Ninguém
ignora que, na política italiana, uma forte divisão se pronunciou ultimamente
quanto à orientação a ser seguida pelo país, diante da atual conflagração
européia.
De
um lado, elementos radical e categoricamente ligados à ideologia do fascismo
não se conformam com a perspectiva da ruptura do eixo ideológico Roma-Berlim em razão da qual a Itália iria assistir de
braços cruzados a uma ofensiva geral das democracias contra a Alemanha nazista.
Concorre para essa relutância a situação na Espanha, onde cada vez mais os falangistas (nazi-fascistas
espanhóis) perdem terreno na opinião pública e o carlismo
(partido monarquista e católico categoricamente anti-fascista)
se apresenta a todos os espíritos retos como o melhor caminho para a
ressurreição de uma Espanha autenticamente católica e autenticamente imperial.
Assim, pois, seriamente comprometido o projeto da nazificação
da Espanha, projeto este que a despeito de inúmeros esforços de membros do
governo cada vez mais se torna inviável, e demolido o Estado totalitário na
Alemanha, que restaria das famosas direitas que o “Legionário”, com exuberância
de razão, sempre teimou em chamar pseudo-direitas?
Estendendo seus olhos em redor de si, e alongando-os depois sobre o mundo
inteiro, Mussolini só viria a sentir em torno de si o
vazio. Evidentemente, o fracasso dos produtos congêneres ou sucedâneos do
fascismo no mundo inteiro seria irremediável. E o Sr. Oswald
Mosley, na Inglaterra, outro remédio não teria senão
vender para alguma empresa colonial as camisas uniformizadas de seus
partidários, a fim de servirem de traje de trabalho para turmas de operários
expedicionários... (...) o que certamente já terá feito o Sr. Leon Degrelle na Bélgica.
Por
outro lado, entretanto, o nazismo, aliando-se com a Rússia, baixou todas as
barreiras de camuflagem que o separavam do comunismo. O povo italiano é
fundamentalmente anticomunista por ser fundamentalmente católico. O
anticomunismo foi a grande razão da popularidade do fascismo. Se agora este se
pusesse a aplaudir a bolchevização da Polônia ou da
Finlândia, o que lhe restaria de prestígio aos olhos da opinião italiana?
Foi
o que parece ter compreendido muito bem o Rei Victor
Emanuel, que, com aquela prudência macia e discreta que lhe tem permitido fazer
a Coroa sobrenadar às mais profundas perturbações políticas e sociais,
mansamente, gradualmente, jeitosamente, sem dizer uma palavra, constituiu em torno
de si um ambiente tal que ninguém ignora hoje que o Rei-Imperador
e seu herdeiro presuntivo são adversários declarados da efetivação militar das
promessas consignadas pelos tratados do eixo Roma-Berlim.
De
um Superior de Congregação Religiosa, recentemente vindo da Itália, tive a
informação de que o Rei é hoje uma das figuras mais influentes e populares de
seu país, entusiasticamente aclamado nas manifestações públicas porque o povo
sente claramente que é ele, na ordem temporal, o mais sério baluarte em prol da
preservação da neutralidade da Itália.
“Dentro
da ordem temporal”, disse eu intencionalmente. Porque o Papa também tem
colaborado ativamente para conservar os seus propósitos pacíficos à população
italiana. Assim, as numerosas notas do “Osservatore Romano”, assinalando para o
povo italiano o perigo que constitui a penetração bolchevista na Polônia e na
Finlândia, tem contribuído de modo considerável para manter no espírito público
a convicção de que o cumprimento das promessas do “eixo” por parte do governo
fascista seria um desserviço prestado por este à causa do anticomunismo.
Assim,
pois, as situações respectivas da casa Real e da Santa Sé são absolutamente
claras. A primeira é detentora de veneráveis tradições políticas e
administrativas que, máxime depois do Tratado de Latrão que purgou a Família Real da mácula contraída com a
tomada de Roma aos Papas, nenhum católico pode deixar de venerar e de apreciar.
Essas tradições, todas elas consistentes em imponderáveis muito objetivos mas
difíceis de definir, respiram o mais autentico perfume católico. Quanto à Santa
Sé, inútil é explicar as razões de sua atitude: só não as compreendeu ainda
quem for absolutamente incapaz de as compreender.
Se,
pois, o Papa representa Nosso Senhor Jesus Cristo, e o rei encarna as tradições
de um passado histórico multissecular e impregnado do perfume de uma
civilização católica, o que de mais normal e louvável do que a cooperação
destes dois grandes poderes, um supremo na ordem espiritual, e outro supremo na
hierarquia temporal?
