Legionário, N.o 450, 27 de abril de 1941

Uma data insigne

Não quis o Ex.mo Rev.mo Sr. Arcebispo Metropolitano aceitar as homenagens que a Arquidiocese de São Paulo lhe iria tributar hoje. Não conseguirá, entretanto, S. Ex.a Rev.ma, que essas homenagens, assumindo formas diversas, por mil modos cheguem até o solio pontifício, a fim de atestar ao Preclaro Antístite o afeto sincero e tocante que a S. Ex.a tributam seus diocesanos.

Pelo grande número de telegramas e mensagens provenientes não só de  São Paulo mas de outros lugares, pelas visitas, pelos cumprimentos, pelos artigos, pelas radio emissões, pelas orações e cerimônias litúrgicas sobretudo, saberá certamente S. Ex.a Rev.ma como a data de hoje comove São Paulo e enche de júbilo nossa população.

A esse júbilo o “Legionário” quer dar uma contribuição, manifestando também ele seu contentamento e reconhecendo de público quanto deve ao eminente Pastor.

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O “Legionário” sempre obtivera a benevolente simpatia do grande e inesquecível D. Duarte. Nomeado o novo Bispo Auxiliar, que  situação teria perante ele nosso jornal? Pela grande confiança que no  Bispo titular da Barca depositava D. Duarte, pela alta investidura que recebera com a sagração episcopal, pela autoridade moral decorrente de sua tão marcante personalidade, o novo Prelado teria, certamente, grande influência no futuro do jornal. E assim foi em um ambiente de viva expectativa que os primeiros contatos se estabeleceram, respeitosos por parte desta folha e bondosos por parte de S.  Ex.a Rev.ma.

Tendo uma opinião muito precisa e uma orientação muito nítida, o “Legionário” jamais pretendeu ser um monopolizador de catolicidade. Se há muitos pontos de vista que ele sustenta e dos quais um católico não pode dissentir, jamais teve esta folha a pretensão, que seria audaciosa e ilegítima, de afirmar que em nenhum ponto dela se poderia divergir sem implicitamente se divergir da doutrina definida pela Igreja. Em muitas matérias que a Igreja deixa a livre discussão, temos atitudes próprias que nos parecem interpretar melhor o pensamento católico, que nos esforçamos pois por inculcar aos leitores, mas que, entretanto, nem por isto deixam de  ser matéria contingente.

Assim, pois, mais do que qualquer outro tipo de jornal católico, precisa o “Legionário” não só do consentimento mas da simpatia da Autoridade. Um simples “laisser faire, laisser passer” não lhe basta para ir vivendo, como bastaria a um jornal que só se definisse em matéria incontroversível entre católicos. E isto principalmente porque, desde que o “Legionário” recebesse uma ordem em sentido contrário, graças a Deus obedeceria com uma disciplina tipicamente católica.

Ora, o novo Bispo Auxiliar, colocado tão perto do grande D. Duarte e recebendo dele tão largo  apoio, poderia facilmente por o “Legionário” em situação muito complexa e talvez de insuperável dificuldade. E por aí se explica nossa simpatia e nosso reconhecimento, quando desde logo verificamos que S. Ex.a Rev.ma  possuía um grande e largo coração de Pastor, transbordante de afeto, cheio do desejo de nos compreender bem a mentalidade, os pontos de vista e as opiniões, dominado pelo elevado propósito de, sem renunciar à sua autoridade e exercendo-a quando preciso fosse, nos dar ao mesmo tempo uma ampla liberdade e, quiçá, em muita situação crítica, um apoio tão discreto quanto decisivo.

