Legionário, N.º 347, 7 de maio de 1939

 

COOPERAÇÃO E MISTIFICAÇÃO

Em meu último artigo, acentuei a verdade comezinha de que quanto mais esmerada for a formação e seleção dos membros da Ação Católica, tanto mais esta se poderá dedicar a um apostolado de larga envergadura, cujos efeitos fecundos serão produzidos não apenas pelas qualidades naturais, mas pelas sobrenaturais, que criarão um ambiente propício a um trabalho arrojado e ativo, capaz realmente de atingir as raízes da sociedade.

Esse arrojo, entretanto, se não tiver sua base em uma profundíssima formação, se transformará facilmente em uma estratégia dulçurosa e inócua, que arrastará atrás de si a perspectiva dos mais graves desastres espirituais.

Para se ver como é delicado o assunto, basta lançar rapidamente os olhos sobre o Pontificado de Pio XI.

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Ninguém em nosso século compreendeu melhor do que aquele grande Papa a conveniência de uma colaboração de todos os elementos bem intencionados contra o inimigo comum da Fé e da civilização.

Os princípios funestíssimos da pseudo-Reforma e da Revolução de 1789 produziram, em nosso século, seus mais venenosos e mais amargos frutos. A apostasia das nações ocidentais não acarretou apenas a ruína espiritual, mas intelectual e material de todos os povos do Ocidente, que, desde os maiores aos menores, desde os mais ilustres e mais ricos, aos mais pobres e obscuros, se debatem hoje em um caos inextricável. As lutas religiosas, filosóficas, políticas, sociais, econômicas, no início do Pontificado de Pio XI, se entrelaçavam nas pugnas partidárias, dando aos regimes liberais uma fragilidade funesta, à mercê da qual os propagandistas de Moscou preparavam a revolução social. Todo o edifício da civilização ocidental ameaçava ruir, destruindo no seu imenso fracasso não apenas os interesses espirituais, mas ainda os mais valiosos interesses intelectuais e sociais da civilização.

Compreendendo isto, em todos os países do mundo uma séria reação anti-revolucionária se esboçava. Todos os homens que não tivessem perdido, com a boa-fé e o bom senso, os últimos resquícios de dignidade e nobreza, reagiam cada qual por seu lado. Dessas reações, infelizmente, inúmeras se desenvolviam fora da Igreja Católica, e representavam esforços desordenados e estéreis. Pio XI, então, em um gigantesco movimento de estratégia envolvente, inspirado ao mesmo tempo por seu coração de Pai e por sua inteligência de Pastor, resolveu concitar todos os homens retos, de qualquer religião ou corrente filosófica, a uma imensa cooperação contra o inimigo comum, sob a orientação suprema do Papado.

O apelo pontifício, solenemente lançado ao mundo inteiro, surtiu um resultado superior talvez a todas as expectativas. De todos os continentes e de todos os países, afluíram cartas para o Vaticano, hipotecando ao Santo Padre, não apenas o apoio dos fiéis, mas ainda de pessoas muito distantes dos arraiais católicos. E a luta anticomunista assumiu uma intensidade e uma eficácia sem precedentes em muitos setores, com geral proveito para a civilização.

Ao mesmo tempo, Pio XI praticara um duplo ato de apostolado. De um lado, vibrara um golpe certeiro contra Moscou, e, de outro lado, atraíra para a Igreja a respeitosa simpatia de inúmeras almas que, possivelmente, subissem dessa atitude de simpatia distante, em um futuro mais ou menos próximo, para uma solidariedade plena, consagrada na conversão para o catolicismo.

Parece impossível praticar com mais amplidão a política da cooperação.

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Entretanto, Pio XI foi, por outro lado, de uma intransigência que desconcertou mais de uma vez, não apenas os adversários da Igreja, mas muitos católicos “modicae fidei”.

Há, mesmo, a esse respeito, uma aparente contradição em seu Pontificado, que com certeza os historiadores futuros anotarão como uma das características de sua orientação lúcida e penetrante.

Com efeito, Pio XI, que foi o Papa da cooperação, foi talvez o Papa que maiores e mais importantes alianças rejeitou para a Igreja. A “Action Française”, o nazismo e a “politique de la main tendue” foram três exemplos claríssimos dessa orientação intransigente.

Nestes três casos, deu-se uma tentativa de católicos mal formados de realizarem a seu modo a política de cooperação do Papa.