* * *
Foi
essa colaboração que a visita dos Reis da Itália ao Vaticano veio consagrar de
modo auspicioso e feliz. É certo que, protocolarmente
considerada, ela constitui apenas a primeira visita que os Reis deviam
naturalmente ao Pontífice. E que, de outro lado, o caráter extremamente
afetuoso que o Pontífice deu à solenidade constituiu uma prova de paternal
benevolência que a Santa Sé dedica a Itália. Mas, isto tudo posto e pesado,
continua incontestável que a visita se cercou de um ambiente de amizade
afetuosa que só se poderia explicar pela existência de uma larga zona de
colaboração, atualmente aberta e trilhada em comum não apenas pelo Papa, que é indefectível no caminho reto, mais ainda
pela casa real.
Essa
colaboração é o maior benefício que no momento presente a Santa Sé e a Casa de Saboia poderiam prestar à Itália. Ela assegurará, com a
graça de Deus, a continuidade católica da história italiana, fazendo da Itália
um baluarte da civilização pela sua política nitidamente divorciada de qualquer
surto ateu ou pagão na Europa.
* * *
Ninguém
ignora que os documentos pontifícios devem, todos eles, ser meticulosamente
examinados, e pesados palavra por palavra, se se
quiser conhecer exatamente seu significado, porque a Santa Sé, que coloca rios
de prudência inteligente e corajosa em cada um de seus gestos, ou em cada um de
seus documentos oficiais, mede miligramicamente todas
as palavras que emprega.
Assim,
pois, se as felicitações do Papa pelo fato de “a Itália, se bem que vigilante e
forte, sob a sábia direção de seu soberano e de seus governantes, continuar a
usufruir os benefícios da paz” hão de ter irritado sumamente os elementos
fascistas favoráveis à entrada da Itália na guerra ao lado da Alemanha e da
Rússia, sua irritação há de ter crescido de ponto diante do período final,
segundo o qual o Pontífice pede que “o Todo Poderoso guie os passos do povo
italiano que lhe está tão próximo e os de seu chefe e inspirar as decisões de
seus governantes para que lhes seja dada possibilidade de assegurar não somente
a paz interior e exterior, mas também relações de paz honrosa e durável entre
os povos que por elas clamem”.
Neste
período, como em todo o discurso pontifício, o Santo Padre trata como Chefe
Supremo do Estado o Rei, distinguindo claramente entre o Rei e os demais
governantes, e reconhecendo assim a autoridade máxima do Rei sobre todos os
outros órgãos do poder público.
Feita
de passagem esta observação que está muito longe de ser supérflua para quem
conhece a mentalidade de certos arraiais fascistas ultra-rubros,
para os quais a conservação da monarquia na Itália é apenas um mal necessário
ao qual a gente se sujeita por “tapeação”, passemos a outro ponto.
O
Papa fala em “relações de paz”, e não simplesmente em paz; fala em “paz
honrosa” e não em uma paz qualquer; e finalmente entende que essa “paz honrosa”
deve ser “durável” e não efêmera.
Cada
uma destas palavras tem sua importância. Quando o Papa deseja que se estabeleça
entre os povos a normalidade das “relações de paz”, fala evidentemente, não
apenas de uma situação internacional na qual não haja lutas armadas, mas ainda
em que as relações dos povos sejam realmente “pacíficas”, isto é tranqüilas e
ordenadas conforme a justiça. A paz é a tranqüilidade da ordem. Segundo a
linguagem corrente, há paz internacional quando o mais fraco se entrega sem
luta cruenta aos mais fortes, premido pela extrema gravidade da ameaça, como
aconteceu por exemplo com a Estônia. Mas não há “relações de paz”, embora a
ordem material não tenha sido perturbada. Não basta, por outro lado, que estas
relações sejam pacíficas. A paz, para ser real, deve ser “honrosa”. A formação,
pois, de grandes blocos internacionais que suguem a soberania de pequenos povos
que se conservam independentes apenas na aparência, a imposição de condições
vexatórias e humilhantes a povos que de inferior só tem a extensão de seu
território, é contrário à verdadeira paz desejada pelo Pontífice. Finalmente, a
paz deve ser “durável”, o que quer dizer que o Pontífice não deseja apenas um
rápido intermezzo
róseo na tragédia contemporânea, mas uma radical transformação do atual estado
de coisas internacional, que assegure durabilidade às relações pacíficas e
decorosas que os povos civilizados devem manter entre si.
O
que o Santo Padre mostrou querer foi, pois, que a Itália trabalhasse no cenário
internacional de modo a assegurar este estado de coisas entre todos os povos.
Não só que ela agisse assim, mas que ela colaborasse com aqueles povos que
atualmente “clamam por esta paz”, para que eles a obtenham.
Em
outros termos, a Itália se deverá constituir campeã da paz honrosa. E a paz
honrosa tem dois inimigos: os que querem a guerra, e os que fazem propostas de
paz desonrosas.
Queira
Deus que do esforço da Santa Sé e da Casa real realmente resulte para a
política internacional italiana uma tal diretriz que será mais uma glória na
história brilhante e multissecular do povo italiano.