Transcorreu no dia 12 passado
o 3º aniversário da coroação do Sumo Pontífice, S. Santidade Pio XII.
Desde 12 de março de 1939 a
convulsão do mundo todo, num crescendo contínuo, criou para a Igreja uma das
épocas mais difíceis da história, pois o paganismo ameaça novamente a
cristandade.
Nesses anos difíceis o Santo
Padre, que já era uma figura tão querida
pelos fiéis dada sua atuação como Secretário de Estado, dominou inteiramente os
corações católicos, e se impôs ainda mais à admiração do mundo, pela sabedoria
com que vem governando a Igreja.
Júbilo que o transcurso
daquela data causou a todos foi muito aumentado pela notícia de que, restabelecido
da enfermidade que o atacara, S. Santidade Pio XII assistiu a Santa Missa na
Capela Sixtina, no dia 12, e recomeçou a conceder
audiências públicas, recebendo numerosos recém-casados e fiéis.
Um poeta latino escreveu
estes versos tremendos: Tu regere imperio populos, Romanae memento! [Virgilio, Eneide 6, 851]. Lembra-te,
ó Roma, que tua missão é governar, pela força, os povos.
Nós, que viemos ao mundo há
dois mil anos após, bem sabemos como faliu essa apóstrofe de Virgílio. A Roma das grandes conquistas e das grandes
usurpações, a Roma da força bruta, cujo carro de triunfo trilhou tanta vezes
sobre a dignidade de povos subjugados e sobre o solo de países vencidos,
esfacelou-se e sepultou-se nas próprias ruínas. Mas outra Roma surgiu sobre as
cinzas da primeira. Uma Roma nova que triunfa, que conquista, não pela espada
ou pela força, mas pelo coração e pelo amor. Se Virgílio conhecesse as
maravilhas do amor, certamente seus versos seriam um profecia sublime: - Tu regere amore populos, Romane, memento! Lembra-te, ó Roma, que vencerás o
mundo pelo amor!
E esse grande amor, esse
grande coração, centro e força da Roma nova, é o Papa, o Vigário de Cristo.
Pedro, primeiro Pontífice, ao receber do Mestre as chaves do reino do céu, recebia
antes seu coração divino. Possuindo o coração de Cristo, capaz de amar a
humanidade inteira, Pedro pode ser Cristo na terra. Clemente XIII, na
constituição “Inexhaustum”, tem essa
expressão singular: — Pedro é o sucessor de Cristo. Mas Pedro não poderia ser o
sucessor de Cristo se não possuísse o coração de Cristo. Eis o mistério augusto
que faz do Pontífice Romano o Pai universal dos povos, o próvido distribuidor
do pão da verdade, o guia seguro nos caminhos tortuosos da paz e da justiça. Há
vinte séculos a humanidade o reconhece como tal. Malgrado as lutas, as
perseguições, as aberrações de todos os tempos, indivíduos e povos, grandes e
pequenos, nos momentos de dor e infortúnio, voltam-se para Roma, apelando para
Aquele, que sem distinção de casta ou de raça, a todos ouve, a todos acolhe, a
todos consola e abençoa. A força moral do Pontífice é a mesma de sempre, de
hoje, de ontem, de todos os períodos da sua história. Ele é o ponto de atração
de todas as inteligências e de todos os corações. Sua majestade, sublime e
excelsa entre todas, supera o humano, atinge o divino. Rei de um pequenino
Estado, assenta-se sobre um trono que é a garantia de todos os tronos, porque é
o grande infalível da moral que defende a ordem mais que os aparatos da força e
a bravura dos exércitos.
Quem quisesse conhecer, em
sua realidade, o poder moral do Pontífice, não deveria fazer mais que
colocar-se, um dia só, nos primeiros degraus da escadaria que leva ao Vaticano.
— Quem passa? Interrogaria, maravilhado, a todo instante. — É um rico senhor, filho de além-mar. Viajou
pelo mundo inteiro; visitou todas as maravilhas da terra. Reservou para o fim a
maior de todas: antes de voltar para as ilhas da sua Bretanha ou para as capitais
da sua América, quer ver o Papa de Roma. — Quem passa? — É uma irmã de
caridade, com seu cândido véu esvoaçando ao vento. Deixou um orfanato, um
asilo, uma escola no interior mais deserto da Índia: vem beijar os pés do Santo
Padre, para voltar, feliz, entre os seus órfãos e consagrar-lhe a vida inteira.
