No momento em que se iniciam os trabalhos do
Primeiro Concilio Plenário do
Episcopado Brasileiro, não poderia o “Legionário” deixar de consagrar algumas
linhas àquele grande acontecimento. Pondo, pois, de lado o assunto que vínhamos
tratando em artigos anteriores, voltemos hoje nossa atenção e nosso coração
para a grande assembléia em que os
Príncipes da Igreja no Brasil, postos pelo Espírito Santo à testa de nossa vida
religiosa, deliberam sobre os mais graves interesses do País.
* * *
Para qualquer católico bem formado, a primeira
impressão que o Concílio oferece é de grandeza e majestade. E a primeira causa
dessa impressão resulta da relevância dos assuntos que ali vão ser
tratados.
É obvio que, durante o Concilio, serão discutidos e resolvidos os principais
problemas concernentes à conservação, intensificação e extensão da Fé católica
em nosso País.
Ora, como os problemas concernentes à missão da Santa
Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo transcendem incomensuravelmente em
importância a quaisquer problemas políticos, sociais ou econômicos, pois que
não há problemas que se possam comparar em relevância e gravidade aos que se
relacionam com a maior glória de Deus e
salvação das almas, nada pode haver de
mais importante, no momento, para o País, do que o Concilio Plenário que ora se
realiza no Rio de Janeiro.
Todo o católico deve, nestes dias, fazer um sério
esforço interior no sentido de compreender bem estas verdades e sobretudo de as
compreender não só com a inteligência
mas ainda com o coração. Compreendendo a importância do Concílio, não poderá o
católico deixar de rezar ardentemente pelo seu êxito perfeito. E, assim, terá
cumprido o dever que o momento lhe impõe.
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Acabamos de mostrar que o primeiro título de
grandeza do Concílio está no caráter divino dos interesses de que ele tratará.
Afirmando essa inegável primazia do espiritual na obra que o Concílio vai
realizar, não podemos, entretanto, ignorar ou diminuir o alcance temporal
daquela grande assembléia.
Estamos atravessando uma época de um nacionalismo à outrance.
Não será supérfluo, pois, que provemos que, ainda mesmo sob o ponto de vista
temporal, a tarefa do Concílio ocupa, no conjunto dos interesses pátrios, uma
posição de relevância inigualável.
Na ordem meramente política, a mais importante
preocupação de um país deve consistir em manter sua existência. A defesa da
soberania nacional é, evidentemente, o primeiro dos deveres puramente
patrióticos.
Mas há dois modos, para um país, de perder sua
existência. O primeiro é quando ele perde sua alma. O segundo quando perde seu
território. Ha países que existem no
mapa político contemporâneo como meros
vestígios do que foram outrora. É este, por exemplo o caso de Grécia e
do Egito. O Egito ocupa o mesmo território do império dos Faraós, é habitado
pelo mesmo povo, tem ampla soberania política e, no entanto, ninguém ousaria
afirmar que é o mesmo Egito de Ramsés II. Porque alguma coisa morreu ali, que talvez jamais poderá
renascer: é a alma nacional do povo egípcio. A Grécia também ocupa o mesmo
território, é habitada pelo mesmo povo, e goza de uma unidade política que ela
não chegou a conhecer, como nação independente, nem sequer no século áureo de Péricles. E, no entanto, é certo que a Grécia de hoje não é a
mesma Grécia de Aristóteles e de Platão. O que morreu na Grécia? A alma nacional.
Ressuscitará ela algum dia? Mistérios da Providência... que só a Providência
poderia desvendar.
Outros povos houve que perderam inteiramente sua
soberania temporal. Mas a alma nacional se conservou intacta durante a longa
opressão sofrida pelo corpo da nação, que é o território. E, apenas
reconstituído o território independente por qualquer acontecimento político, a
nação se reergue íntegra de sua morte aparente, como se jamais tivesse deixado
de viver. É este, por exemplo, o caso da Polônia retalhada, martirizada, ensangüentada e dividida por inimigos externos. Durante todo o
tempo da opressão, ela conservou íntegra e vivaz a alma nacional. É a Polônia
cuja independência foi sacrificada outrora pelo jogo implacável das ambições
políticas.
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Usamos a expressão “alma nacional”. Evidentemente,
trata-se de uma metáfora destinada a designar um conjunto de disposições
psicológicas que existem em todos os indivíduos de uma mesma nação e que
constituem, pois, a característica psicológica da própria nação.
Essas disposições psicológicas engendram costumes,
sistemas artísticos e instituições políticas impregnados a fundo da psicologia
nacional. Alterada esta, a vida artística, social, cultural e política se
alterará inelutavelmente. E no dia em que a alteração tiver sido completa, a
nação terá perdido, até certo ponto, a identidade consigo mesma.
Evidentemente, um povo não troca
de mentalidade impunemente, como um homem troca de camisa. Em geral, cada povo
tem uma missão histórica para a qual o mesmo foi dotado pela Providência de uma
estrutura psicológica particular. Sempre que a psicologia nacional se encontra
na linha do progresso da estrutura psicológica do País, este estará em rumo
ascendente. Sempre que, pelo contrário, a alma nacional evoluir em sentido
oposto à sua vocação e à sua estrutura psicológica, o declínio será inevitável.
