Mostrei, em meu último artigo, que os erros
geralmente existentes a respeito das relações entre a Igreja e o Estado, quer
estes erros consistam em estender, quer em reduzir exageradamente
o papel da Igreja, são causados sempre pelo naturalismo.
É óbvio afirmar que esse naturalismo não paira nas
regiões siderais das meras concepções doutrinárias e que serve, em geral, de
capa para sentimentos menos confessáveis! Muitas vezes, vemos pessoas pusilânimes
externarem doutrinas naturalistas, segundo as quais o papel da Igreja
consistiria em atuar apenas portas a dentro dos edifícios do culto; no entanto,
este naturalismo de encomenda não é senão um pretexto cômodo para encobrir a
covardia dos que o alegam. Quantas vezes, ainda, vemos certos gaviões da
politicagem ostentarem uma rubicunda convicção de que a Igreja deve ter, em
questões não apenas espirituais, mas ainda políticas (“políticas” com “P” minusculíssimo), uma extensíssima
ingerência; e no entanto esse ponto de vista naturalista que tenta arrancar à
Igreja a sua esfera espiritual para atira-la ao campo inferior dos problemas
temporais, disfarça apenas a ambição de se servir da Igreja como escada e
instrumento.
* * *
O “Legionário” é um semanário que se dedica, por
enquanto, principalmente a obra de aperfeiçoar a formação dos católicos que já
se elevaram a certo grau de fervor. Como tal, não tenho o propósito de combater
nestas colunas os erros extremos que existem neste assunto.
Os (...) totalitaristas
da pseudo-direita e os seus sósias da extrema
esquerda pretendem reduzir a Igreja a mera função de organizadora de novenas.
Os anglicanos, pelo contrário levam tão longe a ação temporal de sua igreja,
que transformam os seus pastores em meros funcionários incumbidos de mil
tarefas alheias ao culto como, por exemplo, de combater a febre aftosa de gado, explicando durante os ofícios religiosos os
melhores meios preventivos ou curativos contra o mal.
Claro está que a generalidade de nossos leitores não
professa nem esta forma maximalista, nem aquela atitude minimalista inspirada
no naturalismo.
O que,
portanto, cumpre sobretudo apontar neste artigo é uma serie de opiniões
intermediárias entre esses erros radicais e a verdade plena. O simples enunciado
de tais erros mostra a gravidade dos inconvenientes de ordem
prática que daí decorrem. E isto nos permitirá avaliar em toda a sua
importância as resoluções do Episcopado Argentino sobre “Apostolado e
Política”, que publicamos em nosso último número e nos propusemos
comentar.
* * *
Diga-se preliminarmente que, entre os católicos
brasileiros, a tendência mais corrente consiste em um naturalismo minimalista,
que constitui uma reminiscência ainda vivaz do indiferentismo que D. Vital e depois dele Jackson de Figueiredo combateram.
Nossos avós achavam que o católico pode ser
indiferente, (...) liberal etc., contanto que assistisse pontual e assiduamente
as cerimonias religiosas da respectiva irmandade. Certos católicos de hoje,
dentro de um estado de espírito igual a
esse, acham que podem ter em matéria de economia, de política, etc., a
orientação que bem entenderem, continuando a ser bons católicos se freqüentam
assiduamente as igrejas.
Evidentemente, tais pessoas, sempre que se trata de
uma intervenção da Igreja nos assuntos acima, toleram a custo ou mesmo se
revoltam explicitamente contra ela. E o pretexto clássico de tais revoltas é
que a Igreja está interferindo em
questões alheias à sua alçada.
Muitas vezes, esta má fé se entrincheira em um
inexplicável cipoal de subtilezas a respeito das
intervenções eleitorais dos católicos, servindo-lhes qualquer atitude mais enérgica
destes últimos de pretexto para afirmar que eles estão tendo ação partidária, e
portanto alheia.
* * *
O documento dos Bispos Argentinos repudia, como é
natural, esta mentalidade rançosa e estreita.
Pio XI escreveu certa vez
aos Bispos Argentinos que a Ação Católica deve intervir na política sempre que
tiver algum interesse relacionado com ela. E como as escolas, o trabalho, a
família e mil outros terrenos de transcendental importância para a Ação
Católica se encontram sob a dependência da legislação do parlamento, a Ação
Católica deve estraçalhar resolutamente as teias de aranha doutrinárias que
coarctavam sua ação, e intervir resolutamente nas feituras das leis.
Por isto o Episcopado Argentino indicou à Ação
Católica uma dupla ação: 1)
enumerar alguns projetos de lei em estudo no Parlamento que deverão ser por
este aprovadas mediante pressão da A.C., no Parlamento; 2) desenvolver uma
intensa campanha no seio da opinião pública, a fim de a por em pé de guerra
contra os inimigos das reivindicações sociais católicas que existem no
Parlamento.
Com isto, na Argentina, a intervenção da opinião católica na vida pública
passará a ser doravante sustentada e penetrante, estendendo-se desde o âmago
das comissões legislativas do Congresso Federal e dos Congressos Provinciais
até a praça pública.
Não pára aqui, porém, a atividade da Ação Católica
Argentina, segundo as diretrizes do Episcopado. Além disto, ela se situa no
foco dos mais ardentes e intrincados problemas contemporâneos, e ali intervém
marcando os rumos da civilização americana por meio de um combate decisivo ao
totalitarismo, o que no próximo artigo analisaremos.