No último artigo, enumeramos alguns princípios que
nos parecem fundamentais para que se dê à Ação Católica a pujança e a
eficiência que é o máximo anelo de todos os católicos.
Esses princípios são de uma incontestável
conformidade com a doutrina da Ação Católica. Quando ainda exercia, com grande
zelo e operosidade, as funções de Bispo Auxiliar em São Paulo, S. Ex.a Rev.ma o
Sr. D. José Gaspar de Affonseca e Silva teve a iniciativa
de constituir três grupos respectivamente de advogados, médicos e engenheiros,
que, depois da necessária preparação, se transformassem nos núcleos de Ação
Católica destinados a atuar dentro das mencionadas profissões.
Começado o trabalho dos três núcleos, e
prosseguindo normalmente os estudos referentes à Ação Católica, surgiu a
questão de se saber quais os requisitos para a admissão de elementos novos nas
fileiras dos referidos núcleos.
O Assistente Eclesiástico do grupo dos advogados, o
Rev.mo Sr. Pe. Antônio de Castro Mayer, determinou, então, que os componentes do núcleo
oficiassem à Junta Nacional da Ação Católica, pedindo-lhe que se manifestasse
sobre o assunto.
No ofício de consulta, os signatários, depois de
enumerar uma série de razões doutrinárias e práticas em abono de seu ponto de
vista, perguntavam à Junta Nacional se, para a admissão no setor dos advogados,
seria conforme à doutrina da Ação Católica pedir:
1 - Comunhão ao menos semanal;
2 - Um ano de estudo de doutrina católica;
3 - A execução conveniente, durante esse ano, de
todas as obras de apostolado que fossem indicadas.
A resposta da Junta Nacional, publicada na “Ação
Católica”, foi que:
1 - As considerações doutrinárias mencionadas no
ofício nada tinham que destoasse da doutrina da Ação Católica;
2 - Que os requisitos apontados eram perfeitamente
cabíveis para o setor dos advogados da Ação Católica.
Inteirada disso, a autoridade eclesiástica desta
Arquidiocese aprovou plenamente, por sua conveniência e oportunidade, que tais
requisitos fossem prefixados como condição de admissão pelos advogados da Ação
Católica, e os RR. Assistentes Eclesiásticos dos Engenheiros e Médicos requereram e obtiveram que idêntica determinação também se
estendesse aos respectivos núcleos.
As razões doutrinárias que expusemos em nosso
último artigo outra coisa não eram senão as razões que a Junta Nacional da Ação
Católica considerou conforme
à sã doutrina da Ação Católica.
Mencionamos esta circunstância para esclarecer que
esta folha não se antecipou a qualquer pronunciamento das autoridades
competentes.
* * *
Parece-nos que o considerarmos a Ação Católica como
um movimento de escol não significa, de nenhum modo, que ele não deva tender a
ser também um movimento de grande extensão e larga repercussão.
A obra da Redenção não se fez para um pequeno
número de aristocratas do espírito. Pelo contrário, o anelo de Nosso Senhor é
que “todos fossem um”, isto é, que todos, sem distinção, todos os povos fossem
beneficiados com os frutos do Santo Sacrifício da Cruz.
Não há, pois, ponto do globo que não deva ser
atingido pelos pregadores da Boa Nova. Não há classe social, não há setor de
opinião, não há grupo, corrente, facção ou partido para o qual não se deva
voltar a solicitude evangélica. “Todos” devem ser evangelizados. E o apostolado
católico - o da Ação Católica inclusive - deve ter necessariamente essa imensa
extensão. O apostolado só conhece um limite: o do mundo. E a caridade para com o
próximo, nem ante esse limite se contém, pois que ainda se estende, como
torrente caudalosa e benéfica, sobre os que, tendo deixado a vida terrena,
ainda expiam no Purgatório os pecados cometidos.
Pio XI disse certa vez
que, se se devesse aliar ao próprio demônio para
conquistar as almas para a Igreja, ele o faria. Essa deve ser a norma do
apostolado da Ação Católica: todos os apoios, todos os recursos, todas as
simpatias que encontrar em seu caminho devem ser por ela minuciosamente aproveitadas
até o último ponto. E, no dia do Juízo Final, cada membro da Ação Católica será
responsável pelo que, por preguiça, indolência ou mal compreendida
intransigência, tiver deixado de aproveitar.
Como se vê, a característica de um apostolado bem
desenvolvido deve ser uma grande largueza de movimentos, e um imenso descortinio no encarar os problemas sugeridos pela
atividade evangelizadora.
Neste sentido, há lacunas imensas a preencher. E a
preencher logo, porque “caritas Christi urget nos”.
* * *
Isto posto, perguntamos: como chegar a tão almejado
resultado?
A resposta, a meu ver, só pode ser uma: pela
seleção precedida por uma boa formação.
