Silenciosamente, discretamente, despreocupadamente,
a imprensa diária desta capital publicou, no dia 6 p.p., uma notícia de alcance
extraordinário que, se tivesse sido divulgada com manchetes e títulos
sensacionais, teria dominado a atenção da cidade inteira:
Londres, 5 (United Press - Agência norte-americana) - Os peritos militares
britânicos, entre os quais o Capitão Hart, manifestam a opinião de que o atual conflito armado
europeu terminará por empate, porquanto, segundo argumentam os aliados e os
alemães, falta a superioridade de três para um, considerada essencial para se
efetuar uma ofensiva.
Reconhecem os mesmos peritos que a supremacia naval
franco-britânica não logrou estabelecer o bloqueio
com completa eficiência, havendo brechas constituídas pelos países neutros,
através das quais enfraquece a pressão econômica sobre o “Reich”.
Neste telegrama, que prepara habilmente o espírito
público para um desfecho inesperado, há duas partes distintas, se bem que
intimamente relacionadas entre si. Em primeiro lugar, deve notar-se o
reconhecimento oficioso do fracasso do bloqueio. Em segundo lugar, a afirmação
de que, se a guerra econômica se tornou impossível, a guerra militar não é
menos inviável. A conseqüência seria um “empate”. Analisemos em separado cada
uma destas proposições.
* * *
Houve leitores do “Legionário” que sorriram ao ver,
no início do ano, que esta folha sustentava ser inviável uma guerra econômica
desferida contra o bloco totalitário teuto-russo,
pelas potências democráticas.
Outros houve que se indignaram. Em última análise,
esses leitores são os mesmos que antes do sensacional Pacto Ribbentrop-Molotov sorriam ao ver que
o “Legionário” contestava positivamente a sinceridade do dissídio soviético-nazista, e proclamava a identidade ideológica
substancial das duas doutrinas. Quando os acontecimentos vieram nos dar razão,
um silêncio longo e desapontado foi a única manifestação que notamos em
arraiais aparentemente tão zelosos da luta contra o comunismo. E esse silêncio
encontrou um pretexto para um mal-humorado desabafo, quando sustentamos o
fracasso do bloqueio.
Vêm agora técnicos ingleses especializados e
sustentam que a atitude dos neutros tornou efetivamente vão o cerco econômico.
É a tese que o “Legionário” sustentou documentadamente.
E esta folha fugiria à sua missão se deixasse de acentuar a notável
coincidência existente entre suas previsões e o depoimento absolutamente insuspeito
dos técnicos militares chegados ao Ministério da Guerra de Londres.
À margem
desta verificação, não podemos deixar de fazer um comentário. Na guerra atual,
há duas espécies de neutralidades, uma real e outra
aparente. Real é, por exemplo, a neutralidade proclamada pelo governo
brasileiro, que declarou desejar abster-se de qualquer ato capaz de fazer pesar
neste ou naquele sentido o fiel da balança. Aparente, é a neutralidade de
certos países que, vizinhos do bloco totalitário teuto-russo,
importam e exportam toda a mercadoria necessária para alimentar o comércio dos
países bloqueados, e assim prestam a estes um serviço imensamente mais valioso
do que se estivessem em plena guerra aliadas militarmente
às potências para as quais convergem suas preferências ideológicas ou ao menos
as de seus governantes. Estes países concorreram muito mais eficaz e menos
dispendiosamente para aniquilar o bloqueio do que a mais bem municiada e
disciplinada das esquadras de guerra.
* * *
Onde, entretanto, se vê mais claramente a
influência dos elementos ultrapacifistas que atuam
hoje em dia de modo tão vigoroso na política francesa e sobretudo inglesa, e
preparam disfarçadamente um “novo Munich”, é na
afirmação de que a guerra militar é inviável.
Não é preciso ser grande técnico para perceber que
a guerra, por isto mesmo que é feita por homens e não por autômatos, não pode
ser considerada como uma partida de xadrez que, depois dos primeiros lances,
pode ser considerada evidentemente perdida.
Que belos cálculos teriam feito os mesmos técnicos
para demonstrar que a resistência da Finlândia seria impossível!
