Não há exagero em se afirmar que os amigos do
saudoso Bispo de Taubaté (SP), D. Epaminondas Nunes
de Ávila e Silva, esperavam com verdadeira sofreguidão uma biografia
inteligente e pormenorizada do grande Prelado. Com efeito, todos os que o
conhecemos e portanto admiramos – uma coisa era inseparável da outra – lhe
tributávamos uma veneração que decorria muito mais do fulgor de suas qualidades
do que do conhecimento de sua obra e de sua vida. Em sua palestra, sempre edificantíssima e brilhante, D. Epaminondas
deixa a conhecer toda a sua personalidade pelo entusiasmo apaixonado com que
sabia falar da Santa Igreja, de sua doutrina, de seus Santos, de sua maravilhosa
organização. Tanto bastava para que nele se reconhecesse um homem de Deus, ao
qual as qualidades naturais de bondade se sobrenaturalizaram
e se completaram tanto por uma energia apostólica quanto por uma perspicácia
evangelicamente serpentina: “Deus me deu a inocência da pomba, dizia ele, mas
não me deixou desprovido da astúcia da serpente”. Sabíamos também que a Diocese
de Taubaté, que sob seu pontificado atingiu um alto grau de
perfeição, era toda ela uma maravilha realizada pelo zelo e talento de D. Epaminondas. Todos gostaríamos, entretanto, de conhecer sua
biografia, na qual pudéssemos acompanhar sua ascensão gradual aos píncaros de
virtude a que se alçou, e suas lutas na realização dessa obra-prima de governo
eclesiástico que foi a Diocese de Taubaté. Tardava a aparecer a biografia que
satisfizesse a curiosidade suscitada por nossa admiração, e ao mesmo tempo
conservasse a salvo do esquecimento para edificação nossa e honra do Brasil
católico, as minúcias de uma vida digna de admiração não somente pelas suas
grandes linhas gerais mas pela extraordinária perfeição dos seus pormenores.
Desse trabalho, incumbiu-se quem estava
naturalmente indicado para tal, pelas relações verdadeiramente filiais que teve
a ventura de manter com o santo Bispo. O padre Ascânio
Brandão, que dele herdou uma das mais preciosas jóias, isto é, a
paternidade espiritual das beneméritas Filhas de Maria Imaculada, acaba de
presentear o Brasil católico com o livro que tanto se esperava dele, isto é,
com a biografia de D. Epaminondas Nunes de Ávila e
Silva.
A primeira impressão que, feita a leitura do livro,
se nota no espírito do leitor é de que D. Epaminondas
foi, indiscutivelmente, um dos homens de Igreja mais completos que o Brasil
possuiu nos últimos cem anos. Inteligente, soube dar ao seu espírito uma
formação tão genuinamente eclesiástica que os conhecimentos profanos ali só
tinham guarida através do prisma porque interessassem a Igreja, e na medida
exata em que interessavam. Em sua formação intelectual não se notava o pendor
errôneo de sobrecarregar o lastro dos conhecimentos profanos com o intuito de
dar prestígio à cultura eclesiástica aos olhos dos incréus.
Sabia ele muito bem, e o extraordinário êxito de sua vida o confirmou, que a
cultura eclesiástica sólida e profunda, aliada a uma verdadeira vida interior,
conquista mil vezes mais do que a faceirice da
ciência profana, pobre e miserável muleta de que se servem, em que se arrastam
e com que se fascinam os que não possuem as asas do apostolado sobrenatural.
Profundamente brasileiro, e por isto mesmo dotado
de um coração generoso e sensível, soube D. Epaminondas
pôr ao serviço de seu fecundíssimo apostolado os
recursos da grande arma que era o amor. Qualquer espírito reto sentia, logo no
primeiro contato, com ele, que D. Epaminondas tinha
um coração de pai, sempre aberto e sempre transbordante
da mais viva e eficaz afeição. Pode-se mesmo dizer que o encanto dessa atuação
afetiva era um dos melhores meios de que dispunha para encaminhar a Nosso
Senhor as almas tíbias ou frias. Isto não obstante, soube ele alcançar completa
vitória sobre o lirismo romântico e desfibrado para o qual tão facilmente
descambamos em nosso pendor para a moleza puramente sentimental. Em sua vida de
luta não faltam lances verdadeiramente dramáticos, em que revelou uma fortaleza
capaz de escandalizar os católicos água de flor de laranjeira, cujo número é
hoje maior do que nunca porque hoje mais do que nunca infinitus est numerus stultorum. Assim, encontrando certa vez um Pároco
escandaloso, destitui-o do cargo publicamente, em uma cerimônia religiosa
durante a visita pastoral. Visitando outra localidade, na qual era intenso a
propaganda protestante, mais ou menos furtivamente alimentada pela Câmara Municipal,
aproveitou uma soleníssima função religiosa para excomungar todos os
vereadores, e, no dia seguinte, presidiu em praça pública a realização de uma
fogueira de livros protestantes. Os protestantes dissolveram a “Igreja” que
haviam fundado e transportaram para outras plagas a sua propaganda. Os
vereadores aceitaram em silêncio a punição....
Já no fim da vida, encanecido pelo trabalho, pela
mortificação e pela doença, aureolado pela virtude, pelo saber e pela
experiência, teve essa ingênua e bela confissão: quando era moço, calara às
freiras certas verdades com receio de ofender. Depois de velho, compreendeu que
esta tática era errada, e que a verdade deveria ser proclamada, doesse a quem
doesse.
Quanto à espiritualidade que D. Epaminondas
difundia, era sempre o mais puro leite da ortodoxia, limpo e imaculadamente
limpo dos desgraçados preciosísmos e das infelizes
novidades que hoje em dia pretendem semear o erro sob rótulos sacratíssimos.
Conhecimento sério e humilde do Catecismo; piedade filial e sincera, por isso
mesmo fecunda em frutos de virtude e obras de apostolado; enfim, D. Epaminondas era da escola de Monsenhor de Ségur, para quem a “devoção a Jesus Eucarístico, a Nossa
Senhora e ao Santo Padre são as três rosas dos bem-aventurados”. Ninguém mais apto
a compreender, promover e estimular a Ação Católica. Ninguém mais persuadido de
que a Sagrada Liturgia é o centro para o qual se deve voltar nossa piedade.
Ninguém mais capaz de discernir, combater e exterminar os tristes erros que
tendem a desfigurar inteiramente a Doutrina Católica sobre o assunto.
* * *
Se os amigos de D. Epaminondas
têm razões para se rejubilar com essa publicação, o proveito dessa leitura
ainda será considerável para os que não tiveram a ventura de conhecer o grande
Bispo, e que poderão aprender de modo suave e prático as soluções definitivas
que ele deu aos mil e um problemas que encontrou e venceu. Leitura edificante,
piedosa, capaz de realçar o prestígio da hierarquia e estimular as almas no
amor a Nosso Senhor Jesus Cristo, a biografia de D. Epaminondas
deve ocupar um lugar especial na biblioteca de todo católico de ação.