Principalmente na época em que vivemos penso que não deve haver, para o
católico, preocupação mais viva e mais constante do que o incessante revigoramento dos laços espirituais que o prendem à Santa
Igreja.
Disse Santo Agostinho que ninguém pode ter a Jesus Cristo como Pai se não tiver a
Igreja como Mãe. A medida de nossa união com Cristo se calcula pela medida de
nossa união com a Igreja. Se, de acordo com a parábola da vinha, o fruto que
produzirmos na ordem sobrenatural e espiritual está na proporção de nossa união
com Cristo, está também, implicitamente, na proporção de nossa união com a
Igreja Católica.
Ora, para um católico, não é suficiente que essa união se traduza na crença
em algumas verdades de Fé e na prática de alguns Mandamentos. Ou ela é inteira,
ou não existe.
No entanto, não é difícil verificar como o mundo, o demônio e a carne
conspiram, em nossos dias, para destruir essa união sobrenatural. E quando não
a conseguem destruir, ao menos sua conspiração se volta para o objetivo de a
debilitar de todos os modos possíveis, com o intuito de desferir contra ela,
mais cedo ou mais tarde, um golpe mortal.
A todos estes perigos, o católico não deve opor uma atitude simplesmente
minimalista. Pelo contrário, longe de se contentar em se manter dentro dos
limites mais largos da ortodoxia e constantemente debruçado sobre o muro
divisório que o resguarda do abismo da heresia, deve ele timbrar em tornar cada
vez mais íntima tal união com Cristo. E, evidentemente, para isto não pode ser
suficientemente recomendada a prática espiritual consistente em aproveitar
todas as ocasiões para intensificar em nós o amor à Santa Igreja.
E, como o presente Concílio nos oferece para tanto uma preciosa
oportunidade, não deixaremos de a utilizar meticulosamente.
* * *
Disse alguém, não sem espírito, que o Brasil é um deserto de homens e de
idéias. Graças a Deus, entretanto, o presente Concílio constitui para essa famosa
afirmação um desmentido irrefutável. Efetivamente, o que é ele senão uma
imponente assembléia de homens do maior valor, que consagram todo o brilho de
sua inteligência, todo o tesouro de sua experiência e todo vigor de sua vontade
ao serviço de uma idéia, de uma grande idéia, da única idéia que — contendo,
como contém, a Verdade — sabe suscitar e pode merecer a oblação de tão
inestimáveis oferendas espirituais?
O “Legionário”, levado pelo legítimo incondicionalismo
de seu devotamento à Santa Igreja, jamais
descambaria, entretanto, para o terreno da louvaminhança
convencional e oficiosa que parece hoje mais do que nunca ser a praxe do
jornalismo no mundo inteiro. A Igreja não precisa e não quer tais recursos de
apostolado. Não precisa deles porque sua divindade se provaria cabalmente,
ainda mesmo que os dignitários da Hierarquia Eclesiástica deste ou daquele país
não merecessem louvores hiperbólicos. Não os quereria, porque a insinceridade
não é arma de combate tolerada pela Verdade, e Aquele que é a Luz do mundo não
precisa de artifícios insinceros para darem testemunho dEle.
Não é, pois, o desejo de fazer um elogio
de encomenda, que ninguém solicitaria e ninguém apreciaria, que nos move a
fazer este comentário. Mas a verdade aí está a nossos olhos, e nossa tarefa
consiste apenas em chamar para ela a atenção de todos.
* * *
Independentemente de qualquer consideração política ou de qualquer
preferência por esta ou aquela forma de governo, todos os brasileiros trazem de
um longo passado uma penosa tradição sobre o sistemático insucesso da administração pública na solução de muitos problemas
sociais ou econômicos. É possível que esta ou aquela alteração constitucional,
ou a ascensão ao poder deste ou daquele homem tenha trazido neste ou naquele
período alguma melhoria sensível em nossa vida administrativa. Isto não
obstante, as dificuldades com que o aparelhamento
administrativo do Estado esbarra a todo o momento são tais e tantas que ainda
mesmo dentro de um grande apreço a esforços oficiais, se poderia freqüentemente
afirmar a incontestável superioridade das iniciativas particulares sobre as do
Estado, em muitos empreendimentos de interesse público.
Sem falar em outras questões, e sem lembrar o delicado problema do Lloyd Brasileiro, basta fazer um confronto entre a
Companhia Paulista de Estradas de Ferro e a Estrada de Ferro Central do Brasil,
para impressionar a este respeito qualquer observador. O que de esforços pertinazes,
de programas novos e de reformas regulamentares se tem feito para remediar à
desastrosa situação da Estrada de Ferro Central do Brasil? E, no entanto, não
está aí bem patente aos olhos de todos a desproporção entre os esforços
noticiados e os resultados obtidos?
Evidentemente, estes insucessos têm causado uma situação de desânimo e
de abatimento que, na psicologia charlatanesca que
por aí corre, se chamaria facilmente “um complexo de inferioridade”. Esse
pessimismo preliminar e inicial, que acolhe todas as medidas de envergadura
emanadas da administração pública, é um dos tropeços mais fortes que um
reformador de boa vontade poderia encontrar em seu caminho. E força é convir
que as aparências são tais e tantas que dificilmente este “complexo” se poderia
remediar.
