Legionário, N.º 430, 8 de dezembro de 1940

MUSSERT

O “Legionário” se tem ocupado, reiteradamente, com as figuras lamentáveis que, parodiando por toda a parte o Sr. Hitler, lhe servem de poderoso meio de domínio sobre os países visados pela propaganda nazista. Seyss-Inquart, Forster, Quisling, Mosley, Degrelle, Antonescu... e tuti quanti outra coisa não são senão pequenos “Hitlers de bolso”, que a propaganda totalitária põe em circulação com o objetivo de debilitar a resistência nacional contra o nazismo, e, em seguida, servir de cômodo paravento atrás do qual a dominação da cruz gamada se possa estabelecer à vontade.

Neste sentido, é muito significativo a posição do pequeno “Hitler” holandês, o Sr. Mussert. Chefe do partido nazista holandês já antes da guerra, trabalhava ele ativamente por uma aproximação batavo-alemã, e pela transformação radical das instituições holandesas, que deveriam ser substituídas por uma organização política tipicamente totalitária. Evidentemente, se alguém dissesse, antes da guerra, que o Sr. Mussert estava ao soldo da internacional totalitária das direitas, seus partidários prorromperiam em altos brados, afirmando que se tratava de vil calúnia, uma vez que entre o nazismo holandês e o alemão nada havia de comum. Pergunta-se a um fascista se ele não considera as  milícias da camisa negra diversas das da camisa parda; pergunta-se a um inglês partidário do Sr. Mosley se ele não considera seus milicianos de camisa oliva diferentes dos falangistas do Sr. Serrano Suner; pergunta-se a um “Guarda de Ferro” romeno se ele não considera sua organização diferente dos “camisas douradas” do México: todos responderão que sim, que seus respectivos programas são absolutamente nacionais, e não se inspiram em qualquer ideologia exótica. Entretanto, por mais que se examine, a diferença não vai além da cor da camisa. Assim, o Sr. Mussert também tinha uma ideologia  muito diversa da do nazismo, uma ideologia genuinamente batava, que se diferenciava das demais ideologias das direitas, por meio de características profundamente nacionais. Seriam vis caluniadores os que pretendessem o contrário. Mas se se examinasse um pouco mais de perto o assunto, pouca diferença se encontraria, além da dos distintivos partidários.

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Assim, nazismo e fascismo holandês eram coisas inteiramente diversas. O Sr. Mussert nada tinha a ver com o Sr. Hitler. Apenas, não se sabe bem nem como, nem porque, quando a invasão alemã se deu, não teve ela na Holanda simpatizantes mais sinceros nem mais decididos do que os partidários do Sr. Mussert. E agora, quando toda a Holanda já está em mãos dos nazistas teutos, e o Sr. Seiss-Inquart governa os súditos da Rainha Guilhermina, o partido do Sr. Mussert se está desenvolvendo sensivelmente, sob os olhares afetuosos da administração nazista.

O interesse da Alemanha no desenvolvimento do partido do Sr. Mussert facilmente se explica. Enganam-se os alemães que pensam que a Alemanha venceu a guerra. Quem venceu foi o nazismo. Não há um plano de imperialismo nacionalista no fundo das concepções do Sr. Hitler. Seu imperialismo é sobretudo ideológico. O objetivo supremo a ser atingido é a expansão da ideologia totalitária.

O Sr. Hitler não repetiu o erro de Napoleão de reconstruir, com bases germânicas, o colosso com pés de argila, que o Corso ergueu na Europa com apoio na França. Não interessa ao Sr. Hitler fazer da Holanda um novo reino de Westfalia, que, em suma, seria tão instável em suas mãos como foi nas do monarca francês. O que sobretudo lhe interessa é a expansão do nazismo na Holanda, a formação de uma Holanda profundamente pagã e nacional-socialista, governada por holandeses, certamente, mas por holandeses que reconheçam por convicção própria que o Sr. Hitler é o sumo pontífice do mundo novo, e Berlim a Meca dos todos os estatolatras modernos. Uma Holanda nazista, uma França nazista, uma Bélgica nazista, uma Escandinávia nazista, governadas todas por nazistas do naipe do Sr. Mussert ou do deplorável norueguês que é o Sr. Quinsling, interessam muito mais ao III Reich, do que uma Europa transformada, sob guante alemão, num imenso braseiro que continua a crepitar debaixo das cinzas da dominação estrangeira e acabará por vencer irremediavelmente seu efêmero dominador. Os planos expansionistas do Sr. Hitler nada tem de comum com os de Alexandre Magno, de César ou de Napoleão. Ele é, antes, da família espiritual de Maomé, de Juliano ou de Lutero: o que lhe interessa é a expansão de uma ideologia muito mais do que a de um povo.

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Assim, nada será mais conforme aos objetivos do Sr. Hitler do que um tal desenvolvimento do nazismo holandês, que este chegue a poder galgar as escalas que conduzem à chefia do estado, e uma Holanda governada por holandeses, sem a ocupação de um único soldado alemão, seja por convicção ideológica própria, uma província fidelíssima dessa Cristandade às avessas que seria a grande comunhão das nacionalidades constituídas não mais sobre o Santo Evangelho, mas sobre a doutrina de Nietzche.

Assim, gradualmente, os nazistas holandeses vão substituindo os alemães na gestão dos negócios públicos na Holanda conquistada. Dois dos cinco procuradores gerais da Holanda foram substituídos por nacional-socialistas do Partido nazista holandês, e o Chefe de Polícia de Haya foi substituído por um homem que tem dado sempre a mais ativa ajuda ao partido nacional-socialista da Holanda.

Os nazistas holandeses, por sua vez, encetaram uma vigorosa luta contra os semitas, e entregam-se atualmente à tarefa de organizar em vários “fronts” os operários batavos como por exemplo a “Frente do Trabalho”, a “Frente Agrícola”, a “Frente Teatral”, que lembram até a organização da Ação Católica com seus ramos especializados de JOC, JAC, etc. O comissário alemão que dirigia, na Holanda ocupada, as Uniões Trabalhistas Socialistas também foi substituído por um totalitário holandês.

Aliás, paralelamente ao partido do Sr. Mussert, também há outra corrente de sabor nitidamente nazista, que é dirigida por um Sr. Arnold Meyer, e conhecida por “Frente Nacional”. É uma corrente de sentido corporativo, que também pode servir de meio de ação para os totalitários nazistas, desde que suas concepções sobre corporativismo tenham caracter suficientemente estatal.

Assim, o objetivo da nazificação da Holanda se vai realizando por processos que o “Legionário” de há muito estava em condições de suspeitar e de prever.