Legionário, N.o 443, 9 de março de 1941

“Os casamentos no Uruguai”

A embaixada da República do Uruguai no Rio de Janeiro publicou uma nota enérgica pela imprensa em que procura ressalvar a reputação do país que representa, à vista da multiplicação dos “casamentos no Uruguai” feitos por pessoas nascidas no Brasil.

A triste utilidade de tais “casamentos” ninguém a ignora. Nossa lei proíbe o divórcio a vínculo, ou seja, a separação dos cônjuges implicando na dissolução do vínculo conjugal e na conseqüente liberdade, conferida a ambos, de contrair novas núpcias quando entenderem. Assim, os lares mal unidos que queiram dissolver-se a fim de que “cada cônjuge recomponha sua felicidade” - segundo a banalíssima e romântica expressão que já se tornou de uso corrente - não tem remédio senão procurar uma anulação fraudulenta em alguma pequena comarca no fundo de nosso sertão, ou de procurar fazer um “casamento” em país estrangeiro onde admita o divórcio a vínculo.

Infelizmente as anulações fraudulentas de casamento não têm sido entre nós tão raras quanto seria de desejar, e, a este propósito, há anos atrás, o Ministro Oswaldo Aranha lançou um protesto veemente cuja atualidade ainda não cessou de existir. Entretanto, seja dito para honra de muitos e muitos de nossos magistrados que essas anulações, graças a Deus, ainda não têm sido suficientes para corresponder ao desejo dos numerosos casais “infelizes” que “procuram recompor sua felicidade”. Assim, elevado é o número deles que procura obter “casamento” em certas repúblicas latino-americanas. De fato, nessas Repúblicas admite-se o divórcio a vínculo, e tal divórcio é concedido mesmo às pessoas naturais de países onde este nefasto instituto não seja permitido.

Assim, tudo quanto é casal “moderno”, desejoso de liquidar “modernamente” sua situação para inaugurar outra situação ainda mais “moderna” não tem senão um artifício muito simples a seguir: faz uma rápida viagem ao estrangeiro, “dissolve” ali o vínculo conjugal, aceita outro vínculo, e volta “casado”.

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Com muita razão, o Episcopado paulista, em sua magistral Carta de Novembro p.p., condena vivamente tais “casamentos”. Começam eles por não serem casamentos. De acordo com a legislação canônica, os fiéis só estão casados aos olhos de Deus quando recebem o Santo Sacramento do Matrimônio na presença de um Sacerdote; não havendo a presença do Sacerdote, ou existindo em algum dos fiéis um impedimento como o casamento anterior, pode ter havido uma aparência de cerimônia nupcial, mas, na realidade, aos olhos de Deus, da Santa Igreja, e de todos os fiéis católicos, não houve casamento. Não importa que esta ou aquela lei civil estrangeira reconheça os efeitos de tal cerimônia. A lei civil neste caso se insurge contra a lei divina, é radicalmente nula, e por isto mesmo não pode produzir efeito como o de constituir vínculo conjugal. Assim, os “cônjuges” que coabitam em conseqüência de um “casamento” destes estão, objetivamente, em estado de pecado mortal, e só podem obter perdão renunciando de vez a esta criminosa coabitação. Criminosa, dissemos. A expressão não pode ser outra, pois que, além de implicar em uma vida sumamente imoral, implica em negar a doutrina da indissolubilidade do vínculo conjugal, que é condenada pela Igreja.

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Mas há, em casamentos tais, uma nota que merece especial registro. Ninguém ignora que as pessoas que, em tais condições, constituem “matrimônio” são pessoas que não alimentam a menor dúvida quanto à nulidade radical do casamento que contraem. Sabem elas bem que esse “casamento” não existe, e daí a facilidade com que o desfazem para voar a outra aventura, desde que a isto as impila o vento caprichoso de suas paixões. Por isto, não faltam pessoas dizendo que vão casar-se no estrangeiro, [mas] realmente não fazem casamento algum. Limitam-se a uma viagem, da qual voltam dizendo que se “casaram”. E está tudo acabado. Outras, realmente procuram fazer uma cerimônia qualquer. Por isto, sei do caso de uma casal que se dirigiu a um consulado latino-americano estabelecido em São Paulo pedindo passaportes. O consulado, que representa aqui uma república onde vão pouquíssimos brasileiros, perguntou ao casal o que pretendia fazer na viagem. E como dissessem que iriam casar-se, o funcionário sorriu e lhes disse: “mas não precisa ir tão longe. Nós aqui também fazemos “casamentos”. Os “noivos” enrubesceram, mas exigiram uma viagem. Parecia-lhes muito pouco, ser casado por um cônsul...

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O que é fato é que este hábito ameaça esgueirar-se e introduzir-se de modo cada vez mais firme pelo Brasil inteiro, implicando no estabelecimento virtual de um divórcio a vínculo. Já temos a palavra oficial do Uruguai de que suas autoridades consulares não se prestam a isto. Seria conveniente que todas as embaixadas apontadas pelos países interessados fizessem o mesmo. Assim, se poderia desmentir os que afirmassem ter-se casado no estrangeiro, ou verificar se no meio de tão augustas afirmações diplomáticas alguma há menos conforme à verdade. Mas não nos fiemos apenas neste remédio. Do que precisamos é de oração, energia e apostolado. Sem estas armas, esta praga certamente continuará a fazer mal ao Brasil.