O fato que domina o panorama religioso de todas as
fases da história brasileira é a ausência absoluta de quaisquer movimentos
heréticos de importância. Tivemos, é certo, atividades heterodoxas em nosso
País. Mas, sempre que Roma as condenou, perderam elas as raízes no espírito
nacional. Foi este o caso do jansenismo, como de muitas outras doutrinas que
grassaram entre nós durante algum tempo, mas que não puderam sobreviver à
condenação da Igreja. Quanto aos movimentos explicitamente anticatólicos,
nunca passaram de pequenas seitas sem importância, que sentem tão bem a sua
própria impotência, que procuram arrastar as massas não por meio do ataque
aberto contra a Igreja, mas fingindo uma íntima afinidade doutrinária com esta.
É este o caso, entre outros, da famosa Igreja Católica Brasileira, do Sr.
Salomão Ferraz, o qual sente tão bem que é só em nome do catolicismo que
os brasileiros se levantam, que procura assumir para a sua igrejola
ares de catolicidade com que embair o povo. É esta uma curiosa e involuntária
homenagem que os protestantes prestam inadvertidamente, e a todo momento, à
força do catolicismo no Brasil.
* * *
Entretanto, se o Brasil é um povo inteiramente
católico no sentido numérico da palavra, é forçoso reconhecer que ele não é
totalmente católico na sua vida política, econômica, intelectual, artística e
social. Esta verificação serve para definir com irrecusável clareza o problema religioso do Brasil. Não devemos considerar
como a primeira de nossas questões a conversão dos ateus, protestantes e
espíritas que por aqui se encontrem. A nossa verdadeira luta deve ser pelo avivamento e esclarecimento da Fé católica já professada
por nosso povo. A catolicização dos católicos é o
primeiro e o maior de nossos problemas na ordem prática, e para a solução deste
problema a Ação Católica tem um papel providencial a desempenhar, uma vez que
ela se destina “a promover e entreter a vida sobrenatural, primeiramente e
principalmente entre os próprios católicos” (Memorandum
do Cardeal Pizzardo, publicado a 24 de julho p.p. no
“Catholic Herald”).
Como, indubitavelmente, o indiferentismo e o confusionismo religioso, alimentados principalmente pela
ignorância do catecismo, constituem os fatores profundos da situação religiosa
em que nos encontramos, a Ação Católica deve desempenhar
antes de tudo a missão providencial de ser um definidor de limites, marcando
nitidamente a diferença que existe entre tudo que é católico e anticatólico, tomando por lema, no Brasil particularmente,
a afirmação de Nosso Senhor: “Quem não for por mim é contra mim”.
* * *
Esta missão, a Ação Católica só a poderá realizar
convenientemente na medida em que ela for real e autenticamente uma arregimentação de católicos de escol, em cujas fileiras não
se encontrem senão elementos cuidadosamente selecionados. A rigorosa seleção e
aprimorada formação de seus membros é hoje a primeira e mais premente tarefa da
Ação Católica.
Penso que não seria supérfluo uma enumeração
sintética das razões que estribam este ponto de vista. É o que, sem maiores
pretensões, ofereço hoje à apreciação dos leitores do “Legionário”:
I - Devem os membros da Ação Católica, de acordo
com todos os documentos pontifícios, ser dotados de uma preparação e formação
efetivamente rigorosa e esmerada;
II - Além desse motivo, inspirado na própria
essência da Ação Católica, cumpre lembrar que a expansão e eficiência do
apostolado desta não serão prejudicadas por um autêntico rigor na formação de
seus membros; pelo contrário, a eficácia do apostolado está na razão direta da
formação espiritual dos que o exercem, pelo que só poderá lucrar a Ação
Católica com um rigor prudente na admissão de seus membros;
III - Que, de mais a mais, o apostolado exercido
nas fileiras da Ação Católica requer uma formação especializada, que
dificilmente pode ser obtida fora dela, máxime em se
tratando de pessoas que jamais pertenceram a outras associações religiosas;
IV - Que o compromisso da Ação Católica, pelas
graves obrigações que impõe, e pelo acesso que dá às fileiras da milícia
universal fundada por Pio XI, deve normalmente ser a coroação e o termo final da
formação dos candidatos, e não seu proêmio;
V - Que as condições locais da Arquidiocese de São
Paulo, dado o grande surto de vida religiosa que aqui se observa, permitem,
dentro das exigências acima formuladas, a organização de fortes e pujantes
núcleos de Ação Católica, não existindo qualquer das circunstâncias locais que,
em outras dioceses, podem talvez sugerir temporariamente uma orientação
diversa.