Não faltará quem considere o rumoroso escândalo
verificado em torno da propaganda alemã na Patagônia como um “bluff” destinado a encobrir manobras anti-alemãs
na Argentina.
A demonstração dessa tese, conquanto por suas
conseqüências diretas, interesse exclusivamente à Argentina, afeta também o
Brasil, de modo muito
sensível. Não podemos, pois, deixar de fazer alguns comentários em torno do
caso.
* * *
O que a imprensa alemã tem publicado, e certas
agências telegráficas têm complacente e pachorrentamente retransmitido
de Berlim, é que o documento
atribuído aos elementos nazistas da Argentina é absolutamente apócrifo e
constitui mero pretexto para desenvolver cada vez mais na América do Sul uma
campanha anti-alemã dirigida, por detrás dos
bastidores, pelas potências democráticas.
Um jornal, importante órgão nazista, chegou a
afirmar que, com essa mistificação, a campanha antigermânica
atingiu, em nosso continente, o auge de sua intensidade.
Como dissemos, essa tese interessa o Brasil.
Efetivamente, ela deixa entrever que a repressão ao nazismo, a respeito do que
existem leis entre nós, resulta não de uma real infiltração alemã, mas de
pretextos forjados por nosso governo, em obediência às injunções
das potências democráticas. De onde se deduziria que a obra da dissolução dos
partidos políticos estrangeiros, iniciada pelo Estado Novo, é odiosa, pois que
vem apenas atingir algumas sociedades estrangeiras inócuas, que tratavam
placidamente de tudo, exceto de política, e máxime de
política imperialista.
O assunto, como se vê, não poderia, para nós, ser
mais interessante.
* * *
Não pretendemos discutir diretamente o caso,
expondo os argumentos que nos levam a aceitar como verídica a infiltração
nazista na Argentina. A autenticidade do documento sobre o qual o governo
argentino baseou suas investigações não pode, para nós, ser objeto de
discussão. Efetivamente, a respeito dessa intrincada questão, só dispomos das
informações prestadas pelas agências telegráficas, o que não pode constituir
base para veredictum
imparcial.
Considerada, porém, a questão à primeira vista,
deve-se admitir como verídica, a infiltração nazista na Argentina.
A tese sustentada pela imprensa alemã esbarra com
tantos e tais sinais de inverossimilhança, que seus
autores não a deveriam sustentar sem exibir simultaneamente uma documentação
esmagadora, que até agora não veio a lume.
* * *
Sustenta a imprensa alemã que a Argentina está
obedecendo a potências democráticas, na sua luta contra o nazismo.
Essas potências, evidentemente, só poderão ser a
Inglaterra ou os Estados Unidos. Não é à república de Andorra, e nem à
república de San Marino, evidentemente, que se
referem as insinuações alemãs...
Ora, quanto à influência inglesa na Argentina, por
maior que ela seja, não é fácil provar que ela se exerce em sentido anti-alemão. Quem observar a burla diplomática à qual Chamberlain se está consagrando
atualmente na Europa, poderá facilmente certificar-se disso. Chamberlain, que tem verdadeiro pavor de descontentar à
Alemanha, e que chega a sacrificar pontos de vital interesse para o Império
Britânico a fim de não irritar o iracundíssimo Führer, irá agora fazer picuinhas à Alemanha a propósito da
longínqua Patagônia? Quem não se mexeu com a anexação da Áustria e da Tchecoslováquia, quem não teve coragem de falar alto e
grosso a propósito das tropas alemãs instaladas na Espanha, irá brigar por
causa da Patagônia? Para não irritar Hitler, Chamberlain
talvez não lhe cedesse apenas algumas vantagens inglesas na Patagônia, mas a
Argentina inteira, vendo, com olhar complacente e tranqüilo, o Führer perder o seu tempo em tornar o país do Presidente Ortiz em algum campo de
concentração, e esquecendo-se, assim, por alguns momentos, de Gibraltar, da Rumânia ou das ex-colônias alemãs
da África.
* * *
Obedecerá o Presidente Ortiz
à América do Norte?
A diplomacia portenha
foi, em Lima, simplesmente
cismática. Escandalosamente, apostatou ela da doutrina de Monroe. E, depois dessa feia ação de indisciplina, ainda
voltou-se para trás, no momento exato de se ir embora, e deitou
impertinentemente a língua para Tio Sam ver.
Nicarágua, Honduras, Costa Rica ficaram estupefatas: então era possível
desobedecer aos Estados Unidos? Uma aura de esperança as animou, com esse mau
exemplo no caminho da insubmissão. E, hoje em dia, não apenas o governo
argentino, mas até as mais inofensivas republiquetas
sul-americanas enfiam alfinetadas no couro velho e esticado de Tio Sam, sem medo nenhum. Há dias atrás, ainda, viu-se a Casa
Branca discutir de igual a igual com Costa Rica, a respeito de uma questiúncula
que, há dez anos atrás, teria sido soberanamente resolvida pelo governo “yankee” com uma boa palmada.
Foram estes os frutos da sobranceria portenha. Será admissível, à primeira vista, que tal gente
obedeça incondicionalmente aos Estados Unidos?
* * *
O mesmo se poderia dizer do Brasil. É certo que o
Sr. Getúlio Vargas tem sido gentil e
cordial para com os Estados Unidos. Mas o Sr. Getúlio Vargas é de um
temperamento exuberantemente afetuoso. Nunca se contenta, em seus amores
políticos, com um só objeto. Por isto, enquanto ele troca gentilezas com a Casa
Branca, despeja-se sobre o eixo Roma-Berlim o
“superávit” de sua afetividade. A viagem do Sr. General Góes Monteiro, entre outros muitos fatos, prova exuberantemente que o
Presidente da República não tem a menor intenção de romper de fundo com o eixo Roma-Berlim. Categórico na repressão de alguns abusos
evidentes e escandalosos da propaganda nazista, ele não levou, entretanto, seu
sentido repressivo a ponto de se deixar monopolizar pela amizade
norte-americana.
A meu ver, se há um homem no Brasil com o qual o
eixo Roma-Berlim possa contar para o
desenvolvimento de uma política cordial, esse homem é o Sr. Getúlio Dorneles Vargas.
* * *
Isto posto, o que pensar do documento? Será
autêntico?
Ou sim, ou não. Se sim, está provada a propaganda
nazista na Argentina. Se não, devemos admitir que tenha sido forjada pelo
Governo para justificar uma repressão a seu juízo inadiável.
Na carência de outras provas, sempre difíceis de
serem colhidas, alguém, no Ministério da Justiça da Argentina, teria recorrido
a isto. Conquanto não consideremos provada esta última hipótese, é a ela que
nos conduziria a negação da autenticidade do documento ora tão discutido em
Buenos Aires.
Mas, neste caso, se alguém em alta roda argentina
se julgou obrigado a lançar mão desse abominável estratagema, deve ter sido
para fazer face a um perigo muito grande. O estratagema denuncia um grande
medo. O medo denuncia um grande perigo. E esse grande perigo, outra coisa não
seria senão a infiltração nazista na Argentina.