Dois fatos dominam todo o noticiário desta semana,
e, embora a importância deles seja muito desigual, são ambos suficientemente
importantes para relegar para segundo plano na atenção pública quaisquer outros
acontecimentos. Procuramos comentá-los com clareza.
O primeiro desses fatos é a visita que ao Reich
alemão fez o “camarada” Molotov, comissário do povo para os negócios exteriores na
Rússia.
Um diário desta Capital, em espirituosa nota,
comentava o acontecimento dizendo que se há dois anos atrás alguém dissesse que
em 1940 o “camarada” Molotov iria à Alemanha,
imediatamente se perguntaria se na qualidade de prisioneiro, se na de vencedor.
De fato, pela cabeça de ninguém poderia passar a hipótese que ora se converteu
em realidade: o ditador da política externa russa transpôs o solo teutônico não
como conquistador, nem como prisioneiro, mas como bom e leal amigo, recebido
festivamente pelo chefe do protocolo nazista na pequena estação por onde se
verificou seu ingresso em território nazista.
Aí, ou pouco mais adiante, não me lembro bem,
autoridades nazistas e comunistas, que viajavam no mesmo trem especial,
desembarcaram a fim de que o Sr. Molotov passasse em
revista um pelotão nazista, que apresentava armas respeitosamente. Na estação,
duas bandeiras tremulavam, entrelaçadas: uma era russa, e trazia os emblemas da
foice e do martelo; a outra era alemã, e ostentava a cruz suástica.
Quando o trem que conduzia o Sr. Molotov deu entrada na estação de Berlim, esta se encontrava repleta de altos dignitários
nazistas, que iam assim apresentar suas reverências ao chefe do ministério do
exterior comunista. A este não faltaram, sequer, as homenagens dos diplomatas
que, em Berlim, representam as potências anti-Komintern.
Em outros termos, os embaixadores das nações que assinaram o pacto anti-Komintern concorreram para o mais autorizado
representante do Komintern no mundo inteiro, isto é,
para que o bolchevista Molotov tivesse uma recepção
calorosa, que este retribuiu por meio de uma solenidade na embaixada soviética
em Berlim. Acesas as luzes da embaixada, na escuridão da noite, os transeuntes,
que do lado de fora pudessem saber o que a festa significava, ficaram
certamente pensativos, lembrando-se dos longos, dos intermináveis discursos anti-nazistas ou anti-soviéticos,
com que, há não muito tempo, reciprocamente se brindavam Molotov
e Hitler. A medição dos
transeuntes certamente, ia longe, quando uma brusca interrupção lhes cortou o
fio: eram os aviões da Royal Air Force,
possivelmente alguns dos famosos “hurricanes” ingleses, que começavam a despejar bombas sobre
Berlim, e perturbavam assim a confraternização dos totalitários da cruz
suástica, da foice e do martelo, e outros emblemas congêneres.
Realmente, teve razão o jornalista que referi,
dizendo que ninguém poderia, há anos atrás, imaginar que o duelo nazi-soviético teria tal desfecho. Ninguém, certamente, mas
com uma ressalva: os leitores do “Legionário”. Naquele
tempo, os totalitários nos chamavam caluniadores e visionários, porque denunciávamos
a cumplicidade oculta dos nazistas e de seus sequazes de outros países, com os
sovietes. A “calúnia” passou a constituir a mais evidente das verdades. A
“visão” converteu-se na mais objetiva das realidades. Mas ainda hoje,
continuamos com a mesma pecha: “caluniadores”, “visionários”, “sonhadores”.
Caluniadores que só dizem verdades. Visionários que só discernem realidades,
sonhadores que sonhando vêem mais a fundo a realidade do que quantos críticos
que temos encontrado pelo caminho. Assim Deus nos conserve...
* * *
Paralelamente a isto, enquanto se chocam
fraternalmente os cristais das taças em que nazistas e comunistas celebram sua
fraternidade, do outro lado dos Alpes não lhes faltam os aplausos.
