Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

A posição do Vaticano

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, N° 368, 1º de outubro de 1939

  Bookmark and Share

Não nos consta que a agência Havas tenha publicado, no Brasil, um importante telegrama que forneceu ao “El Pueblo”, o grande diário católico de Buenos Aires. Entretanto, se bem que a História da Igreja seja vinte vezes secular e tenha conhecido as mais variadas vicissitudes, o documento que aquele telegrama encerra se não é único é ao menos muito raro nos anais da Santa Sé. Contém ele, efetivamente, a proclamação clara e peremptória de que a Santa Sé não é neutra no presente conflito. Transcrevamo-lo, porque nossos leitores certamente terão o maior interesse em tomar conhecimento dele:

“Cidade do Vaticano, 7 (Havas) – O “Osservatore Romano” escreve em um editorial:Nosso diário está ao serviço da verdade, de acordo com a natureza e caráter, a posição e a missão da Santa Sé. A verdade para todos, tal é nosso programa; mas esse programa não é sinônimo de indiferença, de insensibilidade nem de neutralidade. Significa, pelo contrário, uma vontade determinada de fazer triunfar o bem, a justiça e o direito, em verdade e por meio da verdade”. Acrescenta o comunicado que o “Osservatore” evitará qualquer atitude que destoe da missão de apaziguamento e de aproximação, que toca à Santa Sé”.

* * *

Os leitores mais perspicazes notarão facilmente uma aparente contradição no comunicado do órgão oficioso da Santa Sé. De um lado, proclama ele que o Vaticano não é neutro no conflito europeu. De outro lado, reivindica para o mesmo uma função de apaziguamento e de aproximação. Como explicar tal atitude?

A explicação cabe, toda inteira, dentro de três palavras que se lêem no brasão de armas do Santo Padre: “Opus justitiae pax”: a paz é fruto da justiça.

A respeito de paz, há duas atitudes doutrinárias inteiramente diversas, que, infelizmente, o público costuma confundir: 1) a posição da Igreja Católica, que considera a paz como um bem inestimável, mas admite a guerra em certos casos como um direito e em certos casos até como um dever sagrado; 2) a posição dos pacifistas extremos que consideram a guerra como um mal insuportável, por isso mesmo a paz como um bem que a qualquer preço se deve conservar.

Nos propusemos, neste artigo, tratar ...... [problemas de tipografia; perdem-se algumas palavras, n.d.c.] e aliás com um interesse teórico da questão da legitimidade da guerra. Demos, porém, dois exemplos clássicos. Um é o da legítima defesa. O outro é o da guerra sagrada.

No caso da legítima defesa, a guerra é um direito incontestável. Admita-se um país que, como o Brasil, se compõe de muitas circunscrições territoriais. É óbvio que se uma potência invasora nos arrancasse o Território do Acre, nem por isto o Brasil inteiro pereceria. Ninguém, entretanto, ousaria negar que estaríamos exercendo um direito se pegássemos em armas para escorraçar o invasor.

No caso da guerra sagrada, não existe apenas o direito, existe um dever. Um exemplo característico de caso de guerra sagrada se verificou no século passado (XIX). A (...) concebeu o projeto criminoso de despojar o Papa de toda a soberania temporal, de suprimir todas as fontes de renda de que vivia o Vaticano, e de aproveitar finalmente alguma oportunidade feliz para extinguir de vez o Papado. Este projeto, Leão XIII, em suas Encíclicas, o descreve retrospectivamente com uma precisão extraordinária. Ora, atacada a Santa Sé de modo tão violento e tão criminoso, era a própria Igreja que se feria no que ela tem de mais essencial e de mais santo: era a própria civilização que se atingia no que ela possui de mais fundamental: era, pois, todos os povos da terra que se sentiam duramente golpeados pela iniciativa pérfida [...]. Para todo e qualquer país católico, era uma obrigação imperiosa acudir em defesa do Papado. E a maior nódoa da História da Europa foi incontestavelmente a atitude covarde das grandes potências católicas que assistiram de braços cruzados a consumação deste nefando crime. Graças a Deus, porém, não faltaram católicos das mais variadas nacionalidades que se reuniram em um pequeno exército de voluntários e de mártires, o qual, tanto quanto possível, se opôs à investida das forças garibaldinas. A honra dos governos ficou maculada. Mas a honra dos povos foi salva pelo sacrifício espontâneo deste punhado de heróis

*  *  *

Estes os princípios da doutrina católica. Eles se sintetizam todos em um pensamento de Santo Agostinho. Diz o grande doutor que, ao contrário do que já no seu tempo era uma impressão geral, o mais grave dos males da guerra não está na mutilação ou na destruição de corpos perecíveis que, dias mais dias menos, hão de se corromper dentro das entranhas da terra, na sombra humilde de uma sepultura. O grande mal da guerra, mas maior do que todos os males, está na ofensa que Deus recebe com ela. Porque não se pode conceber um conflito em que ambas as partes sejam inteiramente inocentes. Ao menos uma delas há de ser culpada. E a ofensa que Deus recebe com a injustiça do agressor é, no fundo, o maior mal que uma guerra pode causar.

