Legionário, N.º 500, 12 de abril de 1942

D. Epaminondas

Não há exagero em se afirmar que os amigos do saudoso Bispo de Taubaté (SP), D. Epaminondas Nunes de Ávila e Silva, esperavam com verdadeira sofreguidão uma biografia inteligente e pormenorizada do grande Prelado. Com efeito, todos os que o conhecemos e portanto admiramos – uma coisa era inseparável da outra – lhe tributávamos uma veneração que decorria muito mais do fulgor de suas qualidades do que do conhecimento de sua obra e de sua vida. Em sua palestra, sempre edificantíssima e brilhante, D. Epaminondas deixa a conhecer toda a sua personalidade pelo entusiasmo apaixonado com que sabia falar da Santa Igreja, de sua doutrina, de seus Santos, de sua maravilhosa organização. Tanto bastava para que nele se reconhecesse um homem de Deus, ao qual as qualidades naturais de bondade se sobrenaturalizaram e se completaram tanto por uma energia apostólica quanto por uma perspicácia evangelicamente serpentina: “Deus me deu a inocência da pomba, dizia ele, mas não me deixou desprovido da astúcia da serpente”. Sabíamos também que a Diocese de Taubaté, que sob seu pontificado atingiu um alto grau de perfeição, era toda ela uma maravilha realizada pelo zelo e talento de D. Epaminondas. Todos gostaríamos, entretanto, de conhecer sua biografia, na qual pudéssemos acompanhar sua ascensão gradual aos píncaros de virtude a que se alçou, e suas lutas na realização dessa obra-prima de governo eclesiástico que foi a Diocese de Taubaté. Tardava a aparecer a biografia que satisfizesse a curiosidade suscitada por nossa admiração, e ao mesmo tempo conservasse a salvo do esquecimento para edificação nossa e honra do Brasil católico, as minúcias de uma vida digna de admiração não somente pelas suas grandes linhas gerais mas pela extraordinária perfeição dos seus pormenores.

Desse trabalho, incumbiu-se quem estava naturalmente indicado para tal, pelas relações verdadeiramente filiais que teve a ventura de manter com o santo Bispo. O padre Ascânio Brandão, que dele herdou uma das mais preciosas jóias, isto é, a paternidade espiritual das beneméritas Filhas de Maria Imaculada, acaba de presentear o Brasil católico com o livro que tanto se esperava dele, isto é, com a biografia de D. Epaminondas Nunes de Ávila e Silva.

A primeira impressão que, feita a leitura do livro, se nota no espírito do leitor é de que D. Epaminondas foi, indiscutivelmente, um dos homens de Igreja mais completos que o Brasil possuiu nos últimos cem anos. Inteligente, soube dar ao seu espírito uma formação tão genuinamente eclesiástica que os conhecimentos profanos ali só tinham guarida através do prisma porque interessassem a Igreja, e na medida exata em que interessavam. Em sua formação intelectual não se notava o pendor errôneo de sobrecarregar o lastro dos conhecimentos profanos com o intuito de dar prestígio à cultura eclesiástica aos olhos dos incréus. Sabia ele muito bem, e o extraordinário êxito de sua vida o confirmou, que a cultura eclesiástica sólida e profunda, aliada a uma verdadeira vida interior, conquista mil vezes mais do que a faceirice da ciência profana, pobre e miserável muleta de que se servem, em que se arrastam e com que se fascinam os que não possuem as asas do apostolado sobrenatural.

Profundamente brasileiro, e por isto mesmo dotado de um coração generoso e sensível, soube D. Epaminondas pôr ao serviço de seu fecundíssimo apostolado os recursos da grande arma que era o amor. Qualquer espírito reto sentia, logo no primeiro contato, com ele, que D. Epaminondas tinha um coração de pai, sempre aberto e sempre transbordante da mais viva e eficaz afeição. Pode-se mesmo dizer que o encanto dessa atuação afetiva era um dos melhores meios de que dispunha para encaminhar a Nosso Senhor as almas tíbias ou frias. Isto não obstante, soube ele alcançar completa vitória sobre o lirismo romântico e desfibrado para o qual tão facilmente descambamos em nosso pendor para a moleza puramente sentimental. Em sua vida de luta não faltam lances verdadeiramente dramáticos, em que revelou uma fortaleza capaz de escandalizar os católicos água de flor de laranjeira, cujo número é hoje maior do que nunca porque hoje mais do que nunca infinitus est numerus stultorum. Assim, encontrando certa vez um Pároco escandaloso, destitui-o do cargo publicamente, em uma cerimônia religiosa durante a visita pastoral. Visitando outra localidade, na qual era intenso a propaganda protestante, mais ou menos furtivamente alimentada pela Câmara Municipal, aproveitou uma soleníssima função religiosa para excomungar todos os vereadores, e, no dia seguinte, presidiu em praça pública a realização de uma fogueira de livros protestantes. Os protestantes dissolveram a “Igreja” que haviam fundado e transportaram para outras plagas a sua propaganda. Os vereadores aceitaram em silêncio a punição....

Já no fim da vida, encanecido pelo trabalho, pela mortificação e pela doença, aureolado pela virtude, pelo saber e pela experiência, teve essa ingênua e bela confissão: quando era moço, calara às freiras certas verdades com receio de ofender. Depois de velho, compreendeu que esta tática era errada, e que a verdade deveria ser proclamada, doesse a quem doesse.

Quanto à espiritualidade que D. Epaminondas difundia, era sempre o mais puro leite da ortodoxia, limpo e imaculadamente limpo dos desgraçados preciosísmos e das infelizes novidades que hoje em dia pretendem semear o erro sob rótulos sacratíssimos. Conhecimento sério e humilde do Catecismo; piedade filial e sincera, por isso mesmo fecunda em frutos de virtude e obras de apostolado; enfim, D. Epaminondas era da escola de Monsenhor de Ségur, para quem a “devoção a Jesus Eucarístico, a Nossa Senhora e ao Santo Padre são as três rosas dos bem-aventurados”. Ninguém mais apto a compreender, promover e estimular a Ação Católica. Ninguém mais persuadido de que a Sagrada Liturgia é o centro para o qual se deve voltar nossa piedade. Ninguém mais capaz de discernir, combater e exterminar os tristes erros que tendem a desfigurar inteiramente a Doutrina Católica sobre o assunto.

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Se os amigos de D. Epaminondas têm razões para se rejubilar com essa publicação, o proveito dessa leitura ainda será considerável para os que não tiveram a ventura de conhecer o grande Bispo, e que poderão aprender de modo suave e prático as soluções definitivas que ele deu aos mil e um problemas que encontrou e venceu. Leitura edificante, piedosa, capaz de realçar o prestígio da hierarquia e estimular as almas no amor a Nosso Senhor Jesus Cristo, a biografia de D. Epaminondas deve ocupar um lugar especial na biblioteca de todo católico de ação.