Enquanto o mundo inteiro acompanha ansiosamente o
curso dos acontecimentos internacionais e parece ganhar terreno em muitos
espíritos a persuasão de que o atual conflito colocou a humanidade em uma
encruzilhada ideológica da mais alta importância, a atenção geral se tem
despreocupado insensivelmente do Santo Padre em torno do qual
baixou o mais impenetrável silêncio.
Erraria grosseiramente quem supusesse que o Papa,
julgando alheia à sua missão espiritual a grande hecatombe política que ocorre
no Ocidente, deliberou afastar-se de toda e qualquer atividade diplomática a fim
de não expor os interesses espirituais da Igreja a usos supérfluos.
Instituído por Nosso Senhor Jesus Cristo para
promover a difusão do Evangelho, a Igreja faltaria a sua missão se não
diligenciasse com todos os recursos ao seu alcance para que os povos
ocidentais, convertidos por seu apostolado há mais de mil anos, apresentassem
por seu teor de vida, pela natureza das instituições políticas e sociais que
eles adotam e sobretudo pelas idéias por eles professadas, todas as
características próprias a uma civilização verdadeiramente católica.
Não empreenderemos agora a demonstração de que não
é somente legítimo mas forçoso que a Igreja intervenha na vida civil dos povos
levando-os a plasmar, segundo as normas do Evangelho, a estruturação do Estado,
a organização da vida econômica e os moldes da instituição familiar.
Limitamo-nos simplesmente a lembrar que a Santa Sé atribui a esta função uma
tal importância que se pode afirmar que não há
um único problema de caracter político ou social a respeito do qual Ela
não tenha prescrito aos fiéis uma norma de pensar e de agir.
Deste invariável empenho da Santa Sé, dão um testemunho
dramático as duas encíclicas respectivamente referentes ao comunismo e nazismo,
publicadas há cerca de três anos pelo Santo Padre Pio XI.
Poucos dias antes de sua publicação estivera o
grande Pontífice gravemente enfermo, padecendo do mal que finalmente lhe
ocasionou em 1939 a morte. Apenas tiveram os telegramas tempo para noticiar que
o Santo Padre se reerguia da gravíssima crise, e já o “Osservatore Romano”
estampava o texto oficial do documento em que, compilando e confirmando todas
as condenações ao comunismo esparsas em
documentos de outros Pontífices, o Santo Padre publicava um catálogo completo
dos erros e dos males contidos na doutrina comunista.
Foi imensa a
surpresa universal pela presteza com que aquele ancião, que há dias somente
prostrado no leito de enfermo, bordejara a sepultura, se erguia para fulminar o
comunismo. Mas muito maior se tornou esta surpresa ao saber-se que o Santo
Padre, depois, publicou esse documento não menos completo nem menos minucioso
contra os erros do nazismo.
O que em um e outro documento impressiona é a
insistência com que o Soberano Pontífice acentuava que ambos os erros por Ele
condenados implicavam em uma total subversão da vida política e social dos
povos de tal maneira que, quer no regime comunista quer no nazista, se tinha um
quadro exato do que poderia ser o extremo oposto de uma civilização católica.
Tanto basta para provar que, no momento atual,
quando a Rússia bolchevisa as nações
do Báltico e os países conquistados pela Alemanha começam
a adaptar suas instituições ao figurino nazista, a Santa Sé não se poderia
conservar-se indiferente. O contrário implicaria em admitir que o Papado nenhum
obstáculo teria a opor à total descristianização do Ocidente.
* * *
Como explicar então a atitude de silêncio do
Pontífice, atitude esta que poderia parecer singularmente insípida e
inexpressiva aos olhos de tantos observadores?
Conta o Evangelho que o Salvador em mais de uma
circunstância preferiu guardar o silêncio: “Jesus
autem tacebat”.
Silêncio carregado de ensinamento e cheio de significação. Também são assim os
silêncios da Igreja. Não são todos que os compreendem.
Diz Jesus que suas ovelhas compreendem suas palavras.
Mas não é só a compreensão destas palavras que exigem humildade e reta
intenção; também a compreensão dos silêncios supõem tais virtudes. Os
perseguidores de Jesus não compreenderam o seu silêncio, e isto os perdeu. São
Pedro compreendeu o silêncio do mestre naquele olhar desacompanhado de qualquer
palavra, e se salvou.