Mil circunstâncias conspiram para apagar, mau grado
nosso, a noção fundamental que deve presidir a todas as obras de apostolado, e
é que a eficiência deste está na razão direta da vida interior de quem serve à
Santa Igreja de Deus.
Enquanto o leigo que faz apostolado não se
persuadir de que é um mero reservatório da graça divina, que deve transmitir
depois aos outros, enquanto ele não estiver ciente de que a conversão não é
obra dele, mas de Deus, e que portanto, como mero instrumento que ele é, deve
ter Deus presente em si, para irradiá-lo para os outros, seu apostolado será
ineficaz.
A este respeito, ainda, gostaríamos de enumerar
alguns princípios fundamentais:
I - Quem converte é Deus. A pessoa que faz
apostolado não é senão um veículo da graça. Mas essa graça, Deus não a dá senão
àqueles que têm uma vida interior autêntica;
II - Quanto maior a vida interior, tanto maior a
fecundidade do apostolado; em razão inversa, quanto menor a vida interior,
tanto menor o apostolado.
III - A inteligência, a cultura, a habilidade, são
qualidades pessoais que podem e devem ser aproveitadas para o apostolado como
preciosos dons de Deus. Mas todos esses dons naturais serão inúteis sem a vida
interior. E, pelo contrário, uma vida interior intensa pode suprir a ausência
desses dons.
IV - Aplicando a outro campo o mesmo princípio, uma
associação pode e deve munir-se de todos os recursos naturais para a perfeição
do seu apostolado. Mas deve lembrar-se sempre de que obras perfeitíssimas a
esse respeito, têm fracassado miseravelmente, porque não havia em seus
promotores verdadeira vida interior. E que, inversamente, Nosso Senhor tem dado
triunfos brilhantes a algumas associações privadas de tais recursos naturais,
mas em cujas fileiras estuava e superabundava a vida interior;
V - Que a vida interior não significa só prática
assídua dos Sacramentos, mas prática viva, sincera e esclarecida, que gera na
inteligência uma perfeita conformidade com a doutrina católica, uma aptidão
maravilhosa para discernir entre tudo que é e não é católico, e um zelo vivo
para manter sempre exatas essas fronteiras. Na vontade, essa vida interior deve
gerar um amor intenso por tudo aquilo que a Igreja manda, um zelo de obediência
que se manifesta não apenas nos atos, mas nos sentimentos, não apenas nas
linhas gerais, mas nas minúcias, não apenas nos conselhos, mas sobretudo no
exemplo. Pensar como a Igreja pensa, sentir como a Igreja sente, agir como a
Igreja manda, e depois reconhecer em tudo isto a obra de Deus em nós, eis o
ideal da vida interior;
VI - Que a vida interior, longe de diminuir a
própria aptidão das faculdades e qualidades naturais para o apostolado, as valoriza
imensamente. Se São Tomás foi tão sábio,
deve-o em grande parte ao fator de ter sido imensamente ativo no sentido
intelectual. Ativo, diligente e metódico. Ele aplicou em seu estudo todas as
suas qualidades naturais com o máximo de sua intensidade. E se o fez, foi
porque a vida interior exigiu isto dele. Se Santo Inácio de Loyola foi tão ativo, deve-o em grande parte ao fato de ter
a vida interior valorizado nele todas as suas qualidades naturais, sua energia incomparável,
sua penetração de espírito soberana, sua combatividade sem reservas. Essas
qualidades naturais, elevadas ao auge pelo zelo, e coroadas pelas virtudes que
só vêm da vida sobrenatural, constituem a realização da obra da vida interior.
A vida interior não é só a valorização das
qualidades naturais, nem sequer é principalmente isto. Mas é também isto.
Se queremos ter apóstolos enérgicos, zelosos,
prudentes, ativos, inteligentes, hábeis, queiramo-los real e sinceramente
piedosos. Todas as qualidades naturais e sobrenaturais, postas a serviço da
santificação das almas, é este o ideal do apóstolo;
VII - Com esta autenticidade de espírito católico,
o apostolado pode ter uma maravilhosa liberdade de
movimentos. Mas, sem este espírito, qual a qualidade que não corre o risco de
uma pronta transformação em defeito? Qual a habilidade que não se transforma
facilmente em perfídia? Qual a intransigência que não se transforma em falta de
caridade? Qual a caridade que não se transforma em vã complacência? Qual a concessão
que não se transforma em capitulação?
VIII - Se, pois, a Ação Católica quer progredir,
ela deve velar primordialmente pela autenticidade do espírito em seus membros.
Que cada um deles renuncie realmente às seduções do mundo, às insinuações do
demônio, às exigências da carne, e siga Nosso Senhor Jesus Cristo com a Cruz às
costas. O mais virá por acréscimo, e será o cêntuplo certíssimo que Nosso
Senhor prometeu aos que O amam.