O assassínio de 60 políticos romenos, levado a cabo
por elementos exponenciais da “Guarda de Ferro“, não pode deixar de revoltar quantos ainda tenham no
coração algumas fibras cristãs, e na inteligência alguns resíduos da noção de
civilização.
Efetivamente, todas as circunstâncias de que o fato
se cercou concorrem para agravar as notas de selvageria
pelas quais o fato se destaca.
Não pretendo discutir, aqui, se a “Guarda de Ferro”
é um partido animado de bons ou de maus propósitos, não me proponho a analisar
sua ideologia nem o valor moral dos homens que ela elevou ao poder. Nenhuma
destas considerações será necessária para qualificar com a maior severidade o fato
que se passou. Pelo contrário, fundamentalmente anti-nazista
que sou, quero entretanto argumentar como se a “Guarda de Ferro” representasse
o partido da salvação pública na Rumânia: o fato é
tão monstruoso que, partindo até das premissas dos totalitários rumenos, seremos forçados a lançar sobre ele a mais formal
condenação.
* * *
Anti-nazista, nem por isto deixo de
ser também radicalmente anti-liberal. Por isso,
jamais simpatizei com certas doutrinas
que, sob o especioso pretexto de um exagerado humanitarismo, desarmam a
vindicta do Estado contra os fautores de desordem e de anarquia. Assim, não
tenho relutância em admitir que na época conturbada em que vivemos a salvação
pública possa exigir o sacrifício de numerosas vidas de elementos perigosos,
cuja simples existência constitui um perigo permanente para a civilização. Se a
salvação da Pátria constitui um bem tão alto, que se justifica que no campo de
batalha os homens de bem lhe sacrifiquem sua própria existência, por que não
terá o Estado o direito de, quando imprescindível, condenar à morte agitadores
e malfeitores públicos que constituam um risco fundamental para a coletividade?
Evidentemente, só um humanitarismo que chegue às raias do pieguismo poderia não
ver nisto a expressão do mais radical e sadio bom senso.
Entretanto, dessa desculpa não se podem servir os
assassinos que, nesta semana, promoveram as execuções capitais ocorridas na Rumânia. Em primeiro lugar, nenhum deles encarnava a
autoridade do Estado. Pelo contrário, agiram todos como meros particulares, e a
prova disto está em que o governo romeno, longe de endossar oficialmente o ato,
se julgou na obrigação de publicar um comunicado expressando, a respeito dele,
toda a sua reprovação.
Destituídos dos cargos públicos e da autoridade
que, só ela, poderia levar a cabo um golpe de tal envergadura, nem sequer podem
os assassinos filiados à Guarda de Ferro
invocar, em seu proveito, a alegação de que, não providenciando o Governo no
sentido da debelação daqueles inimigos públicos, a iniciativa particular se
encontraria autorizada a agir subsidiariamente em nome do Estado. Sem entrar no
exame desta alegação, basta-nos lembrar que os homens que governam a Rumânia são os próprios homens de confiança da Guarda de
Ferro, elementos que ela sempre apoiou, e que a conduziram à vitoria política
que ela desfruta. Como explicar que a Guarda de Ferro não confie nestes
elementos? Como poderia ela honestamente proclamar a incompetência de homens
que ela colocou no poder, para o que não hesitou em provocar a queda de um Rei,
e uma profunda transformação moral, social e política em todo o país?
E desde que o governo não lhe mereça confiança, não
seria melhor que ela se servisse de seu prestígio para obter a inclusão de
elementos mais decididos no Gabinete, do que provocar um morticínio dessas
proporções e deixar depois, tranqüilamente, que a totalidade das pastas
ministeriais continue nas mãos de incompetentes?
Mas há outra razão, também ela do maior peso. Havia
algum perigo imediato para a Rumânia, que sem
justificar, ao menos explicasse o caráter fulminante do crime praticado? Não
parece. Os prisioneiros estavam todos encarcerados. Não podiam, pois, conspirar
contra a segurança do Estado e das instituições. Nenhum deles foi executado em
sua própria casa, em alguma reunião política ou nas praças públicas de
Bucareste. Todos estavam sob a custódia do Estado. E foi nesse lugar, quando
nenhum indício percebemos de sua nocividade imediata, enquanto aguardavam
juizes e advogados para, legalmente, se defenderem segundo as regras utilizadas
entre os povos civilizados, foi aí, dizíamos, que os foi buscar a vingança
inexorável de seus inimigos de ontem. Por mais candente que tivesse sido a
luta, por mais amarga que fossem as queixas, por mais explicativas que fossem
as paixões, quem poderia justificar este gesto?