Quando Pio XI subiu ao Trono pontifício, encontrou, dependente de solução, o gravíssimo problema da “Action Française”. Essa corrente monárquica francesa, chefiada por dois intelectuais de grande valor, Daudet e Maurras, apresentava um belíssimo programa de reconstrução social, em cujos itens se podiam discernir vários princípios católicos, aplicados com incontestável genialidade aos problemas franceses. Assim, pois, havia muitos pontos do contato entre essa corrente e os católicos. Por outro lado, seus chefes, pessoalmente relacionados com altas personalidades católicas, não cessavam de reiterar sua simpatia ao catolicismo, e deixavam entrever uma situação lisonjeira para a Igreja, caso a “Action Française” vencesse. É certo que, por outro lado, muitos erros doutrinários se poderiam assinalar no programa da “Action Française”. Mas não seria preferível cooperar com esse movimento a guerreá-lo? Não seria melhor conquistá-lo do que combatê-lo? Não seria mais vantajoso apoiar seus chefes (ambos agnósticos) para atrair assim a sua simpatia e depois convertê-los imediatamente ou mesmo quando já tivessem galgado o poder? Muita gente achou que sim, e afirmou que, assim agindo, estava de acordo com a política de cooperação pregada por Pio XI. Mas Pio XI achou que não. Condenou, pois, o movimento, seus aderentes, seus cooperadores, e até os leitores de seus jornais. A mão que a “Action Française” lhe estendia, Pio XI julgou não dever corresponder senão com um golpe. E esse golpe foi duro e certeiro...

Veio depois o nazismo. Pio XI apregoou a luta de todos os homens crentes contra o comunismo ateu. Entre esses crentes, surgiu Hitler, com um movimento de restauração nacional e espiritual (?) que empolgou muitos católicos, à testa dos quais o tristemente famoso von Papen. Enquanto tal lhe conveio, o nazismo guardou algumas aparências de simpatia para com a Igreja, e chegou a oferecer a Pio XI uma belíssima concordata que este aceitou. Mas, tendo reconhecido à Igreja todos os seus direitos, e julgando ter com isso feito um imenso favor ao catolicismo, Hitler começou a combater a este com audácia crescente, enquanto, por outro lado, se proclamava o campeão da Cristandade contra o comunismo ateu. Assim, pois, se por um lado ele prejudicava a Igreja, por outro lado ele continuava a lhe oferecer uma cooperação contra o comunismo. Muitos católicos julgaram que, a troco dessa cooperação, poderiam continuar a auxiliar e apoiar Hitler, ou ao menos a cruzar os braços e fazer ouvidos moucos diante de todas as investidas deste contra a Igreja. Por isso, em não poucos círculos católicos, enquanto as bocas se escancaravam para bradar contra o comunismo (aliás com toda a razão), os ouvidos se fechavam pertinazmente para não ouvir as censuras feitas ao nazismo. Praticamente, as coisas se passavam como se o nazismo não fosse inimigo da Igreja. Às suas diatribes se respondia com um silêncio sistemático: é que cumpria aproveitar sua cooperação contra o comunismo.

Mas Pio XI achou que não. E em uma maravilhosa encíclica, que é das mais belas que tenha escrito, deu o brado de alarma contra o totalitarismo das direitas, que flagelou sem hesitação nem falso sentimentalismo.

Finalmente, os comunistas, percebendo que a Igreja não se aliaria nem se escravizaria ao totalitarismo das direitas, procuraram, por lábios muitas vezes católicos (!?) uma aliança com a Igreja. Eles “estenderam a mão” à Igreja, na expressão típica da imprensa esquerdista. Entre católicos e comunistas cumpria fazer uma aliança contra o nazismo. Muitos católicos (!?) acharam que sim. E apertaram essa mão. Mas Pio XI achou que não. E quebrou, por meio de uma inflexível intransigência, as loucas esperanças dessa ilusória cooperação.

Como se vê, o problema da cooperação é de uma dificuldade por vezes desconcertante, e, no entanto, cada um de nós esbarra com ele na experiência de seu apostolado quotidiano. Mesmo dentro da pequenez de nosso raio de ação pessoal, quantas vezes surge diante de nós uma “main tendue”, um “protetor” pagão da Igreja, um indivíduo amigo de conciliar alhos com bugalhos (...) com protestantismo, com nazismo, com comunismo... e com catolicismo?

Se uma formação profunda não tiver esclarecido e preparado os católicos, quantas e quais defecções estarão ainda à sua espreita pelas curvas sinuosas dos caminhos do mundo pagão?

Em última análise, não foi assim que começou a decadência espiritual de von Papen e de seus inúmeros sósias espirituais espalhados pelo mundo? E quanto tem isto custado à Santa Igreja de Deus?

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Deixo esta pergunta confiada à argúcia dos leitores, reservando-me para desenvolver novamente o assunto no próximo número, investigando as razões dos gestos condenatórios do inesquecível Papa Pio XI.