Legionário, N.º 398, 28 de abril de 1940

Quisling, Mosley & Co. (II)

Revelações importantes provenientes da Noruega e da Santa Sé levam-nos a interromper a série de artigos que tínhamos iniciado sobre corporativismo, a fim de ilustrar, com o exemplo de fatos altamente significativos, as observações que havíamos feito em outro artigo, também intitulado “Quisling, Mosley & Co”. Naquele artigo, havíamos mostrado que em muitos países contemporâneos há partidos com uma ideologia estritamente nazista, ou ao menos “nazificante”, que cooperam com a política internacional do Sr. Hitler, com uma docilidade digna de atenta análise. Sem falar nos sudetos do Sr. Heinlein, nos nazistas austríacos do Sr. Seyss-Inquart, nos nazistas danzigueses do Sr. Forster, ou nos partidos nazistas de língua alemã disseminados um pouco por toda a parte -  a solidariedade destes com o sr. Hitler se explicaria por  simples nacionalismo - mencionamos particularmente os camisas oliva do inglês Sir Oswald Mosley, os nazistas noruegueses do Sr. Quisling, bem como os rexistas belgas e os nazistas yankees do Sr. Fritz Kuhn. Poderíamos ainda ter mencionado outros,  aliás, porque a lista é grande.

O fato preciso que tínhamos diante dos olhos era o seguinte: sempre que a diplomacia alemã precisa do apoio destes “nazistisantes” de outros países, tem-no caloroso, incondicional, completo. Ainda mesmo que os interesses da pátria a que tais “nazistisantes” pertencem sofra com isto, o calor de tal apoio não intibia. Essa solidariedade precisa de uma explicação. É impossível que “SirOswald Mosley não perceba os prejuízos que inflige à sua pátria, fazendo pregar abertamente por seus partidários uma nova paz à maneira da de Munich. É impossível que o Sr. Degrelle não note que sua campanha no sentido de um afrouxamento dos laços da unidade flamengo-belga provoca, na ordem concreta e atual das coisas, uma porção de conseqüências altamente apreciadas pela chancelaria alemã. É impossível, ainda, que os guarda de ferro do defunto Sr. Codreanu não verificassem qual seria o termo inevitável de sua política germanizante e quais os riscos que tal política acarretava para a Alemanha.

Tanto amor ao nazismo com o sacrifício de graves interesses da pátria parecia-nos tanto mais inexplicável quanto todos os nazistisantes, pelo próprio fato de o serem, forçosamente devem timbrar por um patriotismo rubicundo e agressivo, muito próprio ao hiper-nacionalismo das direitas totalitárias.

Que os comunistas sacrificassem seus próprios interesses nacionais aos da III Internacional explica-se. Um dos princípios fundamentais do comunismo é a supressão total da idéia de pátria. Assim, pois, nada há de mais explicável do que um comunista que superpõe os interesses da revolução proletária internacional aos de seu respectivo país.

Pois, apesar disto, os dirigentes da propaganda internacional comunista julgaram não poder articular convenientemente, sistematizando-o em um largo plano de ação comum o esforço de todos os partidos comunistas do mundo, a não ser pela criação de uma internacional que orientasse efetivamente, e com disciplina férrea, todo o trabalho de subversão social promovido nos quatro cantos da terra.

Em outros termos, julgaram os comunistas mais experientes e mais conspícuos que não seria possível esperar da simples afinidade ideológica entre todos os comunistas, um esforço comum sério. Sob pena de um fracasso, o vínculo ideológico, doutrinário exclusivamente deveria ser reforçado pelo vínculo prático de uma submissão plena  a um organismo de direção mundial. E que vínculo! A pena de morte é uma sanção trivial para os que, tendo se submetido a ele, procurem afrouxá-lo com uma insubmissão!

Ora, parece curioso que se o partido internacional comunista, ao qual ninguém nega disciplina férrea e estruturação rígida (imagem da disciplina dos demônios para seu chefe, Satanás, e da estruturação do plano diabólico no mundo inteiro), só com este organismo se sentiu apto a agir, a solidariedade não menos calorosa, nem menos eficaz, nem menos prestadia dos “nazistisantes” do mundo inteiro com o Sr. Hitler seja exclusivamente ideológica!

