No dia 23, as imprensas nazistas e soviéticas
comemoraram, por entre manifestações de recíproca amizade, o 1º
aniversario do sensacional pacto Ribbentrop-Molotov. Timbrou a imprensa comunista em mostrar que o idílio dos
dois regimes totalitários se prolongou, ininterrupto e cordial, durante todos
os 365 dias que transcorreram: “o ano que passou, diz o “Izvestia”, órgão
comunista que se publica na Rússia, provou ter imensa significação histórica,
em virtude do pacto não menos histórico. Esse acordo conseguiu anular as
divergências do presente período tempestuoso, provando ao mesmo tempo ser
consistente apesar dos inimigos da Alemanha e os Sovietes tentarem incansavelmente
semear a discórdia entre os dois países. Hoje, tal como há um ano, os povos da
União Soviética aclamam este
histórico tratado que de maneira tão decisiva contribuiu para a preservação da
paz em toda a Europa Oriental”. Do lado nazista, não faltaram expressões
gentis, para fazer coro às trovas de amor soviética. A imprensa nacional-socialista afirmou que “ambos os Estados foram
beneficiados”, sendo que a maior vantagem do Reich foi a de ter evitado dois “fronts” de guerra.
O maior beneficio para os sovietes foi a anexação dos Estados bálticos e as
aquisições territoriais na Polônia e Romênia. O jornal “Diplomatisch Politisch Korrespondenz”
escreveu que a Rússia teve a oportunidade de eliminar situações insatisfatórias
na sua fronteira do oeste, e que ambos, nazistas e comunistas, estão ganhando
com o comércio entre os dois países.
Estes comentários merecem, por sua vez, um
comentário. Especialmente a declaração nazista merece ser registrada. Segundo
ela, a Alemanha auferiu do pacto o grande beneficio de não ter duas frentes de
combate.
Em outros termos, os porta-vozes oficiosos do III
Reich reconhecem que, quando a Rússia Soviética podia atirar-se sobre a
Alemanha, para evitar o colapso das democracias ocidentais, preferiu cruzar os
braços, a fim de que o nazismo pudesse vencer facilmente.
Dada a natureza especial do governo russo, este
fato tem a mais alta importância. O governo de qualquer país tem por obrigação
cuidar dos interesses do povo a cuja testa está colocado. Não é este o caso do
governo bolchevista.
Os bolchevistas não reconhecem a legitimidade das
fronteiras que separam os povos, e afirmam só reconhecer como causa digna de
dedicação não a causa da Pátria, que corresponde a um vil preconceito burguês e
capitalista, mas a grande causa do proletariado internacional, cujo levante em
massa é preciso fomentar no mundo inteiro. Por isto mesmo, para os
bolchevistas, a tarefa de administrar o povo russo sempre se revestiu de uma
importância secundaria. A Rússia não era e não pode
ser, para eles, um país que é preciso defender contra outros. Ela é
simplesmente o quartel general da III Internacional, e a principal obrigação
dos que a governam consiste em disseminar a revolução bolchevista no mundo
inteiro. Os interesses internacionais russos passam para um plano absolutamente
secundário. Isto posto, em termos comunistas exatos é um absurdo falar-se em
retificação de fronteiras russas. O que existe é a necessidade de dilatar as fronteiras
bolchevistas, de ampliar o número dos povos “libertos” da escravidão
capitalista. E a conquista da Polônia e das repúblicas bálticas
não significa propriamente, segundo a doutrina comunista, a extensão do jugo
político do povo russo, sobre os povos vizinhos, mas a “libertação” desses
povos em relação às classes capitalistas e a sua conseqüente incorporação à
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas - é esse o nome oficial da Rússia
bolchevista - na qual devem ingressar, ao menos em tese, como irmãos e não como
vencidos, uma vez que a URSS pretende não ser senão uma comunidade
internacional proletária de repúblicas soviéticas iguais entre si. Em tese, a
Rússia não existe mais. O que existe é uma federação de repúblicas livres e
autônomas, em que se dividiu o antigo solo russo. Observe-se a este propósito
que a denominação atual da Rússia é significativa: nela não notamos o adjetivo
“russo”. São repúblicas socialistas soviéticas unidas, “tout court”. Assim, nessa federação que outra
coisa não deve ser na intenção dos bolchevistas senão um núcleo inicial de
povos “livres”, aos quais se irão juntando gradualmente outros povos, e
finalmente o mundo inteiro, nessa federação, dizíamos, tanto podem entrar
lituanos ou finlandeses quanto japoneses, turcos ou malaios.
Não há uma Rússia. Há uma Internacional soviética, que já dominou algumas
repúblicas e considera a extensão de seu domínio intelectual e moral.
Assim, pois, seria um vão desmentido às doutrinas
bolchevistas supor que a Rússia entrou na guerra com aspirações territoriais de
caráter propriamente nacionalista. Ela teve realmente o desejo de dilatar suas
fronteiras. Fê-lo, porém, para estender a influência bolchevista, servindo-se
do pacto Ribbentrop-Molotov, para lançar suas garras
sobre a Polônia, como se teria servido, se as circunstâncias o aconselhassem,
em pleno tempo de paz, de uma revolução interna promovida pelo partido
comunista polonês.
