O
comum das pessoas se divide em duas categorias. Algumas, têm suas qualidades
pessoais escondidas atrás de uma aparência desfavorável e até rebarbativa. Como
um tesouro oculto, estas qualidades ali permanecem a vida inteira, franqueadas
apenas aos observadores perspicazes que saibam distinguir, na ganga, os rápidos
e inconfundíveis lampejos do ouro de lei. Outras, pelo contrário, têm todas as
suas qualidades à mostra, e seu valor se impõe à admiração de quem com elas
trata, por pouco que exercitem suas faculdades de observação.
Não
pertence nem a uma nem a outra categoria o novo Arcebispo de São Paulo. Ele é
das pessoas raríssimas e privilegiadas, cujas
qualidades não estão apenas franqueadas à apreciação de qualquer observador de
mediana argúcia, mas que se poderiam dizer em certo sentido clamorosas, porque
transluzem com tanta evidência, que chamam a atenção até mesmo dos que dele se
aproximam sem o menor intuito de o observar. Suas qualidades não são simplesmente
acessíveis ao observador: são conquistadoras e o tomam de assalto de tal modo
que ele se sente subjugado, antes mesmo de ter pensado em fazer qualquer
observação psicológica.
Um
rápido exame de sua vida no-lo prova à evidência.
* * *
Em
1935, São Paulo se habituou prontamente ao seu novo Bispo Auxiliar, de porte
fidalgo, de maneiras afáveis e paternais, de trato invariavelmente suave e
atencioso, que tão bem quadrava dentro da moldura de ouro na qual os paulistas,
cheios de admiração, contemplavam com enlevo a figura majestática do grande Dom
Duarte. Na magnificência das grandes cerimônias litúrgicas,
no decoro muitas vezes esplêndido das solenidades
oficiais ou de certos acontecimentos sociais, a figura do novo Bispo Auxiliar
se tornou dentro em breve de tal maneira central e necessária que sua ausência
constituía uma diminuição e sua falta uma lacuna insubstituível.
A
essa impressão que desde logo se transformou em torno do jovem Bispo em uma
aura de popularidade, outras se foram somando.
Em
primeiro lugar, sua infatigável operosidade. Quem conhecesse a sua diminuta
sala de audiências na Cúria Metropolitana e a visse regurgitando de elementos
os mais heterogêneos, desde a humilde Religiosa de um dispensário de bairro,
até o grande intelectual, grande industrial ou grande banqueiro de nosso alto
mundo, teria uma idéia da multiplicidade e prolixidade dos assuntos
constantemente levados à sua consideração. A cada um destes assuntos, o
Auxiliar de Dom Duarte consagrava uma atenção meticulosa e completa. Tinha,
ainda, bastante ânimo para dar a cada visitante alguns minutos de palestra
geral, em que não deixava jamais de se inquirir de sua saúde e dos seus, de
seus assuntos mais caros, etc. E, quando entrava o outro visitante, a mesma
calma a mesma atenção benevolente, o mesmo acolhimento carinhoso era dispensado
e isto até que, não raramente, as audiências se prolongassem até o cair da
tarde.
Com
a pasta cheia de papéis e acompanhado daquela figura inseparável da sua, e que
é a de seu dedicadíssimo e estimadíssimo Secretário, o Bispo Auxiliar rumava
então para o Seminário, onde jantava e começava a atender outra vez a pessoas
que o procuravam.
As
audiências da tarde eram, nos seus hábitos, as audiências dos casos
“encrencados”. Conversas longas, em geral com dirigentes das iniciativas
católicas de maior relevo, em que eram traçados planos, examinados problemas e
assentado diretrizes de longo alcance. Vinha, finalmente, o período do estudo e
da correspondência. Depois a oração. E, não raramente, quando o Bispo Auxiliar
ia dormir, estava mais fatigado do que grande número de operários. “Servus servorum Dei” no sentido mais estrito da palavra, tendo
aberto seu dia pela oração, tendo-o preenchido inteiro no “serviço dos servos
de Deus”, e tombando exausto para um sono breve e sempre inferior às suas
necessidades.
A
operosidade do Bispo de Barca, entretanto, não se manifestava apenas no tão
extenuante serviço de Cúria. Além da ministração
assídua dos Sacramentos que só podem ser dispensados por um Bispo, além das
visitas pastorais e canônicas, além da presença constante às solenidades oficiais de relevo, além do cumprimento
exatíssimo de todos os deveres de cortesia, o novo Bispo Auxiliar tinha tempo –
e era o melhor de seu tempo – para delinear novos planos de apostolado, aos
quais se consagrava com ardor todo evangélico.
Entre
estes planos, quais acentuar? Entre tantas realizações, qual pôr em relevo? De
Pio XI, disse-se que era o Papa das Vocações, o Papa da Ação Católica, o Papa
das Missões, o Papa das Encíclicas, e com tudo isto não se compendiou seu
pontificado inteiro. Dom José está nas mesmas condições. Foi o Bispo das
Vocações, o Bispo da Ação Católica, o Bispo do Rádio e da Imprensa, e com tudo
isto não se terá compendiado toda a sua atividade.
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A
tentação de escrever artigos excessivamente longos é a pior tentação técnica do
jornalista.
Não
posso, entretanto, deixar de pôr em relevo uma característica do novo
Arcebispo. É a harmonia dos contrastes que nele se encontram.
Fidalgo
de porte e de maneiras, ninguém, entretanto, tem para com o operário palavras
que lhe vão mais diretamente ao coração, ninguém zela mais por ele, e ninguém
tem um mais ardente zelo por seu bem-estar.
Suave
e pacífico em extremo, teve, entretanto, gestos de energia que deixaram surpresos
quantos os observaram.
Operoso
quase até a temeridade, tem entretanto uma calma interior que se irradia sobre
todos os que o rodeiam.
Muito
conservador por índole e por convicções, ninguém mais do que ele tem o espírito
aberto às inovações justas, principalmente no que se refere ao Apostolado.
Muito
reservado por hábito e por temperamento, ninguém sabe dispensar aos amigos uma
mais suave e jovial intimidade.
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Não
seria, pois, necessária qualquer explicação para a alegria verdadeiramente
explosiva que se apoderou de São Paulo no dia 1º, quando o Rádio
noticiou a nomeação do Ex.mo Rev.mo Sr. D. José Gaspar de Affonseca
e Silva para o sólio Arquiepiscopal.
A
essa alegria, o “Legionário”, que sempre teve nele um apoio precioso e mais do
que isto um amigo paternalmente solícito, se associa com a abundância de
sentimentos que facilmente se pode imaginar.