Procuremos nós também compreender o silêncio que em
sua sabedoria julga oportuno conservar o sucessor de São Pedro.
* * *
Em primeiro lugar, o silêncio do Santo Padre é um
desmentido às interpretações que os poderosos de nossos dias procuram dar aos
acontecimentos. A pacificação da França, se tivesse o espírito patriótico e
humanitário que procura atribuir-lhe a quinta coluna do Brasil e no mundo
inteiro, seria obra de tão grande mérito que não poderia passar sem uma
aprovação e uma bênção do Santo Padre.
Não é difícil de imaginar as pressões, as
insistências, as promessas e as ameaças que terão chegado ao Vaticano a fim de
extorquir do Santo Padre uma palavra de aplauso à capitulação de Pétain. Tão vivo foi o desejo de impor ao Papa um gesto destes,
que à mingua de uma atitude da Santa Sé, nazistisantes
puseram em circulação inúmeros boatos segundo os quais o Vaticano apoiaria com
sua autoridade moral a defecção da França. Mas um comunicado do Cardeal
Arcebispo de Londres pulverizou esta
insólita manobra.
Não podendo servir-se das palavras do Santo Padre,
procuraram os exploradores servir-se de seu silêncio, insinuando que o Papa não
veria nenhuma razão para se desgostar com o alastramento da influência nazista
na Europa. E como prova disto procura-se restaurar o velho mito de que o Papa
espera do Sr. Hitler que ponha termo à
expansão comunista.
Singular argumento! Foi o Sr. Hitler que, mediante
o pacto Ribbentrop-Molotov, franqueou a Polônia, o Báltico e franqueará dentro em
breve os Balcãs à expansão comunista; e
é deste homem que se deveria esperar que, como novo Constantino, libertasse o catolicismo
do perigo comunista! Não bastou para desiludir até mesmo os mais cegos e mais
otimistas que a penetração alemã na França, Bélgica e Holanda fosse apoiada
pelos comunistas residentes nesses países, para se persuadirem de que a III
internacional vê com simpatias o alastramento do nazismo no mundo inteiro.
* * *
Há certos fatos que ultimamente se tem desenrolado,
e que certamente os próprios membros da 5ª coluna são forçados a admitir, que
causaram à Santa Sé o mais profundo
desagrado. Segundo os estilos e tradições diplomáticas do Vaticano, a bolchevização das repúblicas bálticas
não poderia ter passado sem um profundo e veemente protesto do Papa. Entretanto
o Papa se calou. Deduzir-se-á daí qualquer aprovação? Evidentemente não. A
suposição a que esse silêncio nos leva é muito outra: o Santo Padre se encontra
em condições tais que já não tem aquela plena liberdade de falar que o
exercício de seu supremo magistério reclama. Nem pode ser outro o sentido desse
silêncio impenetrável e inviolável que vale como um protesto mudo e eloqüente,
mais do que isto, como uma denúncia patética a todos os povos da terra.
Efetivamente, para os espíritos bem intencionados e retos, para as
inteligências que ainda não repudiaram o bom senso e que não permitiram que o nacionalismo
amparasse o vigor de sua dedicação à Igreja, outra coisa não pode significar o
silêncio do Santo Padre quando as legiões neo-pagãs
assolam a Europa, implantando por toda parte a cruz suástica, emblema não só de
um partido político mas de uma filosofia de uma civilização diametralmente
oposta à cruz de Cristo.
* * *
O propósito dos adversários da Igreja é hoje muito
claro. Para atingirem com maior segurança seu objetivo, que é de esmagar o
catolicismo, visam eles com implacável obstinação a prévia destruição de todos
os fatores humanos nos quais pudesse o Catolicismo encontrar um ponto de apoio,
e, evidentemente, este objetivo está prestes a ser realizado. Virá então o dia
em que o ataque será desfechado brutalmente contra o sucessor de São Pedro. Não
sabemos que provação a Providência permitirá que caia então sobre a Igreja
Universal mas uma coisa é incontestável: nesse dia terá soado a última hora dos
vencedores diante dos quais misteriosamente se abatem hoje o orgulho, a
fortuna, e o poderio das mais importantes nações. “Qui mange
du Pape en meurt”. A História mostrará mais uma vez a veracidade
desta observação. Quem procurar atacar o Papa morrerá ipso facto.