Mostrei em meu ultimo artigo que o Santo Padre Pio
XI, se bem que
compreendesse perfeitamente, como Papa que era, a política de cooperação dos
católicos com todo o elemento de boa vontade situado fora do aprisco da Igreja,
constituiu um modelo insuperável da sabedoria, pela clarividência com que soube
distinguir os homens de boa vontade dos traidores desleais que ofereciam aos
católicos não o auxílio honesto do Cireneu, mas o sorriso falacioso do Simão, o fariseu.
Devo dar hoje mais um exemplo a que já aludi
anteriormente: o da “Action Française”.
* * *
O caso da “Action Française” tem estranhas analogias com o do nazismo. Estas
analogias não são tão notáveis no terreno doutrinário. No que, sobretudo, elas
se patenteiam é na política seguida por ambas para com a Igreja.
Como o nazismo que, aliás nasceu muitíssimo mais
tarde do que a “Action
Française”,
esta corrente monárquica apresentava dois aspectos. Um, público, para efeito de
propaganda. Outro, esotérico, para uso quase exclusivo dos íntimos.
Publicamente, a “Action Française” se apresentava como a paladina da França monárquica, aristocrática, federal e
tradicional, de base profundamente familiar, que a Revolução Francesa derrubou
estúpida e criminosamente. Melhor do que muitos católicos, os dois dirigentes
da “Action Française”, Maurras e Daudet, souberam compreender as instituições maravilhosas da
França do “Ancien Régime”, o
sentido profundamente cristão que as inspirara, a ordem vital e orgânica que
explicava sua aparente desorganização. Por outro lado, compreenderam eles
claramente o que de nocivo havia na Revolução Francesa e no espírito
diabólico que ela disseminara. E traçaram por isto um programa de reconstrução
política da França pelo qual eu, pessoalmente, tenho - sob certos pontos de
vista - a mais viva simpatia.
Assim, pois, a “Action Française” se apresentava aos católicos
praticantes e militantes como a reivindicadora dos
direitos da França tradicional e católica contra a Revolução anticatólica e desnacionalisadora.
E, em torno desse tema central, sua magnífica propaganda eleitoral erguia um
vozerio habilíssimo arrebatado e ensurdecedor que
colocava a opinião católica nessa terrível alternativa: ou a “Action Française” ou
a solidariedade explícita, declarada, confessada, com as forças secretas da
imensa conjuração do demônio contra o Corpo Místico de Nosso Senhor Jesus
Cristo.
Mas... e nesse “mas” vai um abismo, os dirigentes
da “Action Française”
não eram católicos. Eles não criam na veracidade da doutrina da Igreja, nem
sequer aceitavam uma filosofia mais ou menos próxima do tomismo.
Genialmente bem orientados em muitos pontos de política concreta, sua
orientação doutrinária e filosófica era a pior possível. E, enquanto os seus
propagandistas berravam em praça pública que todo católico cem por cento
deveria filiar-se à “Action Française”,
os dirigentes da corrente, em escritos muito menos veiculados pela propaganda
do partido, intoxicavam de princípios errados os seus adeptos.
* * *
Um destes princípios, aliás, era de toda a
evidência. Leão XIII afirmara
categoricamente ser a Igreja indiferente a questões de forma de governo. Com
que autoridade, pois, a “Action Française”
queria impor aos católicos a inscrição nas suas fileiras como condição
indispensável para evitar a apostasia?
* * *
Erram, e erram miseravelmente os que supõem que se
faz política retilineamente, doutrinariamente,
abstratamente, como se defende uma tese em uma academia científica. Esse
processo só é viável para os católicos que, senhores da Verdade inteira e
absoluta, tem uma tática que só os filhos da luz podem ter. E assim mesmo essa
luminosa tática, rigorosamente inspirada no Evangelho, não deve ser
desacompanhada da astúcia da serpente, que o próprio Evangelho recomenda.
A “Action Française” provou claramente que aos filhos das trevas,
outros expedientes táticos convêm melhor. Filha das trevas, a “Action Française”,
com sua habilíssima propaganda, encheu de trevas
doutrinárias de densa confusão de idéias o ambiente francês. A tal ponto que
muitos católicos qualificados - e quais! - se deixaram prender nas malhas do
erro, acompanhando Maurras e Daudet
sem jamais ter feito um estudo sério dos princípios por estes professados.
Contentavam-se com manchetes de jornal, com pedações
de frases pronunciadas em discursos, com impressões pessoais sobre Daudet e Maurras cuja conversão
esperavam a todo o momento... durante anos inteiros.
E enquanto algum católico escrevia contra a “Action Française”,
denunciando seus erros mais ou menos disfarçados, tais correligionários nossos
comentavam com ares de piedade: “coitado ainda está intoxicado de liberalismo!”
ou então “essa incompreensão de nossa situação acabará apartando da Igreja seus
melhores aliados; preferível seria que esse católico fizesse calar sua estreita
intransigência”.
* * *
Não pensou assim o Cardeal-Arcebispo de Lyon. E, tendo feito um estudo não apenas dos “slogans” de
propaganda, mas de toda a doutrina de Maurras e Daudet, provou que:
1) de um lado, as afinidades políticas entre a “Action Française” e
a doutrina da Igreja eram inegáveis;
2) mas que, de outro lado, havia uma insanável
incompatibilidade filosófica e religiosa entre o pensamento dos chefes da “Action Française” e
a doutrina católica, incompatibilidade que, como é claro, se projetava
necessariamente sobre muitos “itens” do programa político da “Action Française”.
A publicação do estudo daquele
eminente Prelado causou uma verdadeira tempestade. Não faltou quem, conquanto
altamente qualificado, dele dissentisse. A imprensa cogitou largamente do assumto. E o Vaticano foi solicitado a intervir.
Como interveio o Papa? Com a esperança de converter
a “Action Française”,
contemporizou ele? Ou, com o receio de permitir a apostasia dos católicos a ela
filiados, condenou ele o movimento? Dos dois sentimentos, qual foi o mais
poderoso em seu coração? O de conquistar novas ovelhas, ou o de conservar as
que já tinha?
Sem vacilação, sem dúvidas, sem hesitações, Pio XI condenou
severamente o movimento, como já narrei em artigo anterior. E com isto rejeitou
a cooperação.
* * *
Agiu bem? Como católicos, vemos evidentemente que
sim. Mas os anti-católicos, como teriam considerado o
fato? Tenho a este respeito o depoimento do próprio Daudet.
Quando lhe perguntavam o que achava da condenação pontifícia, respondeu ele
simplesmente: “Ela deveria ter vindo muito antes”...