Ora, se a ofensa que Deus recebe com uma agressão injusta é grande, que dizer-se da ofensa por Ele recebida com a vitória do agressor e com a transformação da injustiça em uma ordem de coisas estável e duradoura que se constitua em permanente injúria à Majestade Divina? A paz que tivesse como fruto evitar a guerra e permitir a pacífica e incruenta consumação da injustiça, quando esta poderia ser evitada pela reação das armas, essa paz seria uma suma injustiça aos olhos de Deus e os restos do povo avassalado, porém inconformável com a desgraça, clamariam vingança com a mesma veemência patética com que clamou por vingança o sangue inocente de Abel.

Assim, pois, imaginar como imaginam “à outrance” que é preciso a todo custo evitar a guerra, ainda que a paz assim obtida signifique o desaparecimento de povos inteiros, e a injustiça campeando como supremo princípio da ordem internacional, não é outra coisa senão opor à doutrina católica o desmentido mais formal que se lhe possa opor.

* * *

Na sua prudência muito sábia, a Santa Sé, se jamais pactuou com alguma injustiça internacional, evitou de se pronunciar espontaneamente sobre os litígios em que razoavelmente se pudesse supor que ambas as partes tenham uma parcela de razão. Foi este o caso da guerra de 1914-1918. Abstração feita das circunstâncias já duvidosas que provocaram a guerra na qualidade de causas próximas, as causas remotas que nunca se podem deixar de lado quando se trata de apreciar a liceidade da guerra, eram tão confusas que em sã consciência ninguém poderia sustentar ser evidentemente injusta a atitude de qualquer das duas facções beligerantes. É também esta a atitude tradicional da diplomacia brasileira, que sempre evitou de se imiscuir em guerras de uma liceidade ou iliceidade duvidosa, desde que nenhuma relação tais guerras tivessem com os interesses do País ou da civilização.

No caso do conflito teuto-polonês ao qual se referiu o “Osservatore Romano”, a situação era inteiramente outra. Porque, mesmo se abstrairmos de tudo quanto se pudesse dizer, e do que o próprio “Osservatore” disse quanto à agressão alemã, uma razão muito mais forte subsistiria. A guerra que a Polônia sustentou foi uma guerra santa, perante a qual o Papado não poderia permanecer indiferente, porque, em última análise, ela foi ao menos tão agredida quanto a Polônia.

Ninguém tem dificuldade em compreender que a Igreja tenha pregado diversas cruzadas contra o Islã, quando este ameaçou o Santo Sepulcro de Nosso Senhor Jesus Cristo, e a liberdade religiosa das populações cristãs ali existentes.

A situação da Polônia, para o Vaticano, foi idêntica. De fato, o comunismo e o nazismo são absolutamente tão hostis ao catolicismo quanto o Islã. E se na Polônia não está o Santo Sepulcro do Salvador, ali estão os Tabernáculos do SSmo. Sacramento nos quais o Corpo do Senhor repousou de modo não menos real do que no Sepulcro de Jerusalém. Para quem tem Fé, a violação de tais Tabernáculos e, o que é pior do que isto, das próprias Espécies Consagradas, é coisa que dói até o âmago da alma, até aquela região misteriosa de nós mesmos, sumamente íntima e secreta, que São Paulo denominou a juntura da alma e do espírito.

Ora, como haveria de o Vaticano ser neutro perante esta situação?

* * *

Mas, se a Santa Sé não é neutra, como se coloca na posição de apaziguadora? A resposta é simples. Foi o amor à Justiça e à Verdade que a faz tomar posição no conflito. Entretanto, ela continua a desejar ardentemente uma paz que, desfazendo as injustiças já feitas, venha indenizar os países lesados, reparar os danos infligidos à Religião e estabelecer no mapa europeu uma ordem profunda cuja tranqüilidade possa ser autenticamente chamada de paz.

No momento em que escrevemos, as notícias telegráficas falam de duas propostas de paz, uma da Santa Sé, outra do Chanceler alemão. Não conhecemos a deste último. Mas, se a dar crédito às versões que circulam sobre a proposta do Papa, já se pode afirmar como, aliás, a priori se poderia supor, que o que o Papa deseja é uma paz que signifique antes de tudo a restauração da Polônia em condições tais que seja impossível impedir dentro dela o livre exercício da Religião Católica e violar sua soberania.

É possível que de outras fontes venham propostas bem diversas, tomando como fato irremediável a consumação do extermínio político da Polônia.

Esta paz, que não seria fruto da justiça, não é a paz do Papa. É mais do que duvidoso, é certo que tal paz o Vaticano não a aceitará.

Jazigo dos zuavos pontifícios que o Papa Pio IX mandou que fosse construído para os soldados que morreram pelo Papado (séc. XIX – cemitério do Verano, em Roma). Este bem-aventurado Pontífice quis ser enterrado o mais próximo possível desses valorosos soldados e, por tal motivo, suas veneráveis relíquias se encontram na basílica de São Lourenço fora dos Muros (San Lorenzo fuori le Mura). A música que acompanha este vídeo é o hino pontifício, interpretado pela fanfarra e por membros da valorosa TFP norte-americana


ROI campagne pubblicitarie