A belíssima Pastoral com que S. Ex.a Rev.ma, o Sr.
D. José Gaspar de Affonseca e Silva brindou os seus
diocesanos é um monumento literário de alto valor no qual se espelha, com
suavidade e limpidez, a grande alma e o coração sem fronteiras do novo
Arcebispo de São Paulo.
Há na personalidade do novo Arcebispo curiosas
analogias entre o físico e o moral. Jamais vi uma fotografia que lhe retratasse
maus os traços, ou que lhe deformasse a fisionomia. Qualquer objetiva de
fotógrafo, por mais imperfeita que seja, ou por mais imperito que se manifeste
seu manuseador, fixa os traços de S. Ex.a Rev.ma, com uma fidelidade
surpreendente. Ele é ele mesmo, inteiramente ele, exclusivamente ele, em todas
as fotografias.
Essa mesma propriedade se verifica em sua alma.
Nossos escritos são, geralmente, documentos em que espelhamos nossa
mentalidade. Certos espíritos, entretanto, são brumosos e dificilmente se
retratam através do que escrevem. O leitor percebe sempre que elas ficaram
fechadas dentro de si mesmas, deixando transparecer, voluntariamente ou
involuntariamente, apenas uma parte mínima de sua verdadeira configuração moral
ou até - Talleyrand nos vem à memória a
este propósito - ostentando para uso externo uma personalidade de ficção que é
muito diversa da personalidade real que possuem. Por assim dizer, as palavras
não são, neste caso, senão um “travesti” e os documentos um palco onde o
espírito do autor representa um papel muito diverso de sua própria índole.
Não é assim o Arcebispo eleito de São Paulo. Também
moralmente é ele facilmente fotografável. E todo o
seu espírito transparece, sempre com singeleza, porém sempre com dignidade,
através de qualquer frase por ele escrita.
A Carta Pastoral do sucessor de Dom Duarte não é
senão um formoso comentário do lema que inscreveu em seu brasão de armas, por
ocasião de sua Sagração episcopal: “ut omnes
unum sint”.
Uma a uma, o Ex.mo e Rev.mo Sr. Dom José Gaspar de Affonseca e Silva menciona as atividades intelectuais,
sociais, econômicas ou materiais do Estado. Para cada uma tem ele uma palavra
de simpatia e de afeto.
Para cada uma encontra ele, em seu coração de Bispo,
uma corda particularmente sensível a fazer vibrar. Para o intelectual como para
o operário - colocados nos dois pólos da sociedade - para os Sacerdotes como
para os sentenciados - colocados nos dois pólos dos valores espirituais - para
os doentes dos hospitais como para a mocidade no pleno desenvolvimento de seu
vigor físico tem ele palavras de carinho condicionadas às suas circunstâncias
particulares. E cada qual lendo-o sente-se compreendido em seus problemas,
encorajado em suas lutas e amparado em seus sofrimentos.
Essa grande bondade, que é um dos traços
característicos do novo pastor, é também, e de modo incontestável, um traço
característico de nosso povo.
Mas, se a bondade brasileira, privada do amparo de
uma instrução religiosa real e metódica, descamba com freqüência demasiada para
o indiferentismo, para o liberalismo, para a acomodação com todos os erros e
todas as opiniões, ela pode encontrar na Pastoral o corretivo deste deplorável
defeito, que é, de todos, o que mais caro tem custado à Pátria.
Alma ardente de Bispo, ninguém encontra palavras
mais suaves para falar em paz e em concórdia do que o autor da Pastoral.
Entretanto, o que se nota em mais de um trecho - e isto é comum na pena de um
Bispo - é a preocupação de só admitir a paz com ressalva dos direitos da
Verdade, e a Unidade não na acomodação de coisas que “hurlent de se trouver ensemble”
[urram de se encontrar juntas], mas na recondução de todos ao aprisco de Nosso
Senhor Jesus Cristo.
* * *
O lema “ut omnes
unum sint”, na
linguagem da Pastoral, poderia ter esta tradução: para que todos se unam na
posse da Verdade e na prática do Bem, isto é, no aprisco da Igreja.
Por isto mesmo, à medida que S. Ex.a Rev.ma se
refere aos vários setores da vida social, nota-se nele o ardente desejo de os
reconduzir ao Corpo Místico de Jesus Cristo, isto é, a Santa Igreja de Deus.
Uma palavra de sobrenatural, de Fé e de amor a Igreja se insinua sempre em suas
expressões de afeto. Nota-se mesmo, e à evidencia, a linguagem do Bom Pastor,
que apela para os pontos cardeais da Arquidiocese, logo na sua primeira
alocução às ovelhas, a fim de que acudam todas para o regaço materno da Igreja,
e haja um só rebanho em torno do legítimo Pastor.
Esta unidade, que foi um anelo supremamente ardente
do próprio Coração de Jesus, encontra-se
na ânsia de a realizar em todas as linhas do Evangelho e em todas as
páginas da História da Igreja.
Na parábola da videira, por exemplo, o que há senão
o anelo da unidade? E o trabalho do apostolado, legado pelo Salvador à Igreja
Católica, o que é senão a luta pela unidade?
Que todos sejam um! Que primeiramente os sarmentos,
que são os filhos da Igreja, se unam cada vez mais à vide que é a Igreja. Deste
trabalho preliminar e indispensável, que consiste em instaurar em nós uma
mentalidade conforme à da Igreja para que dela decorra uma vida conforme a dos
Santos, passa a Igreja ao trabalho de conquista. E o Bom Pastor, sem jamais
perder a união com a Videira, vai pelos atalhos e pelos caminhos, afrontando
perigos, vencendo fadigas, suportando intempéries, galgando montanhas e palmilhando
vales profundos, procurar a ovelha perdida que geme no abandono, no fundo do
precipício.
Que todos sejam um à sombra da Igreja, sob os
olhares de Maria, nos pés do Santíssimo Sacramento! Que todos sejam um no
professar intransigentemente a Verdade ensinada pela Igreja! Que todos sejam um
no praticar inflexivelmente os Mandamentos, não apenas quando atraentes e
formosos aos olhos de nossa sensibilidade, de nossa fantasia, mas ainda quando
árduos, ingratos e áridos os deveres por eles impostos! Que todos sejam um no
trabalho de evangelizar as almas sedentas da água viva, que é a única a poder
sacia-las! Que todos sejam um, governantes e governados, ricos e pobres,
plebeus e nobres, cultos e ignorantes, não em uma unidade que, à moda
socialista, confunda e amalgame em um verdadeiro caos
o corpo social, mas em uma unidade que consolide e penetre de suave harmonia o
funcionamento e as relações das classes, desiguais pela fortuna e pela
situação! Que todos sejam um no trabalho para aliviar as dores físicas e
combater as moléstias do corpo! Mas que, sobretudo, sejam todos um para
combater intransigentemente os fautores de desordem que enchem de angústias, de
perturbações e de perigosas inovações todo o corpo social.
São estes os votos brotados do coração ardente do
novo Arcebispo, e que espelham tão bem sua grande alma, através de sua formosa
Pastoral.
O que nos
compete a nós senão rezar ardentemente e trabalhar entusiasticamente pela sua
realização?