A imprensa diária noticiou,
nesta semana, que já está elaborado o decreto, apenas dependente de
aprovação presidencial, que instituirá no Brasil uma organização oficial da
juventude destinada a, sob a orientação do Estado, promover a formação moral e
cívica dos elementos a ela filiados. Acrescenta tal notícia que todos os
brasileiros que se encontrem dentro dos limites de idade estabelecidos pelo
decreto serão considerados, automaticamente, membros da referida organização.
Essa notícia gera em nosso
espírito algumas reflexões que oferecemos às autoridades constituídas em
espírito de colaboração sincera. Elas não constituem apenas uma opinião
individual. Mais do que isto, são a expressão necessária do que, neste momento,
estará forçosamente sendo sentido por todas as consciências católicas bem
formadas. Em outros termos, pois, elas são a expressão exata do que ocorre na
própria alma brasileira.
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Ninguém ignora que todos os
países contemporâneos que repudiaram os velhos moldes políticos do liberalismo — moldes estes de que
um católico não deve ter saudades quando considerados em si — sentiram a
conveniência de apoiar a autoridade do poder estatal sobre fortes movimentos de
opinião, de caráter político, que aglomerassem em uma só organização os
partidários do regime. Os que se recusassem a ser filiados a tal organização
não poderiam constituir qualquer outra associação congênere. O partido do
governo é, na Itália como na Alemanha, o único partido autorizado.
Evidentemente, nos quadros
do partido oficial, a parte atribuída à mocidade é preponderante. Por um lado,
segundo o velho chavão, ela constitui “a pátria de amanhã”. Por outro lado, ela
não teve tempo de se imbuir da mentalidade liberal que dominou completamente os
homens de “avant guerre” e
que a torna um campo de eleição para a semeadura das idéias totalitárias.
Todas as vantagens
existentes na catequese política da mocidade existem, em grau ainda muito
maior, na da infância. Por um lado, seu espírito ainda está muito menos eivado
de preconceitos anti-totalitários do que o dos moços.
Por outro lado, o dia de amanhã é rápido quando se trata da vida de um povo.
Cumpre, pois, preparar também a pátria de depois de amanhã. E esta pátria outra
coisa não é senão a infância. Compreenderam-no perfeitamente os Estados
totalitários, que constituíram, ao lado de inumeráveis falanges de jovens, as
legiões dos meninos — os balilas italianos, por
exemplo — entrosados compulsoriamente, ou quase compulsoriamente, desde os sete
anos na organização político-militar do partido
oficial.
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Foi sobre estas legiões que
se concentrou de preferência a propaganda política dos Estados totalitários.
Segundo uma técnica habilíssima, essa propaganda
tomou por programa alguns ideais de caráter cívico e moral, que exaltou
vigorosamente aos olhos dos membros da juventude e das organizações da infância
no partido oficial. É realmente extraordinária a fertilidade de recursos de tal
propaganda. Dispondo largamente de meios financeiros e servindo-se
indistintamente da imprensa, do rádio e do cinema conseguiu ela apurar uma
técnica tão perfeita que suas teses prediletas furavam os olhos dos próprios
cegos e os ouvidos dos próprios surdos, a tal ponto elas se revestiam,
verdadeiras ou não, de todas as seduções de grandeza e de força capazes de
empolgar e de conduzir para supremos sacrifícios o homem contemporâneo.
Daí a formação de
incontáveis legiões de adeptos entusiásticos que punham a serviço das teses
filosóficas, morais e políticas da propaganda oficial todo o vigor de seus
temperamentos moços exaltados pela adoração da força.
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Sem discutir os móveis
últimos que possam ter presidido à formação dos Estados fascista e nazista, força
é reconhecer que muitas
circunstâncias concorriam para explicar, ao menos em grande parte, tal orientação.
Todos os espíritos retos
estavam cheios de náusea pelo ceticismo liberal de “avant
guerre”. Como, pois, não sentir alguma coisa do
contágio eletrizante que irradiava em torno de si essa mocidade audaciosa,
cheia de afirmações fortes, ébria do ideal do heroísmo, e mobilizada a serviço
de ideais ao menos em parte muito louváveis? Como fugir à esperança de que os
ardores do primeiro momento que constituíam reação muito explicável contra
erros inomináveis e abusos revoltantes, não tomassem finalmente um rumo sensato
e salvador? Como não admitir que o Estado tem o direito de velar pela
moralidade pública e de concorrer para o incremento das virtudes cívicas?
Todas estas reflexões
dominavam muitos círculos católicos, cuja atitude inicial foi de franco aplauso
a tais partidos únicos.
