Sou obrigado a abrir um parêntesis na série de
artigos que vinha escrevendo sobre a união dos católicos, a fim de comentar um
acontecimento deplorável que enlutou milhões e milhões de católicos, nossos
irmãos, exatamente quando, no mundo inteiro, o bimbalhar alegre dos sinos do
sábado de aleluia anunciava à Cristandade o gáudio da Ressurreição do Senhor.
Como ninguém ignora, na Alemanha nazista uma
perseguição odiosa vem alvejando, há muitos anos, todas as igrejas que se dizem
cristãs, e essa perseguição tem atingido de preferência o catolicismo, que é
sempre o alvo verdadeiro de todos os que, “pour épater les bourgeois”, fingem perseguir também as seitas heréticas
ou cismáticas. A perseguição dirigida pelos próceres nazistas é de uma perfídia
satânica. Sua norma consiste em “não fazer mártires, mas apostatas”. Por isto,
o III Reich não desencadeou, até agora, uma perseguição anticatólica
em grande estilo neroniano, o que estaria muito
dentro do espírito de truculência selvagem e pagã que constitui o substratum da sua
mentalidade nazista - com o extermínio da Hierarquia Eclesiástica, saques e
incêndios de estabelecimentos religiosos, e a profanação pública das imagens e
objetos do culto. Preferiu o nazismo perseguir a Igreja por meios incruentos,
provocando menor derramamento de sangue possível, disfarçando até o extremo seu
rancor anticatólico, e editando uma legislação
sapientemente adequada ao duplo escopo de privar a Igreja de todos os meios de
atuar sobre as massas e de submeter as massas, o mais possível, à influência da
propaganda neo-pagã do nacional-socialismo.
Veio daí o fechamento da imprensa católica, a
extinção das associações religiosas, o confisco dos patrimônios eclesiásticos,
o combate legislativo disfarçado às instituições beneficentes de inspiração
católica, e o cerceamento compulsório de todas as atividades da Hierarquia ou
do laicato que pudessem significar uma ação profunda da Igreja sobre as massas.
Os leaders nazistas, percorrendo as páginas da História,
verificaram inúmeras vezes o poder insuperável da Igreja, quando, flagelada
pelos açoites da perseguição, tinta de sangue pelo martírio de seus filhos,
caluniada, ultrajada, crucificada, ela se ergue à face dos povos, reproduzindo
com impressionante fidelidade a Paixão de seu Divino Instituidor. Este disse de
si mesmo que “quando fosse elevado ao alto da Cruz atrairia a si todas as
criaturas”. O mesmo se dá com a Santa Igreja. Sempre que seus algozes a pregam
na Cruz, ela atrai a si todas as criaturas. Esta realidade se exprime, em
outros termos, pela afirmação magnífica de que “o sangue dos mártires é semente
de cristãos”. O III Reich, técnico em tudo, quis também ser técnico em seu modo
de fazer a perseguição. E, por isto, em lugar de ferir cruentamente
a Igreja, preferiu ele criar o espetáculo novo da Igreja moribunda, entregue
exclusivamente à sua vida estritamente piedosa e litúrgica,
com liberdade para desenvolver dentro das paredes do templo sua atividade
exclusivamente litúrgica, mas sentindo os auditórios
cada vez mais vazios, o público cada vez mais ralo, os fiéis cada vez menos
numerosos, roubados pela propaganda nazista que ruge fora do templo, e contra a
qual a Igreja não tem uma única arma para reagir.
É inútil dizer que o Sr. Hitler fracassará, como
fracassou Juliano o Apóstata, e que a experiência por
ele tentada servirá apenas para provar que a indestrutibilidade
da Igreja não provém do sentimento humano de compaixão e admiração, suscitado
pelo heroísmo de seus mártires, mas que independe inteiramente deste ou daquele
meio humano, ela se estriba apenas na indefectibilidade dAquele
que lhe prometeu que “as portas do inferno não prevalecerão contra Ela”.
Enquanto, porém, o fracasso final do Sr. Hitler não se verifica, ferve na
Alemanha a perseguição, e Nosso Senhor Jesus Cristo é novamente supliciado com
uma perfídia e com um ódio que lembra perfeitamente todos os requintes de
crueldade diabólica do sinédrio.
