Tenho
sobre minha mesa de trabalho a Carta Pastoral, que acabo de compulsar, do Ex.mo
Rev.mo Sr. Bispo de Bragança sobre a “Defesa da Família”.
É
incalculável o número de vezes que este assunto tem sido tratado por escritores
católicos. Os Papas, a Hierarquia Eclesiástica em todos os séculos e em todos
os Continentes, e os leigos devotados ao serviço da Santa Igreja, não se tem
fartado de examinar, sob os mais variados aspetos, o pensamento da Igreja sobre
a constituição da família. Entretanto, acontece com a doutrina católica o que
sucede com a fonte da qual ela brota, isto é os Santos Evangelhos. Estes, por
mais que sejam lidos e relidos, apresentam sempre um interesse novo, porque a
riqueza inexaurível do seu conteúdo revela cada vez para o leitor, sob faceta
especial e ainda desconhecida dele, as perfeições
infinitas do Verbo Encarnado. Assim também, conquanto mil e mil vezes repetida
e reafirmada no decurso dos vinte séculos de vida da Igreja, a doutrina
católica apresenta sempre, para os que são capazes de a examinar com a devida
pureza de intenções e com o auxílio da graça, tesouros novos, que saciam
exuberantemente as almas bem-aventuradas, realmente famintas e sedentas de
justiça.
Penso
nisto tudo ao reler mais uma vez a doutrina católica sobre a família,
compendiada na última Carta Pastoral, publicada na festa da Assunção de Nossa
Senhora, no corrente ano, pelo Ex.mo Rev.mo Sr. Dom José Maurício da Rocha,
Bispo de Bragança.
Convém
acrescentar, entretanto, que se essa Pastoral tem o inapreciável valor que é
próprio à toda a exposição clara e metódica do pensamento da Igreja, sobretudo
quando feita com autoridade e segurança de doutrina de um Bispo, apresenta ela
ainda outros predicados nos quais se refletem as qualidades de inteligência e
de vontade que distinguem seu autor.
* * *
Quem,
como eu, já teve a fortuna de conversar detidamente com o Ex.mo Rev.mo Sr. Dom
José Maurício da Rocha sobre as grandes questões políticas e sociais da atualidade,
nota imediatamente naquele Prelado uma inteligência penetrante, clara, metódica
e firme que, entretanto, não se compraz exclusivamente nas esferas da
especulação. Pelo contrário, seu espírito penetrante logo que alcança uma
verdade, a faz tão inteiramente sua ou se faz tão inteiramente dela, que no
mesmo instante se nota nele o desejo de descer à prática, de penetrar na liça,
e de ser ao mesmo tempo seu realizador e paladino.
Daí
o fato de a Carta Pastoral de S. Ex.a. Rev.ma, apresentar um aspecto positivo,
prático e incontestavelmente combativo, que se nota em todo o trabalho, a
começar pela divisão e distribuição da matéria.
S.
Ex.a Rev.ma não descreve apenas o problema doutrinário da família, composta de
pai, mãe e filhos tomados em abstrato. O que interessa a S. Ex.a Rev.ma se
dirige, a fim de louvar o que nela se encontra de bem, e de combater o que nela
se tem insinuado de condenável.
Esse
amor ao positivo e ao concreto não tira a S. Ex.a Rev.ma, como é óbvio, em se
tratando de um Bispo, o amor à doutrina, e nem lhe tolhe a largueza de visão do
conjunto.
Por
isto, e com grande acerto, devendo examinar o problema da família brasileira,
S. Ex.a Rev.ma começa por traçar um rápido panorama do mundo hodierno, no qual
aponta, com sobeja razão, nossa civilização colocada à beira de um abismo em
que ameaça despejar-se irremediavelmente a todo o instante. E, acrescenta
sabiamente o Prelado, ninguém pode afirmar que no Brasil não se podem repetir
as catástrofes morais e sociais que em outros povos se tem verificado. A
civilização “desapareceu do lugar de seu berço, sabendo somente Deus quando,
vitoriosa, a ele tornará. Destarte, quem nos autoriza a assegurar que não se dê
entre nós o que se dá em outros pontos”? Evidentemente, são sonhadores
incorrigíveis os otimistas tão freqüentes entre nós, que supõem o Brasil
vacinado contra todas as heresias e contra todas as aberrações próprias à
natureza humana, como se tivéssemos sido isentos dos funestíssimos
efeitos do pecado original.
Mas
a simples discriminação dos males não basta. É preciso vê-los, não apenas em
extensão mas em profundidade. E, por isto, o Sr. Bispo de Bragança, descendo ao
âmago dos problemas contemporâneos, apresenta a sua causa no “egoísmo brutal,
que pondo nos prazeres da vida presente a suma felicidade”, tudo lhes
sacrifica.
É
este egoísmo, fruto inevitável da ruptura da civilização ocidental com o
Evangelho, que tem engendrado os mais diversos inimigos do Corpo Místico de
Nosso Senhor Jesus Cristo, isto é, da Igreja Católica. Comunismo, protestantismo,
espiritismo, são apenas diversas expressões de um mesmo espírito de rebeldia e
de egoísmo naturalista. Ligados entre si contra a Igreja, trabalham eles em
“Frente Única”, como já denunciou ao público a carta Pastoral de S. Ex.a.
