Legionário, n.º 338, 5 de março de 1939

EM TORNO DA ELEIÇÃO PONTIFÍCIA

Plinio Corrêa de Oliveira

A política seguida pelo grande e sempre saudoso Pio XI teve, com a eleição rápida e quase imediata do Cardeal Eugênio Pacelli ao trono de São Pedro, uma grandiosa e completa consagração. Efetivamente, sua escolha para o lugar mais augusto a que possa ser elevado um mortal, deve ser considerada não apenas como o reconhecimento das excepcionais qualidades de homem de oração, de estudos e de ação que ele é, mas a manifestação clara e decisiva, de que o Sacro Colégio Cardinalício compreendia e aprovava em toda a sua extensão e toda a sua maravilhosa eficiência, a orientação política do grande Pio XI.

A rigor, seria desnecessário acentuar este aspecto da recente eleição pontifícia. Enquanto que até os inimigos da Igreja se viram forçados a reconhecer, mau grado seus inveterados e injustos preconceitos e não raramente sua indestrutível má-fé, a incontestável retidão da orientação de Pio XI, pasmoso seria que aqueles que estão revestidos da sagrada púrpura cardinalícia, colocados assim nos próprios degraus do Trono Pontifício, e participando com a máxima intimidade da ação diplomática e internacional da Santa Sé, tivessem os olhos fechados para ver a beleza e a oportunidade da política de Pio XI.

Entretanto, as agências telegráficas insinuaram largamente, durante todo o período que mediou entre a morte de Pio XI e a eleição de Pio XII, que havia uma forte corrente de Cardeais que, simpáticos ao racismo e ao totalitarismo, quereriam evitar a eleição do Secretário de Estado de Pio XI, por acharem que a política deste estava errada. E não faltavam católicos que, fazendo-se eco deste disparatado modo de ver, consideravam que, se o Papa é infalível nas suas definições doutrinárias, não o é quanto ao acerto de suas atitudes políticas, de sorte que uma pessoa pode, sem deixar de ser muito boa católica, estar em declarada divergência com a linha de conduta da diplomacia pontifícia.

Não discutimos essa miséria. Quem tem senso católico não precisa refletir muito para perceber o que há de profundamente malsão nisso. Entretanto, pelo ardor das paixões partidárias e nacionalistas, e por um resquício deplorável de liberalismo religioso, muita gente se sente com esse ilusório e funestíssimo direito de livre exame em relação aos atos pontifícios. E, como um abismo invoca outro abismo, foram esses católicos levados a acobertar sua indisciplina com a púrpura cardinalícia, procurando lançar às costas inocentes de veneráveis Prelados, uma indisciplina de que são eles próprios os únicos culpados.

Sem entrarmos na apreciação doutrinária desse erro, observemos a questão sob o aspecto prático.

O Colégio Cardinalício se compõe, como é óbvio, de Prelados selecionados dentre os Sacerdotes do mundo inteiro, para serem os mais íntimos colaboradores do Papa. Ninguém pode, pois, apresentar uma melhor credencial de virtude, saber e espírito prático, do que um Cardeal. Esses Prelados estão distribuídos pelos diversos ofícios da Cúria Romana, ou pelas sedes arquiepiscopais de quase todos os continentes. Os que trabalham na Cúria Romana têm em mãos os mais graves assuntos religiosos do mundo, que eles examinam do alto desse incomparável observatório de fatos e de idéias, que é o Vaticano. Os que se encontram disseminados pelo mundo estão na direção de importantíssimos rebanhos do Senhor, em contato constante - amistoso ou não - com os respectivos governos temporais, e observando meticulosamente o que ocorre no seu país e no mundo inteiro, com a mais vigilante atenção. Não pode, pois, haver assembléia mais douta e mais enfronhada do que um Conclave, uma vez que nele ombreiam lado a lado pessoas eminentes no saber e na virtude, que permutam as mais variadas informações. Um tcheco, um português, um sírio, um brasileiro, um inglês, franceses, alemães, um argentino, italianos, um belga etc., etc., lado a lado, explicam-se sobre a política internacional e sobre a vida religiosa que cada um deles observa por um ângulo local inteiramente diverso. E a escolha feita por tais elementos têm todas as probabilidades humanas de ser acertada.

Pois esse Conclave, que se dizia trabalhado por facções, com uma forte oposição à política do Papa anterior, outra coisa não fez senão, com uma rapidez sem precedentes, eleger o executor, o braço direito, o "alter ego" de Pio XI, para lhe continuar a maravilhosa ação.

Isto posto, passemos a outro aspecto da escolha pontifícia.

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Ninguém mais do que nós se alegra pelo fato de ter a escolha recaído no Cardeal Pacelli. São tão conhecidos seu saber, suas virtudes, sua energia, e os inúmeros predicados que ele apresenta, que é um lugar comum insistir a esse respeito. Desses predicados, nenhum nos causa mais justificada alegria do que sua maravilhosa piedade. O Papa Pio XII, incontestavelmente, é uma alma dentro da qual Deus age de modo muito particular, e que tem todas as características dos grandes servos de Deus.

No transbordamento de nosso júbilo, que é comum a toda Cristandade, uma nota entretanto se deve acentuar. É que, confiantes nas virtudes do grande Papa, que o Espírito Santo acaba de designar, e, confiantes sobretudo na infalibilidade intrínseca e inalienável da Igreja, não nos devemos esquecer de dois grandes deveres. O primeiro é o da oração. Rezemos pelo Papa, para que Deus o cumule com a plenitude de suas bênçãos, e atenda a todas as suas intenções. O segundo é o da obediência. No limiar desse pontificado novo, afervoremos nosso amor à Sé de São Pedro, formando a resolução de viver e lutar com o Papa e pelo Papa, porque só assim viveremos e lutaremos "cum Christo, per ipsum et in ipso".