Legionário, N.º 530, 3 de maio de 1942

Cabeças de Serpente

Se há uma acusação que não se possa fazer aos regimes totalitários, e especialmente ao nazismo, é que sua propaganda carece de sabedoria e eficácia. A escolha perfeita de todos os temas de exploração política deu à propaganda nazista um poder talvez sem precedentes na História. Sabem os dirigentes do III Reich encontrar, com uma inteligência que seria carismática se não fosse diabólica, todos os temas capazes de impressionar até o âmago, a opinião pública, e explorar de tal maneira estes temas, que obtém os resultados os mais surpreendentes e contraditórios. Seria supérfluo enumerar muitos exemplos do que digo, pois que tudo isto está na consciência pública. Um caso concreto bastará por todos os outros. Segundo me fez observar há algum tempo atrás certo personagem da alta aristocracia européia, aliás simpático às armas germânicas, Hitler instituiu na Alemanha um regime tipicamente igualitário e democrático... explorando o sentimento aristocrático e monárquico ainda tão vivo entre os alemães. Assim foi pela esperança de uma restauração monárquica, que Hitler conseguiu o apoio dos poderosíssimos “junkersprussianos do famoso “Herrenclub”, dos príncipes de quase toda as antigas famílias reinantes alemãs, dos altos oficiais do exército — quase todos nobres — etc. Guindado ao poder pelo apoio destas forças, e dos católicos iludidos pela perspectiva do esmagamento do comunismo, Hitler desenvolveu depois um plano de ação que vem a ser, em última análise, a ruína das melhores esperanças monárquicas e católicas. Como se vê, soube ele encontrar no fundo da alma alemã os sentimentos tradicionais e cristãos que ainda tinham vitalidade, animá-los, fazê-los servir como degraus para o poder e, baseados neles, pôr em execução um plano de governo que era precisamente o contrário do que prometera. Em outros termos a sinceridade das afirmações ideológicas da propaganda nazista é tão discutível quanto a sinceridade das promessas diplomáticas. Sempre que vemos Hitler atribuir certa ideologia a um adversário, e atacá-lo, podemos estar certos de que ela está desprestigiada. Pelo contrário, sempre que Hitler se apregoa como partidário de uma idéia, a única conclusão lógica que daí se pode tirar é que esta idéia ganha prestígio na opinião pública. O oportunismo é a regra de conduta da propaganda tanto quanto da diplomacia nazista.

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Assim, torna-se claro ante nossos olhos um problema que para muitos permanece enigmático: se Hitler realiza na Alemanha um regime social que é quase absolutamente comunista, por que ataca tanto o comunismo? Dá-se isto pura e simplesmente porque ele percebe o horror que a opinião pública tem ao comunismo, e nota que o espantalho vermelho de Moscou é sempre um meio para diminuir a intensidade do vigor com que a opinião conservadora dos países democráticos luta contra o “eixo”. E, com efeito, como seriam maiores certos entusiasmos, mais ardorosas certas dedicações, mais claras certas atitudes, se não houvesse a suspeita de que a derrota do nazismo poderá significar um surto universal de comunismo! Assim, o espantalho vermelho ainda serve a Hitler para dividir seus adversários.

Daí se deve deduzir que a propaganda anti-nazista inteligente deve dar à opinião conservadora as melhores garantias de que a influência dos comunistas é cada vez menor nos países que lutam contra o eixo, e que, derrubada a hidra nazista do comunismo pardo, estarão as potências ocidentais dotadas de uma opinião consciente e esclarecidamente anticomunista, que as levará a lutar com vigor sempre maior contra o comunismo vermelho.

Assim, não podemos deixar de lamentar, e lamentar vivamente que entre nós comece a se esboçar, em alguns setores de opinião, uma luta anti-nazista que tem um aspecto mais ou menos velado de frente única anti-eixo, abrangendo todas as gamas da opinião, desde os católicos até os bolchevistas. A nós, como católicos, esta vizinhança parece francamente odiosa e vergonhosa. O Brasil católico é suficientemente forte para afugentar por si só o nazismo. Não precisamos de inscrever em nossas bandeiras, ao lado da Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, e das insígnias da Pátria, a foice e o martelo dos bandidos de Moscou, ou de seus asseclas no Brasil. E ainda mesmo que não tivéssemos todos os recursos que dispomos, inspirar-nos-íamos em S. Leão, que deteve Átila com a Cruz na mão, sem pedir socorro aos sacerdotes dos ídolos e da impiedade.

Se redigimos esta advertência em termos tão enérgicos é porque vemos nessa infiltração comunista em certos setores da luta que tão patrioticamente se faz contra o nazismo, um meio de comunhão doutrinária de que os partidários do nazismo serão os primeiros e únicos a tirar largos proventos.

Mas, dir-se-á, a hora é de concentração de todos os patriotas em torno do ideal da defesa da integridade territorial. Por que negar aos comunistas o direito de cooperar nessa obra que nada tem de ideológico e que é apenas de nacionalismo?

Em primeiro lugar porque, sendo esta uma obra de nacionalismo, não podem os comunistas fazê-la; não são contrários ao ideal de Pátria? Por que querem morrer por uma idéia que negam? Deveremos crer em sua sinceridade?

Em segundo lugar, não temos razão para crer no proveito dessa cooperação. Se a diplomacia nazista é caprichosa e cambiante, não menos cambiante nem mesmo caprichosa é a diplomacia bolchevista. Se amanhã se repetir o pacto Ribbrentropp-Molotov, corremos o risco de que se dê no Brasil precisamente o que ocorreu na França: em todos os lugares em que os comunistas ocupavam postos de direção, foram eles os melhores instrumentos, os melhores agentes, os melhores auxiliares da “quinta coluna”. Como não recear que o mesmo se repita aqui?

Não se iludam os católicos. Sua cooperação  com os comunistas já foi expressamente reprovada pela Santa Sé na França, antes da guerra, por ocasião da famosa tentativa da politique de la main tendue. No dia em que a sucuri bolchevista, sob pretexto de aliança, se enroscar em nossas fileiras, estarão imobilizados nossos soldados para fazer frente à chacina nazista.