Exatamente o modo pelo qual a opinião pública acolheu a “blague”,
segundo a qual somos “um deserto de homens e de idéias”, é um índice expressivo
desse pessimismo multiforme que nos infesta. O remédio, entretanto, não
consiste na difusão de um otimismo oficial e de encomenda. Sejamos positivos. O
mal existe. Sua debelação está necessariamente subordinada à debelação de sua
causa. E é para este ponto que devemos voltar nossos olhares os mais atentos.
Para isto, o Concílio nos oferece uma oportunidade excelente.
Dizer-se que o Brasil é um deserto de homens e de idéias, equivale a dizer que está povoado de homens sem idéias, que
por isto mesmo não são verdadeiramente homens.
Infelizmente, esse pessimismo negro chega às vezes a um ponto
tal que, ligando-se a doutrinas materialistas, engendra a balela monstruosa do
brasileiro racialmente inferior, irremediavelmente medíocre, condenado até à
consumação dos séculos a fazer parte de uma espécie de sub-humanidade,
segundo degrau do gênero humano, para o qual caem de quando em vez, e são
avidamente recolhidas, as migalhas parcimoniosas do festim de espírito e de
riqueza dos povos fortes. De sorte que o fruto de tudo isto seria um doloroso
cruzamento de braços, indolentemente feito sobre os escombros de nossas
ambições, enquanto de nossos lábios desiludidos partiria a famosa cançoneta,
hoje um pouco antiquada:
“Eh, vida malvada,
“Nem dianta fazer nada
“Pra que trabalhar?
“Nem dianta a gente se esforçar”!
* * *
Realmente, das muitas mazelas que nos afligem, voltemos os olhos para o
Episcopado Nacional e contemplemos seu valor e suas obras. Através desta
contemplação poderemos ver facilmente o que pode o Brasileiro quando vivificado
e transfigurado por uma grande idéia.
Para evitar o terreno ingrato dos elogios pessoais, falemos
coletivamente do Episcopado, sem destacar em suas fileiras as figuras mais
salientes.
A grandeza dos homens se mede pelo valor de suas obras. E, através deste
padrão, a grandeza do episcopado brasileiro constitui certamente o mais
legítimo florão de nossa História contemporânea.
Como bem lembrou S.Ema o Cardeal
Legado, em 1890 eram 11 os Bispos do Brasil. A
religião, apresentada pelos meios de difusão da imprensa como uma tradição
venerável que se estiola e que de um dia para outro será apenas lembrada nos
museus, sofria evidentemente de uma asfixia de que a “questão religiosa” é um
índice muito expressivo. Nas classes intelectuais, [...] inoculavam o vírus da
impiedade em larga escala. No setor econômico, nossa independência murchava dia
a dia mais, e a queda da monarquia teve, a este respeito, um sentido
catastrófico que os historiadores contemporâneos já começam a perceber com
nitidez. E o que sobretudo importa a nosso caso é que nossa independência era
transferida para mãos alheias que, manejando os cordéis de nossa bolsa, tinham
implicitamente em mãos, e não raro, as rédeas de muitos de nossos
acontecimentos políticos. Finalmente, a americanização
dos costumes que veio depois, arrancando nossas tradições e desfigurando nossa
vida doméstica, matava um passado que estava impregnado de nossa mentalidade e
de nossa Fé. A tal ponto que, do alto das cátedras universitárias, em São Paulo
como no Rio ou em Recife, não faltava quem proclamasse bombasticamente a ruína
do Catolicismo no Brasil.
* * *
Contra um tal acúmulo de catástrofes, o que fez o Episcopado? Rezou e
trabalhou. Ou melhor, rezou, trabalhou e venceu.
Efetivamente, hoje em dia as instituições
políticas caíram, o cenário político do país se transformou, um imenso ciclone
espiritual se desencadeou sobre o mundo inteiro, a corrupção dos costumes
atingiu seu paroxismo, todas as forças conjuradas em pavorosa tempestade
assediaram a Igreja no mundo inteiro, e a açoitaram furiosamente no Brasil. E
hoje, 50 anos depois, a Hierarquia Eclesiástica a bem dizer decuplicou o número
de seus membros, havendo mais de 100 Bispos no Brasil. De um lado, no interior
de nossas missões, novos “Anchietas” dão origem a
novas Cristandades, estendendo em nossas selvas o
reinado pacífico e glorioso da Esposa de Cristo. E, do outro lado, no âmago das
grandes cidades, como no mais afastado dos lugarejos civilizados, as
organizações católicas se espraiam pujantes, contando em suas fileiras não
apenas os anciãos cuja Fé resistiu a todos os vendavais, nem só os homens de
idade madura que educam em suas famílias o Brasil de amanhã, mas ainda uma
mocidade vigorosa e enérgica que é capaz de transformar o próprio Brasil de
hoje. Tudo isto sem falar em uma infância esperançosa, que terá, no exemplo dos
moços, um estímulo para a virtude que os moços de hoje raramente tiveram quando
foram meninos...
Tudo passou, tudo caiu, tudo se transformou. E a Igreja? A Igreja não se
limitou a resistir. Ela cresceu na tempestade e hoje canta o “Te Deum” de seu grande progresso, pela boca de seus Bispos,
reunidos em conclave, à sombra de São Pedro, que até aqui se projeta na pessoa
do Legado Pontifício.
* * *
No silêncio, e às vezes no esquecimento geral, o Episcopado lutou, agiu,
sofreu e, sobretudo, orou. No momento em que um balanço geral se impõe, vemos a
messe que se apresenta carregada de espigas e de grãos.
Não é este o melhor elogio dos pastores através dos quais agiu o Divino
Pastor?