As agências telegráficas internacionais,
considerando de seu mister saciar a curiosidade de seus leitores a respeito dos
acontecimentos mais palpitantes, não se têm fartado de atribuir às numerosas e
enigmáticas singularidades da presente guerra, as mais variadas e incongruentes
explicações. Ora a paralisação quase absoluta das operações de guerra é
explicada pelo temor dos Srs. Chamberlain e Daladier ante um misterioso
meio de destruição inventado pela Alemanha. Ora se assevera que a ofensiva deve caber naturalmente à
Alemanha, e que esta não a desfecha por não dispor de recursos militares
suficientes. Dias depois, generaliza-se a perspectiva de uma ofensiva-monstro. Frustrada esta, passa a circular a
notícia de uma nova proposta de paz. E assim se sucedem os boatos, todos
contraditórios e infundados, enchendo o tédio angustioso destes longos e
enervantes meses de guerra... sem guerra, em que a iminência sempre presente,
mas sempre retardada da catástrofe, reduz a frangalhos os nervos de todos os
homens.
O mais interessante é que o povo aceita com avidez
os balões de ensaio de todas as agências. Diante do enigma da presente guerra,
é lhe necessário encontrar uma explicação qualquer, ainda que passageira e
prestes a ceder a outra hipótese mais sedutora.
* * *
Não é esta a posição do “Legionário”. Sem pretender
dar aos fatos uma elucidação completa, que eles não comportam, pretendemos
rejeitar também as fábulas com que se contentam os espíritos mais sequiosos de
se entreter com hipóteses engenhosas, do que de conquistar a verdade.
Assim, pretendemos demonstrar que a guerra na
frente ocidental não existe e que o bloqueio, que atualmente possa ser o
supremo anelo do alto comando inglês, apresenta, sob certos aspectos,
insuperáveis dificuldades.
Que a guerra não existe de fato na frente
ocidental, ninguém o pode pôr em dúvida. O mapa que apresentamos contém a
indicação quase completa das localidades em que, segundo os comunicados
oficiais, houve luta ou bombardeio. Como se verá, estas localidades ocupam uma
zona pequena da longa linha fronteiriça franco-alemã.
A coleção de comunicados sobre a guerra, na frente ocidental, que publicamos,
prova exuberantemente que as operações, mesmo nestes lugares, foram mínimas. A
linguagem ridiculamente circunspecta e balofa de tais comunicados goteja
reticências constrangidas: tem-se a impressão de que seus autores pretendem
fazer passar aos olhos de todos, como combates titânicos, pequenos arranhões de
parte a parte.
Por que? Se é preciso fazer uma guerra, por que não
a fazer? E se não, por que não restabelecer abertamente a paz?
Aliás, nem os cegos podem deixar de ver que não
houve até aqui guerra terrestre ao longo das linhas Siegfried
e Maginot.
É patente que qualquer das duas linhas pode ser
afetada em alguns pontos, com perdas maiores ou menores, por uma ofensiva
direta do inimigo. A prova disto está em que ambas foram construídas, em certos
trechos, à distância da fronteira, para que cada país pudesse minar todo o
acesso à respectiva linha. Daí a formação da famosa “terra de ninguém” entre as
duas linhas, cheia de minas, de “ninhos de metralhadoras” e de camuflagens.
Para quê tudo isto, se o ataque direto às linhas fosse impossível?
Ora, na presente fase da guerra, só uma faixa da
“terra de ninguém”, pequena em extensão e profundidade, houve luta. Luta
insignificante e ingrata, de patrulhas e de vanguardas, desperdício inútil de
vidas que, por serem poucas, não deixam de ser preciosas.
Realmente a luta foi inútil. Segundo declaração do
Sr. Daladier, publicada em toda a imprensa, o
território conquistado foi abandonado. E, com assombro geral, soube-se outro
dia que o Sr. Hitler viajou de auto por
um trecho do território francês, talvez sob o olhar modorrento dos adversários.
Toda a imprensa noticiou este fato.
E ainda se diz que há guerra!
Não há, e parece que não haverá! O próprio Sr. Daladier declarou que aproveitará o inverno para construir
uma nova Maginot atrás da atual... se não houver a
ofensiva. O que significa que a França, durante todo o inverno, não tomará a
ofensiva... E significa o reconhecimento oficial da vulnerabilidade da Maginot, sem o que não seria necessário construir outra
atrás dela.
* * *
E o bloqueio?
Bloquear um país é cortar a sua comunicação com
todas as fontes de abastecimento, reduzindo-o à impotência pela falta de
recursos indispensáveis para a satisfação de suas necessidades fundamentais.
