Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Carnaval e Retiro

 

 

 

 

 

Legionário, N° 386, 4 de fevereiro de 1940

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Não é preciso ser profeta para prever que o corso tímido que se realizará no carnaval de 1940, em São Paulo, será talvez o último que entre nós se efetue. O carnaval agoniza. Os cordões provenientes dos bairros afastados, nos quais a tradição carnavalesca ainda tem uns restos de vitalidade, percorrem a cidade em um ambiente de indiferença geral. (...)

E cifra-se nisto a consagração de tantos esforços, o sacrifício de tantos recursos, e a imolação de tantas saúdes já minadas pela umidade dos porões e pela inclemência das condições do trabalho.

Fala-se muito em um exame roentgenphotographico de bancários, de comerciários, etc., etc. Se a liga Paulista contra a tuberculose quisesse encontrar campos amplos, eu proporia de preferência o recenseamento torácico dos cordões. Seria o fim do fim do carnaval, e a preservação de muitas vidas úteis que, sambando e pulando, caminha para a sepultura. 

Enquanto o carnaval agoniza, Nossa Senhora, a quem foi dado esmagar a cabeça do demônio, triunfa. Em um gesto corajoso e decidido, a mocidade católica de São Paulo, cada vez mais numerosa, mais destemida, renuncia a todas as comodidades e distrações para se encerrar em meditação e oração. Todas as falanges marianas e da Ação Católica, com exceção de certos setores da Ação Católica feminina, encerram-se hoje em retiro autêntico, fechado e dedicado à pregação e à meditação, a fim de cuidarem de seu aprimoramento espiritual.

Seria supérfluo acentuar a magnitude dessa realização. O grande remédio para o Brasil tem de ser necessariamente os retiros espirituais, que se devem tornar cada vez mais freqüentes, mais concorridos, mais longos.

Na Itália, disse-me um Sacerdote jesuíta, há turmas de leigos que realizam anualmente os Exercícios completos de Santo Inácio, com um mês inteiro de reclusão. Evidentemente, são poucos aqueles a quem as ocupações da vida cotidiana permitiriam um tão longo tempo destinado à meditação. Entretanto, se estes “poucos” se aproveitarem dessa possibilidade, quanto bem poderiam por sua vez fazer! Exatamente porque são poucos esses privilegiados, que responsabilidade tem eles perante Deus por não se servirem dessa vantagem!

Disse e acentuo que o Brasil deve ser salvo pelos retiros espirituais. Já é um chavão corrente que o brasileiro “é de fundo bom”. Esta verdade evidente aumenta nossas responsabilidade. Por que diz o chavão, que só o “fundo” é bom e não o resto? Muita coisa fizemos de bom, é certo. Muita coisa deixamos de fazer de mau, que outros povos dos mais cultos e civilizados praticam. Porém não nos devemos julgar comparativamente aos outros, mas em relação ao que deveríamos ser. Não tiremos vanglória dos defeitos alheios, porque são talvez maiores que os nossos. Se é verdade que Deus cumulou o Brasil de benefícios raros, é certo que nossas responsabilidades são exatamente por isto maiores. E o grande defeito que nos prejudica é exatamente a irreflexão, que nos priva dos recursos necessários para arcarmos com tantas responsabilidades.

Nosso problema é, em grande parte, um problema de interiorização. Precisamos de mais lógica, de mais coerência, de mais vigor de ânimo, e estas qualidades só se forjam no isolamento, na meditação e na reflexão.

Ensina a Santa Igreja que sem os recursos da graça nada podemos, o que é mister haurir a graça na frequência assídua aos Sacramentos e à oração. Mas até mesmo estes meios providenciais de salvação ficam muito longe de produzir em nós a plenitude de seus efeitos santificadores, se não os aproveitarmos pela vida interior e pela meditação.

Ora, qual o melhor meio de criar estes hábitos, de alicerçar sobre uma piedade humilde e ardente uma vida interior sólida e séria, e de, reciprocamente, alimentar com uma vida interior sólida e séria uma piedade humilde e ardente, do que os retiros espirituais?

Um grande homem é, por definição, um homem capaz de refletir e de meditar. Implicitamente, um povo não pode ser grande, nem para as coisas do céu nem para as da terra, se não tiver o hábito da meditação. Franquear a um povo as portas da vida interior, e irrigar essa vida com a seiva da graça sem a qual não pode haver salvação, eis a grande tarefa do momento, a grande realização que as mais imperiosas necessidades do país reclama urgentemente.


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