Os que temos uma certa experiência de apostolado podemos facilmente fazendo embora uma comparação arriscada, fazer neste sentido uma observação ainda mais vivaz. Na Santa Igreja Católica, que vincula seus filhos à Cátedra de São Pedro por uma disciplina amorosa, que é imagem fiel da obediência dos Anjos a Deus, a solidariedade ideológica de todos os membros é absoluta. Mais ainda. Temos fé, e sabemos que na Igreja não nos une simplesmente uma convergência intelectual em torno de uma mesma doutrina, mas que palpita vivo em nós o sacratíssimo mistério da graça que faz viver em todos nós a mesma vida sobrenatural e nos torna não apenas membros de uma mesma sociedade, mas de uma sociedade sobrenatural que é um edifício de que somos as próprias pedras vivas! Pois mesmo assim, se se suprimisse a Ação Católica, se fossem abolidas todas as associações de leigos, não é exato  que a Igreja, humanamente falando, não poderia esperar da simples afinidade doutrinária uma plena cooperação de seus filhos para a solução das questões políticas, econômicas, etc., que por mandato divino ela deve enfrentar?

Se assim é com a Santa Igreja de Deus, ou admitimos um absurdo, ou devemos confessar que atrás desta afinidade das direitas hitlerisantes há algo mais do que uma simples identidade de idéias!

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Parece que esta ordem de idéias, como seria normal, não escapou à perspectiva do “Osservatore Romano”, que em longo editorial mostra os aspectos singulares de que se revestiu a invasão da Dinamarca e da Noruega. Por toda a parte, diz o jornal da Santa Sé, a desproporção entre invasores e agredidos era grande, sendo estes últimos muitos mais numerosos. Se a agressão se tornou possível, é porque já estava tudo preparado, e todos os pontos nevrálgicos destinados a desnortear a resistência das nações invadidas caíram imediatamente em mãos do invasor.

Além disto, o “Osservatore” acentua fortemente a ação dos traidores, que haviam minado de tal modo o aparelhamento defensivo, especialmente norueguês, que quando se quis tentar a resistência, os serviços públicos haviam sido desarticulados por pessoas ali colocadas adrede em conivência com o invasor!

Assim é que -  este é o caso mencionado pelo “Osservatore” - os serviços de mobilização ficaram inteiramente paralisados tanto na Noruega quanto na Dinamarca. Acrescenta o órgão do Vaticano que é tão viva a impressão causada por este fato junto aos países neutros, que estes já iniciaram a repressão dos elementos de extrema direita e extrema esquerda, a fim de evitar que por ocasião de uma eventual invasão sofram o  mesmo destino.

Como se vê, não apenas o órgão da Santa Sé confirma nossas impressões, mas mostra ainda como elas também nasceram nos altos círculos dirigentes de outros países neutros.

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Em rigor, a palavra do órgão da Santa Sé não carece de confirmação. Mas como há cegos que não querem ver, convém acrescentar que a Holanda já deu inicio a esta repressão, ordenando o fechamento do partido nazista holandês e do partido comunista. Esta última circunstância é digna de nota, pois prova que o governo holandês receia que os comunistas também auxiliem os invasores. Também na Suécia, o partido nazista foi objeto de pesquisas policiais, e  um jornal, o “Trots Alet”, publicou um extenso relatório sobre a organização de células nazistas na marinha sueca. Finalmente, dois jovens noruegueses concederam recentemente uma entrevista à United Press em que historiam longamente as decepções que sofreram quando se apresentaram às autoridades de seu país para defendê-lo contra o invasor. Todos os serviços de defesa estavam tão prejudicados pela traição, que qualquer resistência se tornou impossível.

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Aí estão os fatos, clamorosos e dolorosos em sua crueza. Como explicar que os traidores se recrutem entre os próprios nacionais, em tal número? Como explicar que o Sr. Hitler encontre sempre, a seu serviço, tais traidores? Como explicar que a propaganda nazista produza sempre tais frutos?

É este o grande enigma que submetemos à argúcia de nossos leitores.