* * *
Todos os partidos políticos tem suas “nuances”. Há os rigoristas, os de meias tintas, ou seja, o centro, e
aqueles que chegam a ser tão extremamente laxos que
quase se confundem nos arraiais do partido adversário. O que a História nos
ensina é que os partidos políticos que têm vitalidade são aqueles em que a ala
radical tem preponderância sobre as demais. Não há sinal mais seguro da agonia
de um programa do que ver que, entre seus defensores, a palma do prestígio cabe
aos que são mais laxos perante a ideologia
partidária. Pode a observação não agradar a muitos leitores que tenham o
ridículo e acaciano fetichismo dos dolos de meias
tintas. Nem por isto, entretanto, a verdade objetiva deixa de ser esta.
Muito frisante a este respeito é o que se passa nos
três movimentos ideológicos mais fortes em nossa época.
Em primeiro lugar, volvamos os olhos para os
arraiais católicos. Como a doutrina católica é a própria Verdade e o próprio
Bem, não se pode amar exageradamente a Igreja. Mesmo
porque quem a ama sem reservas deve amá-la como ela quer ser amada, isto é, com
aquela ordenação sábia de caridade, que fazendo dela o centro de toda a vida e
reconhecendo nela a fonte de todo o Bem, nem por isto, ou antes exatamente por
isto, dá a cada qual o que é seu. De sorte que, quanto mais radicalmente
católico se é, tanto mais se respeita, depois dos direitos de Deus, os direitos
de todos os homens. Assim, não é possível que o amor entusiástico e sem limites
à Igreja venha redundar em qualquer desordem. Este amor se confunde com a
própria ordem.
Tal preliminar
estabelecida, pode-se verificar que o sintoma mais característico do declínio
do espírito católico em um povo é o declínio de seu ardor na defesa da pureza
da doutrina. Quando, em um movimento católico, qualquer que ele seja, a
preocupação dominante é de ceder, de transigir, de calar, de acomodar a todo o
preço acomodações que entretanto não tem preço, a situação é clara: há um
processo espiritual análogo à tuberculose que mina a fundo o espírito
religioso. Pelo contrário, quando o movimento se destaca por seu
radicalismo, isto é, por sua sede de ortodoxia completa e minuciosa, de
perfeição autêntica e sem “maquillage”, de senso profundo do sobrenatural que há na
Igreja, não há esperanças que não se possam nutrir a respeito de tal movimento.
Por isto mesmo, o grande renascimento religioso que
ora se observa no Brasil nasceu da ruína do velho e falso (falso, acentuamos
bem, pois que o autêntico espírito é outro) espírito de confraria, que o
heroísmo de Dom Vital prostrou por terra.
O falso espírito de confraria era um espírito de acomodação com o liberalismo.
O repúdio radical do liberalismo e do naturalismo em todos os seus aspectos
deveria ser, por força, o sinal do renascimento que Dom Vital fecundou com seu
martírio.
Quanto aos outros dois movimentos, o nazista e o
comunista, o mesmo se dá. Sua história não é senão a história das vitórias
obtidas dentro dos arraiais do partido pelas alas mais radicais sobre as menos
características da mentalidade coletiva. E no dia em que, quer em Berlim quer
em Moscou, uma “ala” moderada se apoderasse da direção dos negócios públicos,
todo o mundo sente que a ditadura totalitária estaria atingindo seus últimos
dias de existência.
* * *
O que são os homens que, na Rumânia, com seu assassinato, inspiraram tal horror à humanidade?
Exatamente os “jovens turcos” do partido, a ala
ardida, a corrente extrema que marca assim, de modo flagrante, seu prestígio na
Rumânia. Realmente, ou o governo romeno foi sincero,
condenando os assassinos com algumas palavras de censura, o que constitui uma
pena assaz leve, e nesse caso a própria ligeireza da pena prova a impotência
das autoridades e a omnipotência adquirida pelos assassinos; ou então, pelo
contrário, o governo estava de acordo com o fato que condenou só “pro forma”, e neste caso é a ala radical
que já venceu.
Se tomarmos em conta que é a preço de atos como
esse que o nazismo venceu na Rumânia, que é a custo destes sacrifícios que ele venceu em
outros países, e que é esta a mentalidade das alas ardidas dos partidos nazificantes que mais ou menos por toda a parte fazem o
jogo da Internacional hitlerista, compreender-se-á
bem em que triste crepúsculo se está afundando o mundo de hoje.
* * *
Eu não quereria, entretanto, por
preço nenhum, que esta reflexão melancólica ficasse com uma nota de desânimo no
espírito de nossos leitores. Desse crepúsculo, só o Catolicismo pode salvar o
mundo. Sirva-nos esta reflexão para amarmos a Igreja mais do que nunca,
apegarmo-nos a ela com um vigor maior do que jamais foi, a trabalhar, orar,
sacrificar-nos para que Ela estenda finalmente sobre o mundo suas raízes de
salvação e de vida.