Conta-nos um telegrama publicado pela “United Press” no “Estado de S. Paulo”,
que o jornal fascista “Il Popolo
di Roma” publicou uma entrevista concedida pelo
embaixador russo em Roma, Sr. Nicolas Gorelkine, à imprensa búlgara, na qual o representante soviético destaca a
cordialidade de relações entre a União Soviética e o eixo Roma-Berlim, acrescentando que seu país estava muito interessado pela
situação nos Balcãs. E o despacho telegráfico acrescenta que, em sua
entrevista, disse o Sr. Gorelkine: “As relações da
Rússia com a Itália entraram numa nova
etapa de consciente aproximação política e econômica. No que diz respeito às
relações entre a Rússia e a Alemanha, seu desenvolvimento é excelente e cheio de cordialidade,
tanto no terreno político como no econômico. O setor balcânico continua
atraindo a atenção da URSS de forma especial e me compraz poder declarar que a
Rússia está também muito interessada nas aspirações nacionais búlgaras, tendo
sido iniciado com felicidade um novo período nas relações russo-búlgaras,
que continuará no futuro”.
Não foi outra a linguagem do órgão nazista “Deutsche Allgemaine Zeitung”, o qual disse que “todo o mundo compreenderá agora
que quando Hitler enviou seu ministro
do Exterior a Moscou, em 1939, não foi para fazer face às necessidades do
momento, mas para a realização de uma grande concepção da política mundial.
Esta concepção não se limitará às vantagens políticas, às garantias
estratégicas, mas abrirá uma nova época para nosso hemisfério”. “Uma grande
concepção da política mundial”, “uma nova época para nosso hemisfério”, que
melhor confirmação para esses visionários do “Legionário”?
* * *
Vem agora o segundo fato.
Enquanto sob os aplausos da imprensa fascista e
nazista, com a simpatia dos totalitários do mundo inteiro, a confraternização russo-germânica atinge seu auge, do outro lado do Reno, as
coisas correm, na aparência, de modo bem diferente.
Na França ocupada, dominada,
tutelada, o marechal Philippe Pétain revoga
sucessivamente, uma após outra, as medidas anticlericais
(...) na III República Francesa, e franqueia às iniciativas católicas um campo
de ação que a iniquidade liberal lhes havia fechado inteiramente.
Isto não obstante, o Marechal inicia uma vistosa reaproximação com a Alemanha e com os países
totalitários. Muito significativa foi a frase que pronunciou em um de seus
discursos: a França precisa libertar-se de suas antigas amizades e de suas
antigas inimizades. O que significa isto, senão que ela precisa romper
totalmente com a Inglaterra, e colocar-se ao lado da Alemanha? E mais expressiva que
suas frases tem sido seus atos. A reaproximação teuto-francesa, ou melhor, nazístico-petainista,
não é apenas um estratagema do “herói de Verdun” para
iludir os vencedores de sua Pátria. É uma política que o “homem de Vichy” segue deliberada, consciente, metodicamente, ainda
mesmo que, a dar crédito aos telegramas, deva perder no caminho solidariedades como a de Weygand!
Assim, em outros termos, enquanto o velho estadista
quebra os grilhões com que o liberalismo havia atado a Igreja na França,
desenvolve ativa política de solidariedade com os dois homens em cujas mãos
estão as pontas dos maiores e mais pesados grilhões com que, na Europa, esteja
acorrentada a Igreja. Hitler e Stalin, pois que já agora não se pode falar em um sem se referir
também ao outro.
Mais ainda: na reorganização do Estado francês, não
é preciso ser profeta, para prever que o Marechal Pétain:
“Nós, Philippe Pétain,
Marechal de França é Chefe do Estado Francês”, como rezam bombasticamente os
preâmbulos de suas leis adotará os mesmos princípios totalitários que,
representando a supressão de toda e qualquer ordem jurídica, representam por
força novos grilhões amarrados à Igreja.
Em outros termos, trocam-se os grilhões.
* * *
Trocam-se, sim, mas inutilmente. Dizia o Apóstolo
que “verbum Dei nos est aligatum”. Dia virá em que Deus se rirá de todos os
seus adversários, confundindo-os na mesma derrota que os colocará como
escabelos aos pés da Igreja.
Enquanto isto não se der, deverá o mundo padecer as
conseqüências de seus pecados. Mas Deus não tardará, pois que Sua Misericórdia
é sempre maior do que nossos crimes, e certamente não está tão longe o dia em
que Deus humilhará os inimigos da Igreja, e exaltará a Esposa de Cristo. “Deposuit potentes de sede, et exaltavit
humiles”.