Legionário, N.o 481, 30 de novembro de 1941

As recentes nomeações

A notícia da promoção para o episcopado de Mons. Ernesto de Paula foi recebida nesta capital com aquela alegria serena e transbordante que caracteriza a realização dos fatos de há muito esperados. Quem quer que estivesse iniciado, ao menos de leve, nas fainas do apostolado católico não tardaria em perceber que o altíssimo apreço em que eram tidas geralmente as qualidades do eminente Vigário Geral faziam dele uma figura evidentemente talhada para arcar, dentro da Santa Igreja de Deus, com maiores responsabilidades. Um contato pessoal com S. Ex.a Rev.ma serviria apenas para acentuar esta convicção. Mons. Ernesto de Paula é destas pessoas que tem o dom de impressionar favoravelmente todos os observadores de valor. Verdadeira e superior figura de Sacerdote, despreocupa-se ele, de modo ostensivo, do emprego dos mil pequenos expedientes charlatanescos com que habitualmente as nulidades se esmeram em disfarçar sua vacuidade. Por isto mesmo os espíritos superficiais, a quem só a charlatanice impressiona, não atinam imediatamente com o valor de Mons. Ernesto de Paula. Pelo contrário, a rara precisão, clareza e firmeza de sua inteligência, a distinção de seu trato, a sua insuperável capacidade de trabalho, sua ilimitada dedicação à Igreja cativam desde logo o respeito entusiástico e afetuoso de quantos dele se acercam. Há árvores consideradas padrões de terra boa: só se desenvolvem em solo fértil. O ter alguém em grande apreço a Mons. Ernesto de Paula é padrão de mentalidade lúcida.

Ainda é cedo para se estabelecer o balanço do muito que a Arquidiocese deve a Mons. Ernesto de Paula, já que o inventário de longos e preciosos serviços não se pode fazer em pouco tempo. Não pretendo, pois, mencionar neste artigo quais os melhores títulos que, à nossa gratidão, tem S. Ex.a Rev.ma. Aliás, esta enumeração seria supérflua para realçar méritos que estão inscritos na admiração geral. Escolhido para as altas funções que exerceu por essa grande figura de “connaisseur de homens que foi o imortal D. Duarte, mantido no cargo pela clarividente confiança do atual Arcebispo, Mons. Ernesto de Paula recebe, com sua promoção ao Episcopado, a consagração de suas altas e nobres qualidades.

Congregado Mariano que tenho a honra de ser, não quero entretanto deixar de fazer uma alusão comovida a uma obra de Mons. Ernesto de Paula que simboliza todas as suas atividades, pois que nele empregou S. Ex.a Rev.ma seus melhores predicados. Todos estarão entendendo que se trata da Congregação do Ginásio do Estado. Obra verdadeiramente providencial, essa Congregação constitui uma forma esplêndida de apostolado, e pelo valor dos elementos que ela contém, bem se pode dizer que é ela um “vaso de eleição” com que Mons. Ernesto de Paula brindou a Arquidiocese. Seria inútil destacar que esta hora de júbilo por tão merecida nomeação é também uma grande e dolorosa hora de despedida e de tristeza. Certamente, em nenhum lugar as saudades serão mais pungentes do que naquele sodalício mariano, onde a ausência de Mons. Ernesto provocará uma desolação que só o amor à Igreja e a confiança na Providência conseguirão remediar. Posso entretanto acrescentar que entre os redatores do “Legionário” a mágoa da separação e a alegria da nomeação não serão muito menores. Por mil razões que S. Ex.a Rev.ma bem conhece, o “Legionário” lhe dedica uma amizade respeitosa e indelével, que o tempo e a distância jamais conseguirão amortecer.

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A Providência sabe temperar com consolações todos os sentimentos de pesar. A escolha dos dois Vigários Gerais com que a sabedoria do Ex.mo e Rev.mo Sr. Arcebispo dotou São Paulo é, para todos os fiéis, motivo do mais intenso júbilo.

Mons. José Maria Drost Monteiro é uma destas veneráveis e vigorosas figuras de Sacerdote que encarnam as melhores tradições do Clero brasileiro. Não há, em nossos círculos católicos, quem não o respeite e não o estime. A nota saliente de sua personalidade é uma afabilidade ao mesmo tempo distinta e acolhedora, que nos dá a dupla impressão de que tratamos com um verdadeiro Pai com quem podemos e devemos ser filiais, e uma autoridade que sabe fazer respeitar-se de todos. De inteligência viva e solerte, ilustrada não só por sólidos estudos como por uma inapreciável experiência do ministério das almas, o novo Vigário Geral trará, para o desempenho das altas funções que o Ex.mo e Rev.mo Sr. Arcebispo Metropolitano lhe atribuiu, um lastro de qualidades verdadeiramente notável.

