Legionário, N.º 375, 19 de novembro de 1939

As novas nomeações

O próprio acerto com que S. Ex.a Rev.ma. o Sr. Arcebispo Metropolitano está organizando o governo da Arquidiocese torna difícil qualquer comentário a respeito dos Sacerdotes que ele tem constituído os auxiliares mais qualificados de sua administração. É disto um exemplo frisante a lista dos nomes que integrarão o Cabido. Sacerdotes de idades, de personalidades e de aptidões muito variadas, todos eles, entretanto, apresentam um tal valor dentro das respectivas esferas de ação, e tem cada um deles uma tão rica folha de serviços, que escrever sobre os novos Cônegos só pode, em rigor, ser obra de uma poliantéia, e não de um mero artigo de jornal: só uma poliantéia poderia evitar a injustiça de se calarem nomes e méritos que merecem o mais amplo e público louvor. É sob o peso da persuasão de que os limites desta simples nota me forçarão a omissões lamentáveis, que inicio sobre o assunto alguns comentários.

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O “Legionário” já teve ocasião de exprimir o sentimento de todos os católicos a respeito da nomeação do Ex.mo Rev.mo Mons. Ernesto de Paula para o cargo de Vigário Geral. Sua nomeação de Cônego não pode deixar de nos oferecer oportunidade para a respeitosa e afetuosa reafirmação dos mesmos sentimentos.

A seu lado, com o título de Visitador, e com as funções de Vigário Geral das Religiosas, figurará um dos vultos mais impressionantes e mais notáveis do Clero brasileiro, que é o Ex.mo Rev.mo Mons. Alberto Pequeno. Dissemos que só uma poliantéia poderia conter a enumeração dos méritos dos novos Cônegos. Seria de justiça acrescentar que uma pessoa cuja vida e obras por si só merece uma poliantéia inteira é o novo Vigário Geral das Religiosas. Dotado de uma grande fidalguia no porte, de uma distinção de trato verdadeiramente excepcional de uma cultura vasta e sólida, de uma inteligência clara, metódica e larga, e de uma invulgar capacidade de trabalho, o Ex.mo Mons. Alberto Pequeno, quer como Reitor do Seminário de São Paulo, quer como Visitador Apostólico dos Seminários do Brasil, quer ainda em outras situações relevantes, tem prestado à Igreja serviços tais que lhe granjearam, ao par do respeito e da admiração geral, a estima de todo o Episcopado Brasileiro, e da Santa Sé, a qual não tem cessado de o cumular com as provas de sua ilimitada confiança.

Inútil é dizer o que a Igreja pode esperar do eminente Sacerdote nas funções que acaba de confiar ao seu grande zelo o Ex.mo Rev.mo Sr. Arcebispo Metropolitano.

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O “Legionário” não poderia passar sem um registro especial a nomeação, para o Cabido da Arquidiocese, de seus dois Assistentes Eclesiásticos, os Rev.mos Cônegos Antônio de Castro Mayer e Luiz Gonzaga de Almeida.

O grande psicólogo que foi nosso sempre inesquecível Dom Duarte, entregou ao Cônego Luiz Gonzaga de Almeida uma das mais esmagadoras heranças da Arquidiocese, que é todo o patrimônio espiritual, toda a tradição de piedade, de atividade e de saber, acumulada na Paróquia de Santa Cecília pela extraordinária linhagem de Vigários que esta têm tido. Bastará lembrar os nomes destes Vigários para que se compreenda o significado do que dissemos: Dom Duarte, Dom Paulo Pedrosa, Dom Paulo de Tarso...