Sem lembrar a este propósito fatos que ainda é cedo para divulgar, algumas reminiscências podem entretanto ser invocadas. Nunca os dirigentes do “Legionário” se esquecerão das visitas que S. Ex.a Rev.ma nos fez quando Bispo Auxiliar, durante uma das quais chegou a nos trazer... um  bolo saboroso, a fim de aliviar e estimular os trabalhos redatoriais. Eram visitas afáveis, eu diria mesmo carinhosas, durante as quais se denunciava um imenso interesse por nossos trabalhos, uma ardente simpatia pelos jovens universitários que conosco trabalhavam e um desejo perseverante e determinado de que o “Legionário” prosseguisse para a frente. Assim, embora respeitosos da autoridade, tomávamos com S. Ex.a Rev.ma uma ou outra pequena liberdade, que o bondoso Prelado  fingiu não perceber. Uma delas pode hoje ser contada. S. Ex.a Rev.ma nos fizera uma visita. Mas, ou por esquecimento, ou por excesso de ocupação, ou porque a visita fosse imprevista, não havia um fotógrafo para bater uma chapa que ilustrasse a notícia que sobre o acontecimento daríamos no próximo número. Mas o “Legionário”, que raramente se atrapalha, também aí não se atrapalhou. Tomou uma fotografia em que S. Ex.a aparecia sentado junto a uma mesa com um aparelho rádio emissor, cortou da fotografia o aparelho, deixando apenas aparecer o jovem e ilustre Bispo sentado junto à mesa. E sem cerimônia a fotografia foi inserta na notícia, cujo título era mais ou menos “O Bispo Auxiliar visita o Legionário”. Mas para evitar qualquer mentira, a fotografia não trazia legenda, de sorte que não afirmamos que a fotografia fora tirada durante a visita. O leitor que conjeturasse o que entendesse. O então Bispo de Barca notou certamente nosso pequeno estratagema, que não deixava de implicar em uma respeitosa “sans façon”.  Mas fingiu paternalmente que nada viu e tudo continuou muito bem. Pequenos fatos como este, audiências pedidas fora de hora, atrasos infelizmente clássicos nessas audiências, de um dos  dirigentes, reiterados pedidos de cartões com apoios e recomendações, tudo isto passava com a indulgência do jovem Bispo, que fingia nada notar, ou que se limitava a algum gracejo a respeito da falta de horário do dirigente sempre atrasado.

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Durante sua permanência em Itanhaem, falecido o grande Dom Duarte, não se esqueceu o “Legionário” de seu ilustre e constante protetor. E assim, tendo enviado a S. Ex.a Rev.ma um relatório de seus trabalhos, recebeu em resposta uma carta que deixava transparecer claramente, através da inalterabilidade dos mesmos sentimentos de afeto, um apoio cada vez mais decidido à destemerosa  orientação do jornal.

Nomeado para suceder nosso primeiro Arcebispo, claro está que o “Legionário” tinha razões para muito esperar do Dom José de Afonseca e Silva.

Entrementes, a situação internacional se foi tornando mais tensa, as paixões se foram tornando mais acirradas, os nacionalismos alienígenas mais imprudentes e mais intransigentes. De toda a parte, bem sabíamos disto, pedia-se ao Arcebispo uma palavra, uma só palavra, que faria calar o “Legionário”. Mas essa palavra nunca veio. E pelo contrário, recebendo em audiência, há tempo atrás, os redatores e empregados desta folha, S. Ex.a Rev.ma, depois de algumas palavras paternais, manifestou todo o seu apoio ao “Legionário”, ao qual qualificou de o mais perspicaz de nossos jornais católicos ou profanos, atribuindo essa perspicácia exclusivamente a nosso zelo e à inteira despreocupação de qualquer outras causas que não fossem a da Santa Igreja de Deus.

Esses os fatos públicos. Quanto aos apoios dados em particular ao “Legionário”, em circunstâncias delicadas, quantas vezes ele se verificou! Ainda não é tempo de contar esta história, mas se algum dia houver oportunidade para tanto, certamente não ficará ela em silêncio. Um deles é um dos mais belos fatos que tenho visto!

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No dia de hoje, o “Legionário” se permite uma grande satisfação em anunciar que S. Ex.a Rev.ma virá brevemente visitar esta folha, aqui recebendo como homenagem uma coleção do “Legionário” em 1940, para a  biblioteca do Palácio São Luiz.

Para esta festa, que será um eco da festa de hoje, o “Legionário” desde já convida quantos ao seu lado lutam, por ele rezam e por ele trabalham. Será esta, para nosso jornal, uma oportunidade para reiterar a S. Ex.a os votos respeitosos que hoje lhe apresentamos.