Legionário, N. 352, 11 de junho de 1939

Nacionalismo às avessas

 

(...) Os que crucificaram Nosso Senhor Jesus Cristo não sabiam que suas crueldades, seu ódio cego e sua implacável perfídia concorriam para o cumprimento das profecias referentes ao Redentor.

Os inimigos hodiernos da doutrina católica, incapazes (...), por uma corrupção intelectual e moral, (...) de compreender a Igreja Católica, não percebem que todos os ataques que dirigem contra esta constituem uma confirmação indireta da divindade de nossa Religião.

Efetivamente, a identidade entre a História da Igreja e a da vida terrena de Nosso Senhor Jesus Cristo é frisante, e atesta, de modo iniludível, que a Igreja é o próprio Corpo Místico do Divino Redentor.

Nosso Senhor Jesus Cristo veio derrotar o Príncipe das Trevas, e toda a Sua vida terrena foi uma luta triunfal contra o demônio. Pois a este próprio Cristo alguns adversários tiveram a audácia de chamar de agente de Satanás.

Assim também, toda a ação da Igreja Católica nos séculos XIX e XX foi uma luta inflexível e heróica contra os agentes da dissolução da civilização contemporânea: o liberalismo, o socialismo, o comunismo e o internacionalismo. Como inimiga desses abomináveis ideais, foi ela apontada à execração das massas, e perseguida através de uma longa via dolorosa, que ficou cheia de sangue dos mártires trucidados pelas esquerdas, desde os de l789 até os nossos dias. Pois é essa mesma Igreja, que foi o único baluarte da humanidade contra a ação diabólica da Revolução, que é hoje atacada pelas pretensas direitas, como aliada do comunismo, do socialismo, do liberalismo e até do internacionalismo.

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Estas reflexões nos vieram à mente a propósito da campanha nacionalista que se está promovendo entre nós.

Em pleno apogeu do liberalismo, quando os sonhadores republicanos de nossa Pátria imaginavam uma humanidade futura em que todos os homens, livres e iguais, suprimissem todas as fronteiras territoriais, unificando o mundo em uma imensa república (...), a Igreja é o único ponto de resistência do verdadeiro nacionalismo. A República conheceu, é certo, algumas campanhas de larga envergadura a favor do nacionalismo. Mas, em geral, tratava-se de um nacionalismo de fachada, poético e declamatório, que interessava durante algum tempo nossas “elites” displicentes, e que desaparecia, depois, sem deixar vestígios. Na estagnação moral e intelectual da 1ª República, bem como no caos bolchevisante da 2ª, não teve o internacionalismo de sabor liberal e dissolvente um inimigo mais constante, mais assíduo, mais tenaz e mais eficiente do que a Igreja Católica.

Efetivamente, de um lado a Igreja pregava a legitimidade absoluta da existência de Pátrias nitidamente demarcadas uma das outras, e sujeitas a governos soberanos. De outro lado, defendia ela a moral católica, na qual se plasmou a verdadeira fisionomia mental de nosso povo, e, nessa obra de preservação moral impedia ela que o Brasil se desnacionalizasse inteiramente pela influência dos costumes modernos, da mentalidade cinematográfica e desabusada do paganismo yankee, e do pedantismo intelectual da cultura européia decadente. Finalmente, a Igreja reunia pacientemente, laboriosamente, diligentemente, em todos os recantos do país, os tesouros artísticos do nosso passado, conservando-os carinhosamente enquanto ninguém com eles se importava. E isto de tal sorte que, se inegavelmente muitos tesouros religiosos se perderam, ainda foi a Igreja quem conservou melhor as relíquias do passado confiados à sua guarda. As que estavam sob a custódia do estado desapareceram quase completamente. E o mesmo se deu com as que estavam em mãos de particulares.

Não contente com tudo isto, a Igreja ainda desenvolvia um ardente esforço missionário em nossas selvas, no sentido de salvar as almas dos indígenas e de os incorporar à nossa civilização, contribuindo, pois, de modo poderoso, para o desbravamento de nosso mais profundo sertão, e concorrendo assim para dilatar os limites, se não do Estado, que já estavam fixados, ao menos da civilização brasileira.

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Enquanto agia assim a Igreja, o que fazia o Poder Temporal?