— Quem passa? — É um venerado prelado, de cabelos brancos, cheios de anos,
alquebrado de fadigas. Vem do Canadá, das montanhas rochosas ou dos imensos
pampas da América meridional. Vem ver o Santo Padre, implorar a sua benção. —
Quem passa? — É o embaixador do mais poderoso soberano do mundo. É protestante,
mas não se desdoura em homenagear o Septuagenário, que não é rei senão de um
minúsculo Estado, mas que é o Pai universal de todos os povos. — Quem passa? —
É um missionário do Japão, um religioso da Espanha, um missionário da África.
Vêm para referir ao Vigário de Cristo o êxito de seus esforços, o fruto das
suas fadigas apostólicas. — Quem passa, com todo esse aparato, com todo esse
cortejo? — É um príncipe Cristão, descendente augusto dos antigos guerreiros
que rechaçaram os bárbaros, que fizeram as cruzadas. Guardando nas veias o
sangue, e no coração os sentimentos dos seus avós, não se peja de vir colocar
aos pés do Doce Cristo na terra, o tributo do seu afeto, as homenagens dos seus
súditos. — Quem passa? — É um peregrino da Polônia, é um monge da Armênia ou da
Síria, é um homem de letras, é uma humilde filha do povo, é um livre pensador,
é um capitão de armada. Todos sobem ansiosos aquelas escadas. Percorrem
impacientes as salas do Vaticano, para ver o ancião vestido de branco,
beijar-lhe as mãos e os pés, ouvir-lhe a voz, receber-lhe a benção. E depois,
descem radiantes de alegria, voltam bem- aventurados para as sua terras, para
as suas casas, para os seus afazeres, e jamais se esquecerão desse dia tão
afortunado.
Essa é a história de todos os
dias, de todas as semanas, de todos os meses, de todos os anos. Essa é a
história de todos os séculos. Tal é a força misteriosa, centro da Roma nova que,
partindo do Vaticano, irradia-se pelo mundo, toca os corações, tudo penetra,
tudo move. E quando uma alma aflita ou dedicada não tiver a ventura de
chegar-se ao Santo Padre para fazer uma queixa ou protestar o seu amor, ei-la mesma de longínquas paragens, lançando um olhar e um
grito para o lado onde se ergue, farol de Justiça, a Cúpula de São Pedro.
Felipe Augusto, rei de França, pretendendo
repudiar a sua legítima esposa, Ingelburga, princesa
da Dinamarca, une-se a Inez de Marania. A infeliz
rainha, ao ver-se só, no exílio, longe dos seus, repudiada e desprezada pelo
esposo infiel, prorrompe num grito de angustia, mas também de uma sublimidade
sem par: — Roma! Roma! Oh como é belo esse grito da
alma oprimida, da inocência, da vítima, invocando de Roma justiça.
Em 1928, o Ex.mo. e Rev.mo. D. Constantino Butkiewiez, vítima do
bolchevismo insolente, morria fuzilado. Os jornais haviam pedido uma “vítima
católica para a Páscoa católica”, e Monsenhor Constantino foi o escolhido.
Minutos antes de morrer, pediu que lhe concedessem a graça de escrever uma
carta ao Papa. Vítima inocente da prepotência, no momento do supremo
sacrifício, homenageava com seu afeto e com seu pensamento, Aquele que “ama a
justiça e odeia a iniquidade” e por quem ia derramar seu sangue. Foi-lhe
negada, impiedosamente a satisfação desse seu desejo.
Com três tiros de revolver tombou o mártir e as suas últimas palavras pronunciadas
entre o estertor da agonia foram estas:
— Transmiti as minhas
homenagens a Pio XI e dizei-lhe que até ao extremo, permaneci fiel
à Santa Sé.
E após tantas vítimas do
comunismo, outros erros mais graves se ergueram, ameaçando a Cristandade e
martirizando os verdadeiros católicos, em todos os países dominados,
constituindo-se os paganizadores do mundo. É de todos
os dias a história desses martírios, principalmente na Polônia católica, sob o
jugo totalitário. É a Igreja, o Papa de Roma, o sustentáculo desses heróis
cristãos.
Não parece que estamos a ouvir, novamente, as narrações
sublimes dos atos dos primeiros mártires que se entregavam aos suplícios,
cantando hinos e enviando uma saudação afetuosa ao Pontífice de Roma?!
Eis a força moral do
Pontífice. A mesma de ontem, a mesma de hoje; a mesma no passado, a mesma no
futuro, a única capaz de salvar o mundo.
Bem poderíamos corrigir os
versos de Virgílio dizendo:
Tu regere amore
populos, Romanae memento.