Não seria possível analisar aqui os efeitos do
bloqueio sobre cada um dos setores fundamentais da economia alemã. O público
aceita sem relutância a hipótese de um bloqueio alemão, dado o êxito com que
este foi levado a cabo na Grande Guerra. Entretanto, a configuração do mapa
político da Europa é hoje sensivelmente diversa, anulando plenamente o bloqueio
em um de seus aspectos mais fundamentais: o bloqueio dos víveres. Sem contar
com as consideráveis reservas de alimentos em estoque, arrecadados pelo Sr.
Hitler para alimentar o povo durante vários anos consecutivos em tempo de
guerra, procuramos utilizar-nos do magnífico trabalho sobre “Geografia
Econômica”, de Dubois e Kergomard,
Masson & Cia., editores, Paris, 1934, que contém
amplas informações sobre a vida econômica do mundo inteiro.
Segundo este trabalho, a Alemanha e países anexados (Tchecoslováquia, Áustria e Polônia) importam anualmente
cerca de 29.571.000.000 de francos em gêneros alimentícios, e exportam, também
anualmente, gêneros no valor aproximado de 7.410.800.000 francos.
Em tempo de bloqueio, retendo a Alemanha para
consumo interno todos os víveres exportados, deveria ela importar ainda...
22.160.200.000 francos, quantia esta aliás superior às suas necessidades reais,
pois que supõe que não fossem utilizados os imensos estoques de víveres
acumulados pelo Sr. Hitler.
Ora, os países com os quais a Alemanha mantém não
só aliança militar, mas boas relações econômicas, exportam anualmente 11.365.600
francos de víveres. Essa exportação pode chegar à Alemanha por via terrestre, e
em todo caso sem que o bloqueio lhe possa causar o mais leve embaraço. É a
seguinte a discriminação:
Rússia
......... 2.876.200.000 |
Itália
........... 4.780.000.000 |
Hungria
...... 2.320.100.000 |
Japão
.......... 1.669.300.000 |
Total
..........11.365.600.000 |
|
Além destes, pode a Alemanha negociar com os
seguintes países neutros, todos eles comunicáveis com ela por via terrestre:
Suíça.................
858.500.000 Iugoslávia .....
1.694.000.000 |
Bulgária ...........
299.000.000 |
Grécia ..............
529.300.000 |
Suécia ..............
699.000.000 |
Noruega ........
1.350.000.000 |
Dinamarca .....
7.824.300.000 |
Lituânia ............
283.100.000 |
Estônia .............
306.000.000 |
Rumânia ........
3.166.100.000 |
Holanda .........
7.341.000.000 |
Bélgica ..........
1.768.500.000 |
Irã
.................... 174.400.000 |
China ............
1.381.600.000 |
Manchúria ..... 764.400.000 |
Total
............28.399.200.000 |
Note-se que nesta estatística não se computam, por
simples escrúpulos de exatidão, as exportações da Espanha e Portugal, orçadas
em mais de 4 bilhões de francos anuais, que com relativa facilidade burlariam o
bloqueio, ingressando na Alemanha via Itália.
Como se vê, o total dessa exportação, somado a dos
países aliados da Alemanha, atinge 39.764.800 mil francos, ou seja, um total
muito superior às necessidades alemãs, que permitirá aos neutros comerciar
ainda, em escala não pequena, com os adversários da Alemanha. Não parece
necessário dizer mais para demonstrar a grande dificuldade em privar a Alemanha
de víveres que ela facilmente receberá e, privada embora de ouro, pagará com os
produtos de sua indústria.
Registre-se apenas, como nota final, que todas as
conjecturas baseadas na existência de um dissídio entre a Rússia e a Alemanha, que,
uma vez tornado patente, agravará consideravelmente o bloqueio, carecem
totalmente de fundamento, não só em razão dos motivos ideológicos e políticos
que o “Legionário” de há muito vem acentuando, como ainda pelo fato de ter
crescido incessantemente, sob o regime nazista, o comércio com a Rússia
soviética.
Em 1913, 47,5% da importação russa provinha da
Alemanha. Em 1929, sob o governo do grande estadista católico Bruening, a exportação da Alemanha para a Rússia caiu para 22,5%.
Subindo Hitler ao poder, registrou-se um aumento para 42,5%.
* * *
Para onde vamos, pois? Temos diante de nós a
afirmação oficial de que não houve guerra nem haverá, durante o inverno. Do
bloqueio, se pode duvidar seriamente. A única réstia de luz ainda é a
perspectiva de um triunfo diplomático do Vaticano, que restabeleça na Europa aquela paz justa e honrosa que
só à sombra da Igreja se poderá converter em realidade. A não prevalecer tal
possibilidade, teremos uma paz sem justiça e sem honra, ou um estado de pseudo-guerra somado a um bloqueio que será talvez um pseudo-bloqueio. E, acobertado por essa situação, a
violência campeando infrene em países inocentes como a Finlândia, enquanto uma modorra inglória anestesia a opinião geral,
disposta a dormir tranqüila sob a égide de um guarda-chuva.