Rev.ma. de 21 de abril de 1937. Nunca se poderia insistir suficientemente sobre
esta verdade que o Sr. Bispo de Bragança focaliza detidamente e põe em luminoso
relevo. Os inimigos da Igreja, em todos os tempos, mas hoje mais
particularmente do que nunca, estão coligados entre si em uma conjuração que já
Leão XIII denunciou repetidas vezes e com palavras candentes. Pouco se lhes dá
das diferenças doutrinárias que os separam entre si. O que lhes importa é a
destruição da Igreja de Jesus Cristo. Daí a constante insistência do “Legionário”
sobre a ingenuidade que mostram determinados católicos desejosos de se apoiarem
em certos inimigos da Igreja para combaterem outros. No mundo da lua, esta
tática pode ser muito interessante. Na realidade, porém, ela é ruinosa. A este
propósito, lembro-me perfeitamente de uma saborosa palestra que tive com o
Ex.mo. Rev.mo Sr. Bispo de Santos, D. Paulo de Tarso Campos. Discorrendo sobre
assunto deste gênero, disse-me S. Ex.a Rev.ma, gracejando, que a Igreja se
poderia apropriar, em muitas ocasiões, da frase famosa: “Livre-me Deus de meus
amigos, que eu me livrarei de meus inimigos”. Os “amigos” são os tais
adversários da Igreja que lhe oferecem um apoio precário em cujo bojo escondem
as mais penosas surpresas.
*
* *
É
dentro do ambiente deste quadro geral, que o Sr. Bispo de Bragança situa o
problema da família.
Mostra
S. Ex.a Rev.ma que o plano concebido pela conjuração anti-católica
que domina o mundo, de subverter totalmente a civilização católica, e de
terminar destruindo a indestrutível Igreja de Jesus Cristo, tomou como ponto
predileto de sua ação corruptora a família.
Dentro
da família, essa ação diabólica não tem poupado a mulher. É que quando o lar é
desertado criminosamente pelo pai, os filhos ainda podem encontrar um amparo na
mãe. Mas quando a mãe, loucamente seduzida pelo desejo de se igualar ao pai nas
baixezas deste também abandona o lar, no que se
transforma este, senão no lugar em que impera “a abominação da desolação”?
Passa
então a Pastoral a descriminar, um por um, todos os artifícios que a
civilização moderna, animada pelo espírito hostil à Igreja, utiliza para a
desagregação da família.
São
tão importantes os conceitos emitidos por S. Ex.a. Rev.ma a este propósito, tão
práticos e tão úteis, que não podemos deixar de os publicar com destaque, em
outro local desta folha.
Entretanto,
um ponto final ainda merece nossa melhor atenção. É o que se relaciona com a
trabalho da Ação Católica de Bragança em prol da família.
Muito
se tem escrito sobre a Ação Católica. Infelizmente, porém, não é muito o que se
tem compreendido a este respeito.
É
interessante registrar, pois, a deliberação que S. Ex.a. Rev.ma enuncia no fim
de sua Pastoral de confiar à Ação Católica a superintendência de uma nova “Liga
de Defesa da Família” que S. Ex.a. Rev.ma resolveu fundar “regida por estatutos
próprios, conforme o aconselharem as circunstâncias, sob a orientação da Ação
Católica”.
Essa
associação auxiliar da Ação Católica, que S. Ex.a. Rev.ma deseja estruturar “à
semelhança do que fizeram os Ex.mos Rev.mos Srs. Bispos Norte-Americanos,
fundando, com os conhecidos resultados, a Liga de Decência, grandemente louvada
pelo Santo Padre Pio XI, contra o mau cinema”, tem muitas analogias com a
“Associação dos Pais de Família”, que se acaba de fundar no Rio de janeiro sob
a orientação do emérito Jesuíta Pe. Arlindo Vieira,
associação esta que começa a se espraiar sobre todo o Brasil.
Deve
ela velar por que, dentro da família, se constitua o ambiente favorável ao
verdadeiro florescimento da vida religiosa. A associação deve ter seus olhos
abertos e vigilantes contra todas as inovações, e premunir as famílias a elas
filiadas contra as infiltrações insidiosas do modernismo, ao liberalismo e do racionalismo. Em uma palavra, deve ser a sentinela
vigilante do espírito da Igreja dentro da vida de família. Porque é bem certo
que só a família que se alicerce solidamente em Nosso Senhor Jesus Cristo não
pode ser demolida pelo vendaval da impiedade moderna.
Não
menos certo, porém, é que não pode ter Jesus Cristo por fundamento a família
que não tiver a Igreja por Mãe, Mestra e Rainha.
*
* *
Partindo
de um quadro geral de grande amplidão, para descrever depois o quadro mais
restrito de nossa vida social, analisando em seguida esse quadro à luz dos
princípios da Igreja, e apontando por fim os concretos e imediatos que a
situação requer, a Pastoral é uma imagem fiel em que se espelha o espírito
largo, firme e prático do insigne Prelado que a escreveu.