Interrompo hoje a série de artigos que vinha
escrevendo sobre a última Pastoral do Venerando Episcopado, a fim de pôr em
relevo alguns tópicos da belíssima Mensagem de Natal com que Sua Santidade, o
Papa Pio XII, presenteou a
Cristandade.
O mundo inteiro tem tido ocasião de observar que o
atual Pontífice alia à infalível segurança de doutrina própria ao seu excelso
cargo, belíssimos dotes de orador, já revelados quando o então Cardeal Pacelli
tinha ocasião de falar em público. Infelizmente, é tal a densidade doutrinária
da última mensagem, que um comentário exaustivo acerca de todos os tópicos
importantes que ela contém exige muito mais uma opulenta monografia do que as
dimensões exíguas de um artigo de jornal.
Assim, queremos focalizar apenas dois pontos mais
importantes.
* * *
O Legionário,
mal compreendido muitas vezes por certos leitores eivados de liberalismo, tem
combatido insistentemente o vezo de que ainda não estamos livres, que consiste
em falar muito de "Cristianismo" e pouco de "Catolicismo".
Li, certa vez, um extenso rodapé de jornal, escrito
por um prócer católico que, de início a fim, marcava uma omissão intencional da
palavra Catolicismo, entretanto tão usual em nossa linguagem diária, e um
emprego freqüente e insistente da palavra "cristianismo". A única
forma autêntica de Cristianismo é o Catolicismo. Precisamente porque a noção
que a palavra "Cristianismo" exprime é divinamente pura, verdadeira e
bela, devemos mantê-la limpa das deformações e impurezas que a confusão da
linguagem corrente tende a estabelecer em torno dela. Ora, o mal uso dessa
divina palavra tem sido tal que a proteção do conceito que ela encerra se faz
muito melhor pelo emprego da palavra "Catolicismo". Em abono de nossa
tese, publicamos o seguinte tópico da Mensagem Pontifícia que melhor do que
qualquer outro descreve a confusão diabólica estabelecida a este respeito pelos
adversários da Igreja:
"Foi a Humanidade que se rebelou contra o
verdadeiro Cristianismo e contra a verdadeira fé da doutrina divina. A
Humanidade criou um novo Cristianismo, baseado em sua própria imagem, e um novo
ídolo que não pode salvar e não pode fugir aos pecados da carne, e de cujos
olhos o brilho da prata e do ouro não se afasta. A nova religião é sem alma e
as novas almas que surgiram são sem religião. Elas são a própria máscara do
Cristianismo sem o espírito de Cristo".
* * *
Merece especialíssimo
registro a conduta admiravelmente suave e firme que a Mensagem Pontifícia
adotou com referencia ao problema da "nova ordem".
Como ninguém ignora, a propaganda nazista lançou o leit-motiv da
necessidade de organizar, sob os tacões das botas dos gauleiters [chefes distritais
nazistas], uma nova estrutura ideológica, política, social e econômica, que
constituirá propriamente uma civilização pagã no sentido mais exato e completo
do termo. Infelizmente, não são tais as circunstâncias para que possamos banir
de nosso espírito as apreensões de uma possível vitória nazista na Europa. Os
últimos acontecimentos lograram reduzir consideravelmente tais apreensões, sem,
contudo, eliminar por completo.
Diante desta lúgubre perspectiva de uma nova ordem
na Europa, que não seria senão o mais férreo e completo sistema de desordem
organizada, isto é, que estabeleceria ou formaria com mão de carrasco um estado
de coisas baseado na completa subversão de todos os valores, que atitude
assumiu o Santo Padre?
O Vaticano já declarou
expressamente que a Santa Sé não é neutra no presente conflito. Reafirma-o Pio
XII em sua última Mensagem, acentuando embora que quer evitar qualquer atitude
que possa ser apresentada às massas, pelos envenenadores
da opinião pública, como a expressão da antipatia da Sé Romana para com
qualquer povo. No mesmo tópico, o Santo Padre acentua ainda que as perseguições
religiosas, em lugar de decrescer com a guerra, pelo contrário, tem tomado
corpo. E de modo expresso o Santo Padre afirma que não quereria passar sob
silêncio tal afirmação, a fim de evitar funestas ilusões na opinião pública.
Em outros termos, discreta embora, a atitude do
Vaticano é de formal condenação às perseguições religiosas do nazismo, e de reprovação completa aos erros por este difundidos.
A mesma atitude, serenamente discreta, foi
observada pelo Santo Padre quanto à diabólica "ordem nova". O Santo
Padre não a atacou de frente. Mas descreveu pormenorizadamente o que se deve
entender por uma verdadeira ordem entre as nações, e com isto traçou um quadro
diametral e inexoravelmente oposto ao que os profetas do nazismo delineiam para
a Europa de amanhã. A uma federação de estados escravos, governados na
aparência pelos miseráveis fantoches que hoje dirigem 99,9% dos países da
Europa Continental, e feitoriados na realidade pelos
capatazes da clique de aventureiros
de que se serve o Sr. Hitler, o Santo Padre opõe a visão grandiosa de uma Europa
banhada no sol da caridade sobrenatural do Corpo Místico de Cristo, em que as
nações grandes e pequenas, convivendo em família, sem opressões, sem
armamentismo, sem perigo de injustiças, sangueira e
"blitz-roubalheiras", fosse um conjunto de
povos civilizados, e não um grupo de vítimas espavoridas, a viver sob o jugo
sinistro do gangsterismo pardo.
Em outros termos, definindo o único estado de
coisas, que por ser verdadeiramente "novo" e constituir
autenticamente uma "ordem", poderia chamar-se uma "nova
ordem", o Santo Padre se colocou intencionalmente, friamente, com uma
serenidade que lembra os mártires do Coliseu, contra os desígnios do déspota
onipotente que constitui hoje o opróbrio e desgraça da Europa Continental.
* * *
A Santa Igreja é e deve ser sempre para nós a fonte
de inspiração de todas as nossas atitudes. Diante deste gesto sublime em que o
vulto branco do Pontífice se ergue tragicamente isolado em meio dos escombros
da Europa totalitarizada, detendo com o heroísmo de
seu anátema as hordas sombrias dos novos bárbaros, deve sentir singular
estímulo qualquer católico.
Em sua recente Pastoral, nosso Episcopado se
referiu ao revolucionário francês que apostrofou da seguinte maneira a
aristocracia ceifada pela guilhotina: "Levantai-vos; vossos adversários só
estão de pé porque vós estais de joelhos". Neste início de ano, o
"Legionário" não teria melhor resolução a formar, nem melhor conselho
a dar aos seus leitores.
O gesto heróico do Vigário de Cristo e a voz
ardente de nossos Bispos nos chamam à luta. Já é tempo de deixarmos a situação
de inglória prostração perante um inimigo por vezes irreal. Para l942, nossa
senha deve ser esta:
Católicos, de pé contra o inimigo.