A embaixada da República do Uruguai no Rio de
Janeiro publicou uma nota enérgica pela imprensa em que procura ressalvar a reputação
do país que representa, à vista da multiplicação dos “casamentos no Uruguai”
feitos por pessoas nascidas no Brasil.
A triste utilidade de tais “casamentos” ninguém a
ignora. Nossa lei proíbe o divórcio a vínculo, ou seja, a separação dos
cônjuges implicando na dissolução do vínculo conjugal e na conseqüente liberdade,
conferida a ambos, de contrair novas núpcias quando entenderem. Assim, os lares
mal unidos que queiram dissolver-se a fim de que “cada cônjuge recomponha sua
felicidade” - segundo a banalíssima e romântica expressão que já se tornou de
uso corrente - não tem remédio senão procurar uma anulação fraudulenta em
alguma pequena comarca no fundo de nosso sertão, ou de procurar fazer um
“casamento” em país estrangeiro onde admita o divórcio a vínculo.
Infelizmente as anulações fraudulentas de casamento
não têm sido entre nós tão raras quanto seria de desejar, e, a este propósito,
há anos atrás, o Ministro Oswaldo Aranha lançou um
protesto veemente cuja atualidade ainda não cessou de existir. Entretanto, seja
dito para honra de muitos e muitos de nossos magistrados que essas anulações,
graças a Deus, ainda não têm sido suficientes para corresponder ao desejo dos
numerosos casais “infelizes” que “procuram recompor sua felicidade”. Assim,
elevado é o número deles que procura obter “casamento” em certas repúblicas
latino-americanas. De fato, nessas Repúblicas admite-se o divórcio a vínculo, e
tal divórcio é concedido mesmo às pessoas naturais de países onde este nefasto
instituto não seja permitido.
Assim, tudo quanto é casal “moderno”, desejoso de
liquidar “modernamente” sua situação para inaugurar outra situação ainda mais
“moderna” não tem senão um artifício muito simples a seguir: faz uma rápida
viagem ao estrangeiro, “dissolve” ali o vínculo conjugal, aceita outro vínculo,
e volta “casado”.
* * *
Com muita razão, o Episcopado paulista, em sua
magistral Carta de Novembro p.p., condena vivamente tais “casamentos”. Começam
eles por não serem casamentos. De acordo com a legislação canônica, os fiéis só
estão casados aos olhos de Deus quando recebem o Santo Sacramento do Matrimônio
na presença de um Sacerdote; não havendo a presença do Sacerdote, ou existindo
em algum dos fiéis um impedimento como o casamento anterior, pode ter havido
uma aparência de cerimônia nupcial, mas, na realidade, aos olhos de Deus, da
Santa Igreja, e de todos os fiéis católicos, não houve casamento. Não importa
que esta ou aquela lei civil estrangeira reconheça os efeitos de tal cerimônia.
A lei civil neste caso se insurge contra a lei divina, é radicalmente nula, e
por isto mesmo não pode produzir efeito como o de constituir vínculo conjugal.
Assim, os “cônjuges” que coabitam em conseqüência de um “casamento” destes
estão, objetivamente, em estado de pecado mortal, e só podem obter perdão
renunciando de vez a esta criminosa coabitação. Criminosa, dissemos. A
expressão não pode ser outra, pois que, além de implicar em uma vida sumamente
imoral, implica em negar a doutrina da indissolubilidade do vínculo conjugal,
que é condenada pela Igreja.
* * *
Mas há, em casamentos tais, uma nota que merece
especial registro. Ninguém ignora que as pessoas que, em tais condições, constituem
“matrimônio” são pessoas que não alimentam a menor dúvida quanto à nulidade
radical do casamento que contraem. Sabem elas bem que esse “casamento” não
existe, e daí a facilidade com que o desfazem para voar a outra aventura, desde
que a isto as impila o vento caprichoso de suas paixões. Por isto, não faltam
pessoas dizendo que vão casar-se no estrangeiro, [mas] realmente não fazem
casamento algum. Limitam-se a uma viagem, da qual voltam dizendo que se
“casaram”. E está tudo acabado. Outras, realmente procuram fazer uma cerimônia
qualquer. Por isto, sei do caso de uma casal que se dirigiu a um consulado
latino-americano estabelecido em São Paulo pedindo passaportes. O consulado,
que representa aqui uma república onde vão pouquíssimos brasileiros, perguntou
ao casal o que pretendia fazer na viagem. E como dissessem que iriam casar-se,
o funcionário sorriu e lhes disse: “mas não precisa ir tão longe. Nós aqui
também fazemos “casamentos”. Os “noivos” enrubesceram, mas exigiram uma viagem.
Parecia-lhes muito pouco, ser casado por um cônsul...
* * *
O que é fato é que este hábito ameaça esgueirar-se
e introduzir-se de modo cada vez mais firme pelo Brasil inteiro, implicando no
estabelecimento virtual de um divórcio a vínculo. Já temos a palavra oficial do
Uruguai de que suas autoridades consulares não se prestam a isto. Seria
conveniente que todas as embaixadas apontadas pelos países interessados
fizessem o mesmo. Assim, se poderia desmentir os que afirmassem ter-se casado
no estrangeiro, ou verificar se no meio de tão augustas afirmações diplomáticas
alguma há menos conforme à verdade. Mas não nos fiemos apenas neste remédio. Do
que precisamos é de oração, energia e apostolado. Sem estas armas, esta praga
certamente continuará a fazer mal ao Brasil.