A Grécia, por exemplo,
teve uma missão histórica muito pronunciada no domínio da inteligência. Basta
ler-se a Suma Teológica, para se ter uma idéia disto. Os desvios morais de toda
a espécie afastaram a Grécia pagã dessa tarefa à qual correspondia tão bem a
estrutura do gênio helênico. Realmente, todos os recursos desse gênio passaram
a ser consumidos em pequenas lutas intestinas
impregnadas do mais deplorável odor de decomposição moral. Cristianizada, a
Grécia poderia ter retomado a sua linha
ascendente. Mas o mesmo espírito de divisão e de intriga, ao qual ela
sucumbira antes de ser evangelizada, se apoderou novamente dela e a atirou no
abismo de um cisma religioso profundo. Os resultados aí estão e dispensam
quaisquer comentários.
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A Fé católica longe de suprimir as características
da psicologia nacional de cada povo, as acentua.
A razão disto é simples. Todos os povos foram
criados por Deus, e as qualidades nacionais não são senão dons naturais que
Deus lhes fez. Ora a Igreja acrescenta aos dons naturais os dons sobrenaturais.
A ação dos dons sobrenaturais não destrói os dons
naturais, porque a graça não destrói a natureza. Pelo
contrario, a graça eleva e aperfeiçoa a natureza. E por isto uma nação não pode
jamais explicitar tanto sua própria psicologia, quanto saturando-a
profundamente de espírito católico.
A Europa medieval, tão profundamente católica, é um
exemplo típico disto. Na unidade da civilização católica, quanta variedade de
formas de governo, de instituições econômicas e sociais, de manifestações
artísticas e de costumes domésticos! E quanta harmonia na inexaurível riqueza
destas diversidades!
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Não se diga que a pregação da Fé Católica, tendo
este dom de aguçar as características virtuosas da psicologia
de cada povo, acentua a diversidade entre elas e os atira todos, uns contra os
outros.
Os dons naturais de cada povo, quando utilizados
conforme a doutrina católica, completam os dos outros. E esta diversidade de
povos, impondo entre eles uma fraternal colaboração, faz nascer uma admirável
harmonia, que é tanto mais sensível quanto mais profundas forem as diversidades legítimas. Assim como o encanto da música
nasce da diversidade dos sons, assim também a harmonia do convívio
internacional dos povos da Cristandade deve nascer das diversidades
que entre eles se notam.
Há, pois, uma diferença substancial entre o
nacionalismo católico que tende para a paz, a colaboração e a harmonia dentro
da Caridade, e o nacionalismo pagão agreste, guerreiro e sanguinário.
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Cumpre acrescentar que quando uma nação se afasta
da Santa Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo, ela rompe com a graça e viola a
fundo sua própria natureza. Tal nação poderá ainda, sem dúvida, enriquecer-se e
dilatar seus domínios. Mas será um crescimento puramente corporal. A alma da
nação voltará à Casa Paterna, para não perecer de miséria e de fome.
Na Inglaterra, por exemplo, nota-se uma dualidade de espíritos. De um
lado o espírito egoístico, interesseiro, calculista,
friamente dominador, que todos conhecem. Este espírito tem íntima afinidade com
o que parece arrastá-la através de um liberalismo exacerbado até às raias do
socialismo de Estado o mais cru, a débâcle social completa.
Do outro lado, há um espírito tradicionalista,
digno, correto, que infelizmente, vive muito mais de formas e de tradições
materiais do que de realidades psicológicas.
Este segundo espírito é um resto de perfume
católico que sobrou na Inglaterra de hoje, que é apenas semi-cristã,
se tanto.
No fundo de todo o tradicionalismo inglês, há uma confusa nostalgia de Roma,
uma saudade da unidade universal que reside no Vaticano, o sentido doloroso mas
imensamente real de que, neste passado já longínquo ao qual os ingleses se
apegam obstinadamente, havia tesouros espirituais que eles perderam, e cuja
ausência eles lamentam sem saber exatamente porque.
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A verdade do que afirmamos acima é muito patente no
Brasil. Queremos um Brasil verdadeiramente brasileiro? Façamos dele um Brasil
verdadeiramente católico. Queremos matar a própria alma do Brasil? Arranquemos
a sua Fé.
Onde, nas grandes cidades brasileiras, vive hoje o
verdadeiro Brasil? Nas casas de diversões onde se tomam bebidas americanas, se
dançam danças semi-africanas, se ostentam decotes de
Paris e se discutem romances ou filmes estrangeiros? Não, não é neste ambiente
que apostatou da Igreja que sobrevive o Brasil.
Como, pelo contrário,
o Brasil autêntico, o Brasil verdadeiramente brasileiro ainda vive e vibra no
coração abnegado das mães que não aderiram ao modernismo, dos chefes de família
que levaram uma mocidade casta e talvez virginal, dos filhos que sabem
respeitar seus pais porque sabem ser dóceis à voz da Igreja; no coração dos
militares que católico tem de comum com Caxias, não apenas a farda mas a Fé; no
coração sobretudo dessa legião de Sacerdotes abnegados que desenvolvem no
Brasil a semente espiritual que Anchieta plantou.
Será necessário dizer mais para demonstrar a grandeza histórica da obra à qual se consagra o atual Concilio?