Plinio Corrêa de Oliveira

 

Suplementos infantis

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 3 de agosto de 1941, N. 464

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É preciso que não esmoreça a vigorosa campanha movida por elementos católicos de destaque, entre os quais ocupa situação ímpar meu grande amigo Padre Arlindo Vieira, contra os suplementos infantis que a maior parte dos jornais publica hoje em dia. Com efeito, enquanto o mal persistir, é preciso que persista a reação, pois que os editores de tais boletins não poderiam alcançar mais significativo resultado do que ver os elementos católicos, fatigados de protestar, já plenamente conformados com a ação demolidora dos “suplementos”.

Com efeito, dado que a Igreja é infalível, jamais conseguirão seus adversários mudar a doutrina por Ela professada. E, assim, o máximo que podem alcançar é que se mantenham em silêncio os católicos que o erro não conseguir separar da Igreja. Mas esse maximum é tanto, representa inconvenientes tão inapreciáveis que, para evitá-lo, todos os esforços são poucos e todos os sacrifícios insignificantes.

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Entre os inúmeros males que a maioria desses suplementos ocasiona, salta aos olhos o incentivo que eles prestam ao desenvolvimento de certas preocupações já precoces em nossas crianças. Não é de espantar que os pasquins escandalosos, os órgãos de jornalismo suburbano, as folículas que vivem da exploração de escândalos de toda ordem, editem boletins imorais. Mas o que é curioso é que até certos jornais, que procuram observar certa linha, não se pejem em editar folhetins francamente hostis à formação moral de nossa mocidade.

Tenho em mãos, no momento em que escrevo este artigo, uma coleção de suplementos editados por um dos jornais mais sóbrios em matéria de publicidade criminal e sensacionalista que conheça. Tais boletins infantis não são dos piores. Pelo contrário, encontra-se entre eles vários que trazem historietas, se não edificantes, ao menos perfeitamente inócuas. Tudo isto mostra que a orientação do suplemento não obedece à preocupação que em outros do mesmo gênero parece obsedante de estimular por todas as formas às mais prematuras e perigosas idéias entre as crianças. Entretanto, não há um único número desse suplemento que não traga ao menos uma história em que, quando o enredo não é francamente censurável, os desenhos são utilizados como pretexto para a exibição absolutamente despudorada de formas que o recato manda cobrir. Por que essa persistência metódica, inflexível, que jamais chega aos absurdos de outros suplementos, mas que também jamais deixa de infringir seriamente as regras da moral? Num certo sentido, dir-se-ia que tal suplemento é mais nocivo que os outros, pois que sua própria moderação (aliás tão relativa) lhe serve de passaporte para entrar em ambientes que se manteriam irredutivelmente fechados a folhas mais acentuadamente más. E, uma vez franqueadas as portas a um suplemento mau, quem poderá evitar a entrada dos outros piores?

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Cada vez mais, o mundo contemporâneo parece uma casa de loucos em que os princípios elementares de lógica estão absolutamente subvertidos. Por isto, não falta nos meios católicos quem tenha uma ojeriza militante contra a perspicácia. Descobrir um erro oculto, uma tendência má que apenas começa a se esboçar, uma afirmação temerária que tem vergonha de si mesma e que se exibe sob a roupagem capciosa de doutrinas aparentemente ortodoxas, tudo isto constituía, para o católico, um ponto de honra de ortodoxia. Assim como o caçador tem seu golpe de vista, e sabe ver longe e atingir certo, assim também o verdadeiro católico tem uma ortodoxia infalivelmente certeira, e sabe discernir de longe o erro, argumentando contra ele sem jamais perder uma só ocasião propícia.

Mas parece que tudo isto, hoje em dia, se está tornando defeito. É preciso fazer vistas grossas, afirmar que o branco pode bem ser ao mesmo tempo preto como azeviche, sorrir benignamente quando se nos diz que a neve dos Alpes lembra invencivelmente por sua coloração o carvão de pedra, e que nada há de mais parecido com uma fonte da qual brota água fresca do que o deserto do Saara.

E quando algum retrógrado, como o autor destas linhas, lembra algum argumento, insinua alguma reflexão que timidamente tende a estabelecer que o branco não é bem exatamente o preto, ou que o frescor da água não sugere uma impressão tão exatamente igual à de um copo de água fresca, uma celeuma se levanta: como pode ser alguém tão sem sutileza, tão sem penetração, tão pobre de dotes intelectuais, que não percebe a sublime elevação intelectual que se encontra nessa proposição tão clara e tão simples: “o branco é uma cor absolutamente igual ao preto”?

Assim, não é para todos que esta segunda observação vale. Não falo dos espíritos nimbados de superior auréola intelectual. Falo apenas para aqueles indivíduos de mentalidade tosca e retardatária, que ainda não consideram o hábito de raciocinar como uma funesta mania, e nem o amor à perspicácia como um dos mais odiosos vícios da inteligência.

Um amigo discreto, silencioso e observador, afeito a longos silêncios meditativos e finas observações psicológicas, um pobre coitado enfim, que ainda não assestou os óculos cor-de-rosa que são cada vez mais de uso na vida intelectual (enquanto cada vez mais se usam os óculos escuros entre os grã-finos da vida social, parece que os óculos róseos agradam cada vez mais certos grã-finos da vida intelectual), fazia outro dia, em uma roda de companheiros em que eu me encontrava, esta sábia e capaz observação: cada vez mais, certos suplementos infantis costumam apresentar heróis dotados de sentidos superiores à natureza, uma visão hiper-penetrante, uma audição superdelicada, etc., etc., que lhe conferem sobre a natureza e os homens a mais incontestável supremacia. Dizia muito bem esse amigo que isto prepara a imaginação infantil para o fanatismo em torno do super-homem, do “gauleiter” nazista em outros termos, para o misticismo pagão e naturalista do totalitarismo, e para todos os erros que ameaçam submergir o globo. E esse tem toda a razão, em que pese aos espíritos superiores que, sorrindo com “sabedoria”, acharem ridícula essa observação.

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Concluamos. Se uma grande firma fornecedora de remédios ou de alimentos distribuísse todos os dias, a milhares de crianças, artigos mortíferos que fossem ingenuamente consumidos por seus compradores, que celeuma se levantaria! Entretanto, diariamente a mentalidade infantil continua a ser envenenada com os piores alimentos intelectuais e morais, e ninguém protesta. Não vale a alma mais do que o corpo? Não vale a vida eterna mais que a vida terrena? Não vale a glória de Deus mais do que a saúde física das criaturas? Entretanto, por que tão grande disparidade de conduta em um e em outro caso?


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