* * *
Um dos aspectos mais odiosos - o mais odioso talvez
- desta tirania anti-religiosa é o empenho sistemático por ela manifestado de
roubar à Igreja a infância. Todos os católicos sabem perfeitamente com que amor
ardentíssimo o Divino Salvador procurou atrair a Si as criancinhas, e as
terríveis ameaças por Ele fulminadas contra os que quisessem afastar os
inocentes do caminho da Verdade que só se encontra na Igreja Católica. Por
isto, não há talvez meio mais certeiro de ferir o Sagrado Coração de Jesus do
que fazer uma legislação contrária aos verdadeiros interesses da instrução e
formação religiosa da infância. Os
cavaletes, as rodas, as espadas, as lanças, as fogueiras, as feras de Nero não eram, talvez, instrumentos de opressão mais
eficazes contra a Igreja do que uma legislação de ensino que limite a liberdade
de ensino exercida pelos católicos. Compreendeu-o perfeitamente o nazismo. Por
isto, em matéria educacional, timbrou ele em fazer sentir sua ação maléfica. Em primeiro lugar, sobrecarregou de estudos as
crianças nos ginásios. Em seguida por meio de formação especializada da
juventude hitlerista, atraiu as crianças para fora da
escola e da família, roubando ao convívio dessas longas horas de lazer, que por
direito pertenceriam à Ação Católica e ao lar.
Assim, separadas as crianças do convívio com os
ambientes que poderiam formar convenientemente seus espíritos, foram elas
entregues à sanha anticristä dos educadores formados
à moda dos Srs. Rosemberg e Baldur Von Sirach, que se incumbiram de lhes dar uma formação oposta à dos
Evangelhos, formação esta que - repugna dizê-lo - apresenta Nosso Senhor Jesus
Cristo como um judeu criminoso, digno de desprezo e de ódio, e não como o
Salvador do gênero humano, digno de adoração e de obediência. E, assim, na alma
de cada criança Nosso Senhor Jesus Cristo é novamente crucificado, dando-se o
lugar que lhe pertence ao facinoroso Barrabás,
representado hoje pelas doutrinas de força, que são o endeusamento sistemático
do crime e da imoralidade. Mas havia ainda um refúgio. Eram os colégios
particulares, pertencentes a Ordens e Congregações Religiosas, nos quais a ação
do Estado era relativamente limitada, pois que tais estabelecimentos de ensino
não lhes pertenciam. Estes colégios eram os únicos refúgios onde ainda se
pudesse falar às crianças sobre o Bom Pastor que por elas derramou o Precioso
Sangue. Eram eles a esperança de todos os católicos da Alemanha, e o asilo a
que recorriam todas as famílias apavoradas diante da perspectiva de ver os respectivos
filhos entregues sem defesa sobrenatural ou ideológica de qualquer espécie à
propaganda neo-pagã.
Pois foi este último refúgio que se fechou no
sábado de aleluia, quando os sinos bimbalhavam anunciando a Ressurreição do
Senhor. Por um decreto de Hitler, nessa data, todos os colégios particulares se fecharam
na Alemanha, e todas as crianças foram obrigadas a cursar
exclusivamente as aulas dos estabelecimentos oficiais, que são verdadeiras
escolas de paganismo, instrumentos de blasfêmias e de apostasia. Mas o que mais
dói saber é que, em virtude deste decreto, até os Seminários Preparatórios e
Menores foram fechados. Os próprios meninos nos quais a vocação de sacerdotes
desponta, por graça de Deus, na aurora
da vida, são obrigados, d’ora avante, a expor sua
mentalidade a todas as aberrações e blasfêmias da formação nazista, pois que
são obrigados a cursar as escolas do Estado. O que isto significa - humanamente
falando - não é necessário dizê-lo. A mais odiosa das perseguições pesa sobre a
Alemanha, pois que não há perseguição pior do que aquela que atinge a educação
e procura destruir ou corromper a própria vocação dos futuros Ministros do
Senhor.
* * *
Mas Deus sabe tirar o bem do mal, e triunfar de
seus inimigos fazendo partir-se como teias de aranha as mais vigorosas cordas
com que procuram manietar e supliciar a Santa Igreja Católica. Nesta semana de
Ressurreição, o principal sentimento que devemos alimentar em nós, à vista de
fatos destes, é uma ilimitada confiança em Deus. A Ressurreição de Nosso Senhor
Jesus Cristo foi a prova mais fulminante de Sua Divindade. Pelo curso dos
séculos afora, quis Ele também que a Igreja, reerguendo-se cada vez mais forte
das terríveis perseguições contra ela desferidas, provasse assim a sua própria
divindade.
Dentro de alguns anos - que serão mais ou menos
numerosos, segundo os desígnios do Senhor - o nazismo não será mais do que uma
reminiscência, uma mancha negra na História, mancha que a resistência heróica
dos católicos alemães saberá por certo tornar muito pequenina...