Isto posto, e verificado que toda a política
internacional russa, segundo a doutrina bolchevista, não pode deixar de ter um
caráter estritamente ideológico, tendo em vista a bolchevização
do mundo, conclui-se daí que a Rússia entendeu que a nazificação
da Europa serviria melhor os interesses da expansão comunista do que a vitória
das democracias.
Ou a lógica não existe ou a verdade é esta.
* * *
De modo confuso embora, esta verdade não deixou de
impressionar a opinião pública, que acreditando como acreditava em um dissídio
nazi-comunista, ficou profundamente escandalizada com a solidariedade ideológica
que se ocultava por detrás do vozerio
com que a polêmica entre os dois regimes procurava embair o mundo.
Entre os poucos homens a quem o fato não causou
surpresa figuravam os leitores do “Legionário”. Esta folha moveu, muito antes
do pacto, uma intensa campanha para mostrar quão ilusória era a oposição que o
nazismo movia ao comunismo, e provar assim como andavam errados os católicos
ingênuos que esperavam que o nazismo e o comunismo entrariam brevemente em
choque, e deste choque, segundo a expressão popular “um mataria o outro e o
outro mataria um”, de forma que, no final, os católicos sairiam vitoriosos. Na
realidade, nenhum deles pensava em matar o outro, mas apenas em embair a
opinião católica e a massa geral da população, para mais facilmente atingir
seus objetivos comuns.
Infelizmente, entretanto, nem todos deram ao
“Legionário” o crédito que os argumentos por ele apresentados mereciam. E uma
campanha sub-reptícia, pertinaz, audaciosa por vezes, fazia entender em certos
círculos que os responsáveis por esta folha estavam vendo perigos, negrumes e convênios nazi-soviéticos,
quando só existia entre os contendores um conflito patente e chocante, cuja
própria veemência serviria de prova à sinceridade dos contendores.
Manda a verdade que acrescente não ter parado aí a
ingenuidade de muita gente e que não faltou quem esperasse dos nazistas e dos nazistisantes do mundo inteiro a salvação da Igreja. Assim,
em Hitler, o Juliano
Apóstata de nosso século, via-se um novo Constantino! Mas tão triste é esta
recordação que preferimos silenciar a este respeito.
* * *
Quando o pacto fez cair as escamas dos olhos dos
mais cegos, nossos opositores se dividiram em quatro grupos perfeitamente
distintos.
Alguns, reconhecendo finalmente seu erro, não
duvidaram em manifestar claramente seu aplauso à nossa orientação, reparando,
por suas manifestações de solidariedade, a dor dos cravos não pequenos com que
nos haviam molestado.
Outros preferiram iludir-se com a perspectiva de
uma breve ruptura. Espero que trezentos e sessenta e cinco dias de prazo lhes
pareçam suficientes para que compreendam também eles seu erro.
Mas houve ainda uma terceira categoria - eu ia
dizer uma quinta coluna - e esta se calou. Calou-se num silêncio pesado,
comprido, enfiado, irritado, desapontado. Num silêncio de quem, perdendo os
argumentos, não perdeu o rancor em relação ao “Legionário”. Sepultou-se num
silêncio de quem preferia continuar no erro a reconhecer claramente a verdade.
E, infelizmente, esse silêncio mais de uma vez significava o pesar por não
poder mais, atrás de razões de ordem doutrinária, esconder os interesses
privados, quer de ordem nacionalista, quer de ordem racial, ou quaisquer
outros, que era o móvel preponderante de sua atitude.
Também houve mais uma categoria: a dos que “já
estavam prevendo tudo”. “Previam” até o dia do pacto nazi-soviético,
mas diziam o contrário, e apoiavam por toda a parte os nazificantes.
“Previam”, mas se irritavam quando o “Legionário” fazia a mesma previsão.
“Previam”, fazem hoje vistosamente o papel de profeta, mas continuam imersos na
mesma cegueira, e denunciando embora a cumplicidade de Berlim com Moscou,
protegem e apoiam, “flirtam”,
por todos os meios a seu alcance, com aqueles que, pelos pendores ideológicos,
pela posição política, pela ação militante, não são outra coisa senão
simpatizantes de Berlim e implicitamente de Moscou.
Aí estão, entretanto, os fatos. Eles não falam, mas
gritam. Eles não gritam mas vociferam. A realidade é tão clamorosa, que salta
aos olhos e chama a atenção dos mais otimistas e dos mais incautos.
E, entretanto, ainda continua a haver quem feche os
olhos e quem obstrua os ouvidos!
Não espanta, porém. Diz a Escritura que a palavra
de Deus, veiculada pela Hierarquia, tem um dom próprio tão profundo e tão
vigoroso, que penetra nas almas e atinge ali aquela região misteriosa que fica
na juntura da alma e do espírito. Se à palavra do Criador, consegue o homem
fechar os ouvidos, quanto mais ao clamor das criaturas!
Isto não obstante, o “Legionário”, com a graça de
Deus continuará seu caminho. Continuá-lo-á sem rancor para com os que não o
compreendem, sem ódio para com os que o combatem, sem fel para os que
desejariam ardentemente vê-lo fechado.
Se de tantas lutas que travamos puder advir, além
da maior glória de Deus e da exaltação da Santa Igreja, que é nosso único
móvel, algum bem para as almas que nos apoiam e para as que não nos apoiam será
superabundante nossa recompensa.