A imprensa diária não deu o suficiente destaque aos
telegramas enviados pelo Santo Padre ao Rei da Bélgica e às soberanas da
Holanda e do Luxemburgo. Pode-se, entretanto, afirmar sem receio que eles
marcarão época na História da Igreja. Breves, claras, incisivas, as palavras do
Papa se revestem de uma importância diplomática quiçá superior às das mais
transcendentais Encíclicas de Bento XV.
Certos católicos, ou pessoas pretensamente
tais que só se arvoram em arautos da
obediência quando a palavra do Papa coincide com suas convicções pessoais,
poderão não concordar com nossas apreciações. Lamentamo-lo. Nada, porém,
conseguirá desviar-nos da atitude que devemos tomar perante o Vigário de Jesus
Cristo.
* * *
De fato, o “Legionário” está longe de considerar a
autoridade do Papa como um limite à sua liberdade de pensar. Pensar só é um bem
quando com o pensamento chegamos a conhecer a verdade. Ora, como nenhum pensamento
- o nosso inclusive - oferece tantas garantias naturais e sobrenaturais de
atingir a verdade quanto ao do Papa, não podemos fazer de nossa inteligência
uso melhor nem mais legítimo do que aceitar a opinião do Papa. Ela não limita o
raio de ação de nossa inteligência, mas o completa. Certamente, o navegante
deve obedecer à luz do farol que lhe aponta o caminho. Mas essa obediência, em
lugar de ser uma escravidão, é uma libertação: só assim pode ele escapar das
garras do perigo.
Assim, pois, nossa preocupação diante de um
pronunciamento do Papa não consiste em discutir temerariamente suas palavras,
mas em obedece-lo com amor filial, analisando suas afirmações uma por uma, e
tirando delas todo o sentido que encerram, exatamente como se aproveitam, gota
a gota, avidamente, as essências preciosas.
* * *
Isto posto, vejamos antes de tudo a que
conseqüências se expôs o Santo Padre, por força dos telegramas que expediu.
Como todo mundo vê, a Itália se prepara para
entrar em guerra, e ninguém pode nutrir ilusões a respeito da segurança de sua
censurável fidelidade à Alemanha. Assim, o Papa ficará colocado perante a
diplomacia italiana na mais crítica das posições. Incompatibilizado a fundo com
a Rússia e com a Alemanha, opondo-se tenazmente à política de agressões
desenvolvida por aquelas duas potências, o Santo Padre ficará, implicitamente,
em situação melindrosíssima com referência à Itália,
tanto mais que esta, muito provavelmente, se entrar em guerra, atacará inopinadamente
a Iugoslávia, e neste caso todas as censuras feitas pelo Santo Padre à
invasão das monarquias da Europa setentrional cairão automaticamente sobre o
governo fascista, o qual, ao ler o telegrama do Santo Padre ao Rei Leopoldo, já terá tido motivos para sentir implicitamente
condenada a ocupação da Albânia.
Tão real e tão viva é esta situação que o governo
italiano já está cerceando a liberdade de circulação do “Osservatore”, e a
imprensa fascista toma, para com a diplomacia pontifícia, um tom cada vez mais
ameaçador.
Isolado, sem ouro, sem armas, sem soldados, o Papa
é uma vítima indefesa, que como um cordeiro poderia a qualquer momento ser
levado ao matadouro. “Poderia”, dissemos: o Papa São Leão também estava
inerte como um cordeiro quando enfrentou Átila, e a História nos conta que foi o bárbaro feroz que
retrocedeu, e não o cordeiro. Quem põe em Deus toda a sua confiança não tem
razões para temer. E quem tem mais motivos de confiar em Deus senão a Igreja, a
quem o próprio Deus prometeu que nunca seria destruída?
É certo que a Igreja jamais será destruída. Mas não
é difícil prever os incomensuráveis inconvenientes a que se exporia a Igreja,
humanamente falando, caso o seu supremo governo fosse conturbado por uma
agressão contra o Vaticano. Os prejuízos materiais seriam no caso, de uma
importância tão secundária comparados com os de ordem moral, que nem sequer
mereceriam menção. Por aí se podem medir bem estes últimos.
Ora, a tudo isto o Papa se expôs e a tudo isto
expôs ele a Igreja lucidamente, conscientemente, heroicamente, passando os
telegramas que passou aos soberanos belga, luxemburguês
e holandês.
* * *
Como admitir, à vista disto, que o Santo Padre
tenha agido levianamente, que se tenha pronunciado sem um conhecimento exato
dos fatos, ou que se tenha deixado arrastar por preferências nacionais
inteiramente alheias aos princípios da Igreja? Quem não percebe que este modo
de pensar envolve um juízo temerário, e uma indisciplina em relação á Santa Sé?
É uma miséria ser um jornalista católico obrigado a
entrar em uma demonstração como esta, mas o ambiente o exige. A simples
afirmação feita pelo Papa, nos telegramas aludidos, deveria ser, por si só,
suficiente para gerar em todos os católicos uma certeza moral de que ele tem
razão. Não se trata, neste caso, de entrar em sutilezas doutrinárias sobre a
maior ou menor extensão da autoridade do Pontífice Romano. Qualquer coração
católico bem formado sentirá bem que esta atitude do Papa precisa imperiosa e
absolutamente ser seguida pelos fiéis, e que seria uma defecção permitir alguém
que o orgulho nacionalista deste ou daquele povo falasse mais do que os
imperativos imprescritíveis da doutrina católica.
O Rei Leopoldo III telegrafou ao Santo Padre
pedindo-lhe o apoio do Chefe da Cristandade à causa belga. O Santo Padre
respondeu concedendo este apoio não só à Bélgica, como à Holanda e ao
Luxemburgo. Foi, pois, com a intenção evidente e expressa de falar como Chefe
da Cristandade que o Pontífice falou.
Não se trata, evidentemente, de uma definição “ex-catedra”. Mas
quem seria bastante cego para entender que, a despeito disto, os católicos
poderiam dissentir do Papa?