Em Itu – na fidelíssima e tradicionalíssima cidade de Itu – a ausência deste Pároco benemérito causará por certo um inexprimível pesar. Com efeito, se até os que não somos ituanos custamos a conceber aquela cidade privada do Sacerdote que por suas virtudes e aptidões soubera tornar-se o centro e o ápice de toda vida intelectual e espiritual bem como de todas as atividades beneméritas do lugar, o que se dirá da impressão que a ausência de Mons. José Maria Drost Monteiro causará aos ituanos?

Compreendemos amplamente esses sentimentos. Mas a mesma ordem de fatos nos leva a considerar com antecipada alegria a perspectiva risonha de um trabalho apostólico desenvolvido sob a irradiação de uma figura de tão alto valor.

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Deixei expressamente para o fim a figura de Mons. Antônio de Castro Mayer. Uma amizade que já se tornou antiga justifica que, a respeito dele, minhas palavras se revistam de uma comoção particularmente intensa. Penso não ser necessário dizer os sentimentos de todos os que trabalhamos no “Legionário” a respeito de Mons. Mayer. Os leitores desta folha sabem que S. Ex.a Rev.ma é nosso Assistente Eclesiástico. Os afazeres inerentes ao jornalismo impõem aos redatores desta folha um convívio quase quotidiano, em que as idéias se debatem e se cristalizam, as amizades se fundem e se desenvolvem, e a recíproca compreensão dos temperamentos os mais diametralmente opostos cria um ambiente de verdadeira fraternidade, de uma fraternidade viril e sobrenatural, que constitui para a vida de cada um de nós uma grande graça, e nos faz sentir, quando estamos reunidos, as emoções que experimentou o Escritor sagrado ao exclamar “Quam bonum et quam jucundum est habitare fratres in unum. A identidade de ideais solidamente vincados em nossas inteligências, e servidos com uma inteireza de devotamento que exclui qualquer reserva e estigmatiza como uma traição qualquer restrição, fez com que esse grupo de rapazes, pertencentes todos a condições bem diversas, a idades tão desencontradas, seguindo carreiras tão variadas, e dotados de feitios pessoais tão antagônicos, apresente o aspecto de uma coesão maciça e sem fendas, que sem personalismos nem falsos regionalismos se coloca inteiramente ao serviço da Santa Igreja de Deus. Nessa vida de família, que com mais propriedade se poderia comparar a uma vida de regimento, mas de um regimento de cruzados em que cada qual tem bem viva a convicção da fraternidade sobrenatural que no corpo místico de Cristo o une aos demais, o papel de Mons. Mayer é ao mesmo tempo o de um guia, um chefe e um pai. À confiança, o respeito e a estima que nesta casa todos lhe têm, prova à saciedade que S. Ex.a Rev.ma possui no mais alto grau o dom de impressionar e cativar os moços que dele se acercam. Com efeito, as lições que de S. Ex.a Rev.ma continuamente recebemos estão cheias daquela “luz intelectual plena de amor” de que fala Dante. Luz intelectual, sim, porque as irradiações do talento do novo Vigário Geral se encontram em todas as suas palavras e todos os seus atos. A solidez invulnerável de sua doutrina, seu amor heróico às posições mais ortodoxas, às virtudes mais árduas, às atitudes mais difíceis, dá à alma generosa dos moços aquela largueza ilimitada de horizontes sobrenaturais, em que a inteligência se sacia de verdade e as dedicações se saciam de sacrifícios e de heroísmo, indo sempre mais longe neste caminho e descortinando perspectivas sempre maiores. Ao par desta constante elevação de vistas, quanta e que esplêndida simplicidade de trato em Mons. Mayer! Que alegria exuberante e brilhante, que tesouros de espírito, de autêntico chiste, de finura de inteligência, fulguram constantemente em suas conversas. Por isto mesmo, Mons. Mayer não é reputado apenas um guia e um pai, nos momentos de luta e de trabalho, mas a companhia indispensável dos raros mas esplêndidos momentos de lazer.

Apenas colocado por uma sapientíssima e providencial disposição do Ex.mo e Rev.mo Sr. Arcebispo à testa da Ação Católica, começou Mons. Mayer por generalizar ali o mesmo ambiente. E, graças à inspirada energia com que debelou extremismos intolerantes, messianismos irrequietos e mordazes, imprecisões doutrinárias perigosas e dissenções supérfluas, a Ação Católica é hoje uma grande família, na qual o Assistente Geral é o Pai respeitado e obedecido, o próprio reflexo da autoridade do Ex.mo e Rev.mo Sr. Arcebispo Metropolitano.

Tantas qualidades, se impressionaram a Ação Católica, ainda deveriam impressionar muito mais o zeloso Pastor da Igreja Paulopolitana, confirmando e ampliando a autoridade de Mons. Mayer, dá o Ex.mo e Rev.mo Sr. Arcebispo Metropolitano merecido galardão à tão brilhantes êxitos, e abre perspectivas ainda mais largas para as atividades do laicato católico.

Sem pretender fazer de seu próprio Assistente Eclesiástico um elogio que outras folhas, poderão com mais desembaraço fazer, aqui deixamos de tão auspiciosa nomeação um registro comovido, carinhoso e grato.