A
recente Carta Pastoral do Episcopado Paulista a bem dizer não merecia
comentários. Constitui ela um documento de clareza meridiana
que, pela precisão dos conceitos e limpidez do estilo, se pode fornecer
alimento espiritual substancioso e fino para os espíritos do mais alto quilate,
nem por isto deixa de estar ao acesso das inteligências menos cultivadas. Cada
qual, rico ou pobre, inteligente ou não, culto ou inculto, encontrará naquelas
linhas ao mesmo tempo ardentes e suaves, em que o rigor das previsões
verdadeiramente apocalípticas não perturba a serenidade do esforço
evangelizador, as palavras oportunas para que se compreenda a grande hora por
que passa o Brasil contemporâneo.
A
Pastoral Coletiva está cheia desses aparentes contrastes, de que é tão fecunda
a doutrina católica, que mostram aos espíritos equilibrados e sedentos de
verdade, que a Igreja é a depositária da verdade plena, e que por isto
exatamente, todas as verdades por mais antagônicas que pareçam, nela encontram
seu lugar, e dentro dela se fundem em um maravilhoso corpo de doutrina.
Na
contemplação de alguns destes aparentes contrastes, encontrará nossa alma de
católicos aquela edificação tão conveniente ao pleno aproveitamento dos frutos
espirituais que Ela nos propiciou.
* * *
A
Pastoral constitui, nos seus dizeres, um modelo de equilíbrio. O realismo
católico nela reluz plenamente. Nem se encontram nela as previsões negras que
desanimam os melhores esforços e abatem as mais impávidas coragens,
nem se pode nela apontar aquele otimismo fácil, imprevidente que fecha os olhos
aos perigos com a esperança de, assim, os eliminar. Não faltam nela quadros
aterradores, e a comparação entre a atual situação moral de nosso povo e a do
povo francês antes da grande catástrofe, é bastante eloqüente para mostrar que
o Episcopado, fiel aos imperativos da doutrina de que é guardião, vê na
descristianização de nosso povo uma rota de ruínas e de misérias cujo vulto
assombroso já não se encontra tão longe de nós. Entretanto, uma serena
tranqüilidade envolve as palavras de fogo de nossos Bispos, e a impressão geral
que a Pastoral traduz é de que, olhos postos em Nosso Senhor Jesus Cristo que
guia sempre a Sua Igreja, eles confiam sem reservas no Divino Mestre, e não
se absorvem a tal ponto na contemplação
dos perigos que fuja aos seus olhos o espetáculo desolador das numerosas
possibilidades de salvação e de restauração que ainda estão abertas para nosso
povo, desde que ele se vote sem reservas ao serviço da Esposa de Cristo.
Há
otimismos que desanimam porque conduzem à inércia. Há pessimismos
que abatem porque reduzem ao desespero. A Pastoral se encontra a igual
distância de ambos os perigos. Se ela mostra o abismo hiante que se abre a
nossos pés, fá-lo não para que deixemos resvalar pela rampa escorregadia, mas
para que nos agarremos com vigor às coisas da salvação que ainda estão a nosso
alcance. Se ela deixa transparecer uma firme esperança de vitória, fá-lo em
termos que não nos tiram a convicção de que a vitória está condicionada a nossa
correspondência para com a graça de Deus, e de que tanto mais somos obrigados a
lutar, quanto mais numerosas e mais eficazes são as armas que a Providencia
acumula em nossas mãos.
* * *
Um
ponto de grande importância na formação de nosso povo, está no exato equilíbrio
entre as preocupações individuais e sociais em matéria religiosa. Há, a este
respeito, dois escolhos que devemos cuidadosamente evitar. Não faltam,
infelizmente, pessoas que julgam cumprir inteiramente seus deveres de católicos
desde que cuidem única e exclusivamente de sua própria vida espiritual. A
exaltação da Santa Igreja, a humilhação das heresias, a debelação da
imoralidade contemporânea, o triunfo das missões ou da Ação Católica, são para
elas coisas tão indiferentes e tão longínquas, quanto os anéis de Saturno ou as
manchas solares. Evidentemente, tal excesso não provém de um exagero da vida
interior, mas de uma deficiência de vida interior. De fato, esta indiferença
outra coisa não significa senão pouco amor de Deus. E este pouco amor de Deus
de outra coisa não resulta senão de uma vida espiritual defeituosa. Entretanto,
a verdade não deixa de ser esta: há muita gente que leva a preocupação da
salvação individual a ponto de se desinteressar plenamente dos grandes
problemas sociais de nossa época, que afetam a fundo a salvação de milhões de
almas.
Não
hesito, no entanto, em afirmar que mais perigoso ainda é o extremo oposto.
Quantas pessoas não conheço que cifram seus alimentos espirituais na leitura de
autores que tratam de questões sociais? O problema operário, o serviço social à
Ação Católica, tudo isto, para elas, se cifra em ação, ação e mais ação. Quanto
à vida interior, que é o fundamento de toda essa ação, que é a condição de seu
mérito, de seu sucesso, de sua própria fidelidade ao espírito da Igreja, nada
dizem. Tem-se a impressão de que elas não tem suas almas a salvar, e que a
salvação da alma do próximo é, para elas, a única preocupação. E, com isto,
fica de lado a grave interrogação do santo que exclamou, para proveito seu, de
seus contemporâneos, e de todos os homens vindouros, a grave pergunta de que
jamais nos deveríamos esquecer: que lucra o homem em ganhar o mundo inteiro, se
vier a perder sua própria alma?
Ainda
a este respeito, a Pastoral é de um equilíbrio que a todos nos dever servir de
tema de meditação. Seria difícil dar aos problemas sociais do apostolado uma
atenção maior do que a que lhe votou a Pastoral. Todas as questões atuais, que
se avolumam, quer pela propagação das seitas heréticas, quer pela influência de
doutrinas jurídicas alienígenas, encontraram na Pastoral palavras claras,
sóbrias e fortes. Entretanto, esquadrinhe-se a essência de todas as soluções
propostas e ver-se-á que essa Pastoral, tão ardentemente social em todas as
preocupações, baseia na renovação do indivíduo, de cada indivíduo em
particular, toda a obra que recomenda e a que se propõe os Bispos a realizar.
É
falsa e falaciosa a questão de saber se a vida interior ou as preocupações
devem ter preponderância em nossa preocupação. Queremos ter verdadeiro espírito
de apostolado? Tenhamos vida interior autêntica. Se nossa vida interior até
agora não nos conduziu à forma de apostolado que nossas circunstâncias permitem,
não tenhamos dúvida: não temos verdadeira vida interior.
* * *
Os
Bispos da Província Eclesiástica de São Paulo falaram claro, e falaram alto.
Com franqueza apostólica, os olhos postos em Deus, disseram aos grandes e aos
pequenos, aos poderosos e aos humildes, aos bons e aos maus, ao governo e aos
súditos, as palavras de admoestação, de direção e de conforto a que os obrigava
gravemente o encargo de seu múnus. Depois desta Pastoral, a ninguém mais será
lícito alegar ignorância do que a Igreja quer, do que a Igreja pensa, do que a
Igreja manda. Sua posição está assumida, sua doutrina está definida mais uma
vez, seu ensinamento está dado.
Resta,
agora, a cada um meditar estas palavras, e aproveitar a visita que Deus faz a
seu povo pela palavra dos Pastores que o Espírito Santo colocou à testa da Igreja
de Deus, para a governar.