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“Enquanto o Senhor não
construir a cidade, trabalharão em vão os que procuram edificá-la”, diz o
Divino Espírito Santo pela boca do salmista. E esta linguagem metafórica em
outros termos significa que, enquanto Deus não for colocado como base e
fundamento da estrutura política e civil do Estado, será inteiramente vão
qualquer esforço no sentido de a reformar e restaurar.
Evidentemente, o único
instrumento instituído por Deus para a salvação dos indivíduos e das nações é a
Igreja
Católica. Enquanto, pois, a doutrina da Igreja não servir de base à estrutura
moral, intelectual e social de um povo não poderá haver para este, ainda mesmo
no terreno constitucional, uma reforma durável e perfeita.
Se, pois, é legítimo que o Estado, na esfera de suas
preocupações exclusivamente temporais, use da soberania que lhe é própria e que
a Igreja jamais procurou usurpar ou diminuir, é também legítimo e forçoso que
ele reconheça à Igreja Católica a soberania espiritual inalienável que ela
possui, e que lhe facilite por todas as formas o exercício dessa soberania.
Aliás, tal linha de conduta
não é, para o Estado, o simples cumprimento de um dever. É uma medida de
verdadeira sabedoria política. Porque o Estado só tem a lucrar com o reinado
espiritual exercido pela Igreja sobre as almas.
Já o disse de modo
excelente o grande Santo Agostinho, quando exclamou:
“Oh,
Santa Igreja de Deus, tu conduzes
e instruis as crianças com ternura, os jovens com força, os anciãos com calma,
como comporta a idade, não apenas do corpo, mas ainda da alma. Tu submete as
mulheres a seus maridos por uma casta e filial obediência, não para estancar a
paixão, mas para propagar o gênero humano e constituir a sociedade doméstica.
Tu dás autoridade aos maridos sobre as mulheres, não para que eles abusem da
fragilidade de seu sexo, mas para que sigam as leis de um amor sincero. Tu
subordinas as crianças aos pais por uma espécie de servidão livre, e tu colocas
os pais acima de seus filhos por uma espécie de terna autoridade. Tu unes não
somente em sociedade, mas ainda em uma espécie de fraternidade, os cidadãos aos
cidadãos, as nações às nações, e os homens aos homens pela recordação de seus
primeiros pais. Tu ensinas aos reis que se devem dedicar por seus povos, e
prescreves aos povos que se submetam aos reis. Tu ensinas com cuidado a quem se
deve a honra, a quem o afeto, a quem o respeito, a quem o temor, a quem a
consolação, a quem a advertência, a quem o estímulo, a quem a correção, a quem
a repreensão e a quem o castigo; e tu fazes saber como, se nem todas as coisas
são devidas indistintamente a todos, a todos se deve a caridade e a ninguém a
injustiça” (De moribus Ecclesiae,
cap. XXX, nº 63).
Um exame, por mais
superficial que seja, da doutrina da Igreja e de sua História, revelará até que
ponto é verídica, para todos os povos e em todas as épocas, essa belíssima
apóstrofe de Santo Agostinho.
Haverá, para o Estado,
interesse mais fundamental, mais imprescindível, mais sagrado do que se
enriquecer com os inestimáveis benefícios que só da ação da Igreja — acentuamos
a palavra “só” — lhe podem provir?
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Se, pois, o programa da
novel entidade se apresentar à simpatia pública com um lastre de itens
louváveis, não é apenas em nome da Igreja, isto é, do Corpo Místico de Nosso
Senhor Jesus Cristo, mas em nome do que em tal programa haja de nobre e de bom,
que nós formulamos nossos votos, de que os direitos da Igreja sobre as almas
sejam escrupulosamente respeitados por ele.
Hoje, como em todas as
épocas de sua História, a Igreja diz ao Poder Temporal: “da mihi animas, caetera
tolle”: dá-me as almas remidas pelo Sangue de
Cristo, e guarda o resto contigo.
Que a nova organização
respeite, pois, e com extremos de escrúpulo e de meticulosidade, os direitos de
seus associados, no sentido de comparecerem a todos os atos do culto, dos quais
é ávida uma piedade legítima; de freqüentarem largamente o ambiente católico,
não apenas na Igreja, mas na Sede da associação ou da Ação Católica, onde se
respira o oxigênio puríssimo da mais pura doutrina de Jesus Cristo; de reservar
lazeres que não devem ser curtos nem raros, para trabalhar pelo apostolado em
nossa sociedade pagã.
Se ela o fizer, não apenas
com uma fria correção jurídica, mas com as delicadezas minuciosas de um amor
filial para com a Igreja, ela terá vencido logo ao nascer, a maior tentação que
se encontrará em seu caminho, e terá conquistado imediatamente a alma
brasileira.
Se ela não o fizer — quod Deus averdat
— a Igreja nem por isso morrerá. Mas o Brasil?