Como de costume, Dom Duarte não errou. A nota distintiva do último Vigário de Santa Cecília por ele nomeado é uma grande virtude, profundamente compreendida e corajosamente praticada. De uma piedade que chama a atenção, de um amor a Igreja que comunica um cunho modelar a todos os seus pensamentos e ações, de um zelo que sem nenhum exagero se deve chamar de heróico, a tal ponto o força a um trabalho devorador e incessante, o Rev.mo Cônego Luiz Gonzaga de Almeida é bem o servidor bom e fiel, que tira de seus talentos todo o proveito possível para a causa católica. Eu não quereria aliás terminar estas palavras sobre nosso queridíssimo Cônego Luiz sem mais uma apreciação. A despeito de serem todos os Santos verdadeiros modelos na virtude da pureza, deu Nosso Senhor a alguns deles dons tão primorosos a este respeito, que merecem um destaque especial. Do mesmo modo, se bem que essa virtude seja comum a todo o nosso Clero, é impossível fazer um quadro completo da personalidade do Cônego Luiz sem mencionar de modo todo especial aquela impressão viva de pureza que tem os que dele se aproximam. Escolheu bem seu Padroeiro quem, na pia batismal, lhe deu o nome de Luiz Gonzaga.

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Nunca em minha vida escrevi mais de coração do que neste momento em que me é dado dizer algo sobre o Cônego Mayer. Uma amizade que é velha pelo valor e pela sinceridade, se não pelo número dos anos, me liga a ele desde que o conheci em Santa Cecília. Através de um contato íntimo e quase diário, tive oportunidade de apreciar de perto todas as facetas de sua personalidade, nas situações as mais variadas. E, sem incidir em qualquer convencionalismo, posso dizer que sua alma é daquelas que, quanto mais se conhecem, tanto mais se admiram.

Disse-me dele, com toda a razão, o Ex.mo. Rev.mo. Sr. Arcebispo, que é um dos Sacerdotes mais inteligentes e cultos de todo o Brasil, que alia a estas qualidades naturais um espírito de Fé e uma fortaleza que constituem as suas duas grandes características psicológicas.

Sua inteligência é completa como poucas, porque aliando a uma grande penetração doutrinária e a uma lógica hercúlea um raro senso das realidades e qualidades de psicólogo relevantíssima, goza de uma agilidade mental verdadeiramente prodigiosa. É para mim um prazer vê-lo analisar pessoas e coisas. Ele vê as situações de fato como uma precisão fotográfica, ou melhor microscópica. Levantado o panorama da realidade, ele assenta o telescópio para o terreno das mais altas considerações teológicas ou filosóficas. E destas culminâncias, com uma agilidade sem par, faz ele brotar uma opinião que apanha ao mesmo tempo os conceitos doutrinários na sua maior amplidão, e as circunstâncias de fato nos aspetos mais minuciosos de seus meandros.

Em geral, o Cônego Mayer é tido como um teólogo modelar. Tenho por certo que esta não é senão uma faceta de sua personalidade. Na realidade, ele é um homem de ação dotado de relevantíssimas qualidades. Perspicaz a ponto de causar inveja a muito detetive, é difícil que alguém se insinue na sua confiança sem ter para isto todas as credenciais. Esta perspicácia, entretanto, é bastante lúcida e bastante fria para lhe permitir de colaborar com qualquer indivíduo, e ele seria homem para reeditar a façanha de um santo que me falou o grande Dom Duarte, santo este que certa vez discutiu com o demônio, e acabou forçando-o a segurar a vela para que ele terminasse de rezar o breviário. Inteligente em toda linha, a intransigência do Cônego Mayer é bastante firme para fechar sempre o caminho ao mal, mas bastante ágil para, sem queimar os dedos, fazer o mal servir involuntariamente o bem na medida do possível. Enérgico de uma energia pronta, viva, inflexível, o Cônego Mayer é entretanto de uma prudência que o põe a salvo de qualquer insucesso. Dotado de uma alma apaixonadíssima, quando ele se põe ao serviço de uma resolução qualquer, ninguém é capaz de desenvolver uma ação mais intensa, mais vibrante, mais continuada do que ele. Enfim, não se poderia desejar personalidade mais completa para um homem de ação.