Despreocupado com os legítimos interesses do povo, admitia ele, sem critério nem discernimento, imigrantes provenientes de todas as partes do globo, com a exclusiva preocupação de explorar quanto antes as riquezas de nosso solo e de nosso subsolo. Os erros evidentes dessa política imigratória tumultuária, que arrebanhava sofregamente elementos estrangeiros para os atirar no sertão, foram evidentes. Desde hindus até lituanos, desde bessarábios até japoneses, tudo foi importado sem discernimento nem prudência, o que ocasionou a formação de problemas étnicos com que o Estado não se preocupava. O resultado foi que, se por um lado alguns elementos como os lituanos se mostravam francamente aproveitáveis, outros, como os bessarábios, só nos deram dissabores e desilusões, forçando nosso governo a recambiá-los para o exterior, com graves prejuízos para nossa economia.

Finalmente, o Estado, não contente em transformar o Brasil em uma nova Babel, permitiu que os estrangeiros assim importados se fixassem em densíssimos núcleos que se transformariam, não raramente, em verdadeiros pontos de desintegração do território nacional.

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Isto posto, não é possível deixar de elogiar a precaução com que elementos de alta projeção na vida política da 3ª República têm empreendido uma vigorosa campanha de nacionalização no Brasil. Essa campanha, desde que saiba fugir sistematicamente aos pruridos de jacobinismo que poderiam torná-la menos razoável, deverá ser apoiada pelos católicos com todas as suas forças. E isto não apenas porque o católico deve ser bom cidadão, mas por que, em via de regra, com as infiltrações políticas dos estrangeiros se formam freqüentemente infiltrações ideológicas totalitárias e pagãs que o Brasil deve repelir com a última e mais extrema energia.

Penso que ninguém, exceto se tiver perdido inteiramente o bom senso, poderá duvidar de que as autoridades constituídas não encontrarão, no Brasil, apoio mais firme e mais seguro para uma campanha de nacionalização sadia e expurgada de pruridos de jacobinismo do que a Igreja Católica.

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À vista de tal situação, como não deplorar profundamente que certos elementos pescadores em águas turvas se empenhem sistematicamente em criar em torno da Igreja, a respeito da campanha de nacionalização, um ambiente de suspicácia e hostilidade?

Concedamos, para efeito de argumentação, que, na aldeola A ou no vilarejo X um ou outro elemento estrangeiro integrado na fileiras católicas tenha uma atitude pouco simpática à campanha da nacionalização. Nesta hipótese, nada há de mais fácil do que levar o caso, respeitosamente, ao conhecimento do Bispo a que esteja subordinada a aldeola, pedindo-lhe que tome as providências que sua sabedoria inspirar. E dentro em pouco, qualquer incorreção terá cessado inteiramente.

Ao contrário disto, o que procuram fazer certos elementos? Publicam nos grandes órgãos diários manchetes escandalosas: “O Pe. X é contra as leis de nacionalização”, segue-se a este título uma longa reportagem que, sob pretexto de atingir apenas o Clero estrangeiro, fere, na realidade, a própria Igreja Católica.

E, ao cabo de algumas reportagens desse gênero, a Igreja Católica, que é o mais sólido esteio que o governo e as classes armadas podem encontrar na luta contra a desnacionalização do País, começa a figurar aos olhos dos leitores como um agente de desintegração da unidade nacional e um perigo para nossa soberania.

Não é bem o caso de Cristo, acusado como instrumento de Satanás?

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O que é mais curioso é que satanás não tinha melhores amigos do que os (...) que acusavam o Divino Redentor de servir o demônio.

É o que acontece entre nós. O verdadeiro patriotismo não tem pior inimigo do que certo nacionalismo anticlerical que começa a se delinear com uma insistência cada vez maior.

Efetivamente, o que pode ser, principalmente no Brasil, um nacionalismo anticatólico? Ninguém poderá deixar de reconhecer que tal nacionalismo seria uma macaqueação ridícula do nazismo. E que, sob pretexto de fazer propaganda antinazista e antitotalitária, tal nacionalismo arvoraria as doutrinas nazistas à altura de credo político oficial do Brasil. De sorte que o Brasil se tornaria oficialmente uma sucursal ideológica de Berlim, e, para o cúmulo de nossa desgraça, teríamos sido cruelmente ludibriados no nosso anseio para a formação de um Brasil autenticamente brasileiro. O século XIX fez do Brasil intelectual uma sucursal da Europa liberal. O século XX faria de nós escravos espirituais da Europa totalitária. E nada mais...