações ideológicas da propaganda nazista é tão
discutível quanto a sinceridade das promessas diplomáticas. Sempre que vemos
Hitler atribuir certa ideologia a um adversário, e atacá-lo, podemos estar
certos de que ela está desprestigiada. Pelo contrário, sempre que Hitler se
apregoa como partidário de uma idéia, a única conclusão lógica que daí se pode
tirar é que esta idéia ganha prestígio na opinião pública. O oportunismo é a
regra de conduta da propaganda tanto quanto da diplomacia nazista.
* * *
Assim, torna-se claro ante nossos olhos um problema
que para muitos permanece enigmático: se Hitler realiza na Alemanha um regime
social que é quase absolutamente comunista, por que ataca tanto o comunismo?
Dá-se isto pura e simplesmente porque ele percebe o horror que a opinião
pública tem ao comunismo, e nota que o espantalho vermelho de Moscou é sempre
um meio para diminuir a intensidade do vigor com que a opinião conservadora dos
países democráticos luta contra o “eixo”. E, com efeito, como seriam maiores
certos entusiasmos, mais ardorosas certas dedicações, mais claras certas
atitudes, se não houvesse a suspeita de que a derrota do nazismo poderá
significar um surto universal de comunismo! Assim, o espantalho vermelho ainda
serve a Hitler para dividir seus adversários.
Daí se deve deduzir que a propaganda anti-nazista inteligente deve dar à opinião conservadora as
melhores garantias de que a influência dos comunistas é cada vez menor nos
países que lutam contra o eixo, e que, derrubada a hidra nazista do comunismo
pardo, estarão as potências ocidentais dotadas de uma opinião consciente e esclarecidamente anticomunista, que as levará a lutar com
vigor sempre maior contra o comunismo vermelho.
Assim, não podemos deixar de lamentar, e lamentar
vivamente que entre nós comece a se esboçar, em alguns setores de opinião, uma
luta anti-nazista que tem um aspecto mais ou menos
velado de frente única anti-eixo, abrangendo todas as
gamas da opinião, desde os católicos até os bolchevistas. A nós, como
católicos, esta vizinhança parece francamente odiosa e vergonhosa. O Brasil
católico é suficientemente
forte para afugentar por si só o nazismo. Não precisamos de inscrever em nossas
bandeiras, ao lado da Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, e das insígnias da
Pátria, a foice e o martelo dos bandidos de Moscou, ou de seus asseclas no
Brasil. E ainda mesmo que não tivéssemos todos os recursos que dispomos,
inspirar-nos-íamos em S. Leão, que deteve Átila com a Cruz na mão,
sem pedir socorro aos sacerdotes dos ídolos e da impiedade.
Se redigimos esta advertência em termos tão
enérgicos é porque vemos nessa infiltração comunista em certos setores da luta
que tão patrioticamente se faz contra o nazismo, um meio de comunhão
doutrinária de que os partidários do nazismo serão os primeiros e únicos a
tirar largos proventos.
Mas, dir-se-á, a hora é de concentração de todos os
patriotas em torno do ideal da defesa da integridade territorial. Por que negar
aos comunistas o direito de cooperar nessa obra que nada tem de ideológico e
que é apenas de nacionalismo?
Em primeiro lugar porque, sendo esta uma obra de
nacionalismo, não podem os comunistas fazê-la; não são contrários ao ideal de
Pátria? Por que querem morrer por uma idéia que negam? Deveremos crer em sua
sinceridade?
Em segundo lugar, não temos razão
para crer no proveito dessa cooperação. Se a diplomacia nazista é caprichosa e
cambiante, não menos cambiante nem mesmo caprichosa é a diplomacia bolchevista.
Se amanhã se repetir o pacto Ribbrentropp-Molotov,
corremos o risco de que se dê no Brasil precisamente o que ocorreu na França:
em todos os lugares em que os comunistas ocupavam postos de direção, foram eles
os melhores instrumentos, os melhores agentes, os melhores auxiliares da
“quinta coluna”. Como não recear que o mesmo se repita aqui?
Não se iludam os católicos. Sua cooperação com os comunistas já foi expressamente
reprovada pela Santa Sé na França, antes da guerra, por ocasião da famosa
tentativa da politique de la main tendue. No dia em que a
sucuri bolchevista, sob pretexto de aliança, se enroscar em nossas fileiras,
estarão imobilizados nossos soldados para fazer frente à chacina nazista.