Pois se para ganhar uma guerra é necessária e suficiente uma superioridade de
três para um, quem não poderia, colocado dentro da concepção mecânica dos técnicos
ingleses, chamar loucos ou cretinos os finlandeses, no início de sua
resistência? Entretanto, quem, hoje em dia, não se curva ante um heroísmo
finlandês? É que ninguém pode fazer os prognósticos de uma guerra com cálculos
exclusivos de gabinete. Se isto é possível quanto a um bloqueio econômico,
quanto a um conflito à mão armada é totalmente quimérico. Porque em uma batalha
não são apenas canhões que lutam contra canhões, aviões contra aviões, ou
metralhadoras contra metralhadoras. Atrás de tudo isto, e dominando tudo isto,
há o fator humano. Um finlandês com um canhão e um comunista com um canhão não
valem a mesma coisa. Basta ler os jornais para se ter a prova disto. E, acima
de tudo isto, ainda há o fator soberano da ação da Providência.
Esse automatismo de guerra não existe. E se é essa
a “técnica” a que chegaram os peritos ingleses, é uma técnica divorciada da
realidade.
Ora, desta técnica morta, como sempre acontece com
a técnica que procura mecanizar o homem, rir-se-ão mais cedo ou mais tarde os
fatos e a vida!
Uma simples reflexão bastará para encerrar o
assunto. A superioridade da eficácia do exército alemão sobre o russo é
incontestável. Os próprios acontecimentos da Finlândia o demonstram. Será
lícito esperar que, em contato com as extraordinárias forças do exército
francês sua conduta seja superior à que tiveram em presença das hostes da
pequenina Finlândia?
Vamos agora ao “empate” prenunciado pela opinião
dos peritos militares britânicos. A expressão é vaga. O que significa ela?
Raciocinemos. Se nenhum dos blocos pode assumir
superioridade decisiva sobre o outro, é evidente que a guerra se torna
impossível. Isto posto, parece quimérico esperar que a restauração da
independência da Polônia, da Tchecoslováquia e da Áustria venham a ser
permitidas pelo Sr. Hitler, e que a Finlândia, mais cedo ou mais tarde, venha cair sob o poderio
bolchevista.
Evidentemente um empate teria de ser consagrado por
um tratado. Suponhamos entretanto que, a despeito do tratado, a situação de uma
ou algumas potências neutras seja objeto de violações. Enquanto à configuração
política das grandes potências se conservar intacta, qualquer guerra em defesa
dos pequenos países será inútil. Portanto, a garantia única que elas terão
estará nas assinaturas apostas no tratado que vier...
* * *
Ainda há uma observação de valor a ser feita. O
telegrama que transcrevemos procede de Londres, onde a polícia está aparelhada
para fiscalizar todo o serviço telegráfico para o exterior. Não fez ela,
entretanto, qualquer embaraço à expedição do telegrama.
De mais a mais, se o Capitão Hart
não refletiu a opinião do governo inglês, ele está sujeito a penas que, em
tempo de guerra, chegarão possivelmente até à execução capital. Ora, não consta
que ele tenha sido objeto de qualquer penalidade desta natureza e seria ingênuo
supor que ele faria declarações de tal envergadura, publicamente, a uma agência
telegráfica, com risco da sua vida. Na hipótese extrema de ser ele um traidor,
haveria modos mais inteligentes, mais eficazes e menos arriscados de trair.
* * *
A rica e variada coleção de cegos que não querem
ver e surdos que não querem ouvir, de que estão repletos todos os públicos
modernos, perguntará, naturalmente, se a Igreja deve preferir, a um novo Munich, uma conflagração mundial efetiva.
A resposta, o Santo Padre Pio XII já a deu. Quer ele
uma paz séria, sólida e duradoura, e deseja ardentemente evitar que o flagelo
da guerra se desencadeie sobre a humanidade, ou que uma paz fictícia seja um
simples prelúdio de nova guerra, mais sangrenta e pior, no dia de amanhã.
A paz é realmente o programa da Igreja. Não, porém,
uma paz que signifique terreno perdido para a salvação das almas, à dilatação
do Reino de Cristo e à estabilidade da civilização católica.