Mas o que sobretudo agrada no Cônego Mayer é que todas estas qualidades estão por assim dizer “sacerdotalizadas”. Sacerdote em todas as forças de sua alma e com todo o ardor de seu coração, suas qualidades estão todas impregnadas daquele ardente espírito de Fé do qual me falava a dias nosso atual Arcebispo quando me anunciou a nomeação do Pe. Mayer. Há uma distinção entre Fé e espírito de Fé. A Fé, todos os católicos a possuem. Mas o espírito de Fé não é igualmente freqüente. E dele está repleta a inteligência do Cônego Mayer. Nas suas opiniões, jamais se notam aquelas timidezes, aquelas reservas, aquela prudência humana, aquela separação entre o natural e o sobrenatural, que tornam tísicas as almas crentes. O natural e o sobrenatural se ligam perfeitamente em sua inteligência. E o mesmo se dá em sua vontade, cuja energia é a expressão da virtude sobrenatural da fortaleza, daquela mesma virtude que o Pe. Veermesch diz ser a virtude mais rara e mais necessária a nossos dias.

Não é de espantar que todas estas qualidades tenham granjeado para o Cônego Mayer uma admiração entusiástica por parte dos rapazes do “Legionário”. Aliás, tem ele, para lidar com rapazes, um jeito tal, que em toda a roda de universitários e de advogados do “Legionário”, ele é considerado não só como um guia imprescindível, para as lutas do apostolado, mas como uma companhia insubstituível para as horas, infelizmente curtas, de distração e de lazer. Porque graças à sua jovialidade, a vivacidade de seu espírito e a sua grande dignidade pessoal, o Cônego Mayer sabe ser sempre companheiro e amigo, sem jamais deixar de ser plenamente Sacerdote em todos os seus gestos.

Compreende-se facilmente, à vista de tudo isto, com que acerto o Ex.mo Rev.mo Sr. Arcebispo quis enriquecer o Cabido com esta personalidade de escol.

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O “Legionário” já disse, em tempo oportuno, a estima e a admiração que vota ao Cônego Paulo Loureiro. Inútil será acentuar, pois, a satisfação que sentiu pela dignidade que lhe conferiu o Ex.mo Rev.mo Sr. Arcebispo. O que, entretanto, essa folha não teve ocasião de dizer, e o faz hoje com particularíssima satisfação, é o reconhecimento que toda a Arquidiocese tem ao Rev.mo Cônego Silvio de Moraes Mattos, Sacerdote modelar cujo carinho e cuja dedicação ao grande e saudosíssimo Dom Duarte eram admirados por todos os que freqüentavam o Palácio São Luiz.

O Rev.mo Cônego Silvio teve, para com o imortal Arcebispo, uma admiração tão completa e tão afetuosa, que sua figura se ligou indissoluvelmente à de Dom Duarte. Distinto, sóbrio, atencioso e correto, cioso como poucos da posição e da dignidade do Arcebispo, ao mesmo tempo enérgico e discreto, era ele a pessoa talhada para manter em torno de Dom Duarte aquele ambiente inconfundível de majestade e de silêncio, em que a figura hierárquica de S. Ex.a encontrava seu clima natural.

Com essa nomeação, o Ex.mo Rev.mo Sr. Arcebispo Metropolitano mostra mais uma vez o carinho comovedor que tributou ao seu glorioso antecessor, e dá merecido prêmio a um dos mais distintos Sacerdotes da Arquidiocese.

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Quereria eu falar ainda a respeito de dois grandes amigos do “Legionário”, os Cônegos João Pavesio e Paulo Florêncio. Infelizmente, não o poderei fazer senão de modo sumário.

O Cônego Pavesio, meu velho e querido amigo de há muitos anos, fez da Obra das Vocações uma das instituições mais promissoras e mais importantes, já não direi de São Paulo, mas do Brasil. Ligada a essa obra, a do Seminário Preparatório floresce de modo extraordinário. Extraordinário diretor de consciências, homem de ação eficacíssimo, cerimoniário competente como ninguém, é ele um colaborador assíduo do “Legionário”, que lhe deve a seção “Liturgia”. A seu lado, quero destacar a figura característica de Vigário modelar, do Cônego Paulo Florêncio. Inteligente e culto, transformou ele sua Paróquia em uma das mais espiritualmente prósperas de São Paulo. E ali é para o “Legionário” um amigo eficaz, cujo apoio nos anima sobremodo.