Legionário, N.º 335, 12 de fevereiro de 1939

 

NO X ANIVERSÁRIO DO TRATADO DE LATRÃO

Não nos tinha ainda chegado a notícia do falecimento do Santo Padre, quando escrevemos este artigo, que nada perdeu de sua atualidade, uma vez que o Tratado de Latrão foi uma das mais belas obras de Pio XI.

Celebrou-se no dia 11 do corrente o X aniversário do Tratado Laterano, em virtude do qual o governo fascista, em solene acordo firmado com a Santa Sé, reparou a monstruosa injustiça de que o Papado havia sido vítima em 1870, com o triunfo das tropas garibaldinas sobre as pontifícias, e a abertura da desastrosa brecha da Porta Pia, que marcou um longo eclipse na vida política e internacional da Cátedra de São Pedro.

O “Legionário” já tem insistido suficientemente sobre os numerosos inconvenientes decorrentes, para a Santa Igreja, da orientação que o fascismo vem tomando cada vez mais acentuadamente, em relação a diversos pontos de suma importância para os católicos. Esta atitude, porém, não nos priva do senso de justiça, segundo o qual se deve reconhecer no próximo, não apenas seus defeitos, mas ainda suas qualidades. Por isso mesmo, folgamos em aproveitar o ensejo que a data de hoje nos apresenta, para elogiar pública e formalmente o Tratado de Latrão que, sejam quais forem os rumos futuros do fascismo, será sempre, para o Sr. Mussolini, um florão de glória que ninguém lhe poderá roubar.

Examinemos, pois, aquele Tratado sob seus mais importantes aspectos.

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Como ninguém ignora, antes de 1870, o Santo Padre era, além de Chefe da Cristandade, soberano temporal que tinha sob sua jurisdição uma ampla porção do território italiano, com capital em Roma. Este reino fora constituído na Idade Média, a fim de que o Santo Padre tivesse inteira liberdade de ação na Cidade Eterna, não sentindo sua soberania limitada ou coarctada por nenhum outro poder humano. Aos poucos, as populações vizinhas do primitivo núcleo dos Estados Pontifícios foi espontaneamente solicitando sua incorporação a estes, a fim de se colocar sob a suprema e suave proteção do Papado, escapando por este meio à prepotência dos soberanos sob cuja autoridade viviam. De tal modo, com o curso dos séculos, sem que o Papado tivesse empreendido uma única guerra de conquista, seus territórios estavam consideravelmente aumentados.

Quando, pelo efeito calamitoso da pseudo-reforma protestante e do liberalismo, o espírito religioso foi decaindo na Europa, começaram a se tornar cada vez mais audaciosos os atentados contra os Estados Pontifícios. Nesta obra deplorável, ninguém se assinalou mais tristemente do que Napoleão, que diminuiu muito os Estados do Papa e acabou por arrastar a este, como um criminoso, até Paris, suprimindo assim, de fato, senão “de jure”, a autoridade temporal do Pontífice Romano.

Caindo Napoleão, foi o Santo Padre reintegrado nos seus Estados. Mas a campanha de unificação da Itália (...) teve um grande incremento, e por isto chegou a se atirar até ao Papa, desejando reduzi-lo, em Roma, à condição de um simples particular.

Desta miserável tarefa incumbiu-se Garibaldi, abominável sicário (é [o historiador César] Cantu que o diz com sua grande autoridade) a quem ficava bem a incumbência de cravar seu punhal criminoso na soberania temporal do Papa.

Quando as tropas de Garibaldi entraram em Roma, o Papa, que havia abandonado o Quirinal para se encerrar no Vaticano, considerou-se prisioneiro, e nunca mais deixou seu palácio. E começou, então, para a Santa Sé, um longo e doloroso martírio.

Em primeiro lugar, diversos países governados por maçons e liberais, alegando estar o Papa privado de soberania temporal, reclamaram e conseguiram a supressão das respectivas legações junto à Santa Sé, de sorte que caiu consideravelmente o número dos embaixadores acreditados junto ao Papa. Não é necessário mostrar os imensos inconvenientes daí decorrentes para o Papado, diminuído no seu prestígio internacional e privado deste poderoso meio de se comunicar livremente com todos os governos do mundo.

Em segundo lugar, o Vaticano era considerado “de jure” (conquanto não de fato) território italiano. Nestes termos, de um momento para outro, mediante uma simples lei do Parlamento italiano, poderia o Papa ser espoliado deste último e minúsculo reduto de sua soberania humana, e reduzido a um cativeiro mais ou menos disfarçado, que constituiria para toda a Cristandade a suprema afronta.

Finalmente, o Estado italiano era nitidamente hostil à Igreja, a ponto de muitas vezes gabinetes socialistas ascenderem ao poder e tramarem revolução social e a ruína da Igreja italiana, na própria capital do mundo cristão. De tal sorte que, a poucos passos do Vaticano, tramava-se nada mais nem menos do que a total e tão almejada ruína da Religião Católica.

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Manda a verdade que se reconheça que, quando o Sr. Mussolini marchou sobre Roma, todos estes inconvenientes pareciam ter chegado ao auge. O Estado italiano, entregue à mais radical e completa anarquia, estava em vésperas de uma completa anarquização. As fábricas já eram invadidas pelos vermelhos. Gritos sediciosos se ouviam pelas ruas. Um governo débil e talvez traidor afetava uma impotência incrível.

Foi neste ambiente, verdadeiramente ideal para que o fascismo crescesse, que se deu a marcha sobre Roma. Dizemos que o ambiente era ideal, porque toda a encenação revolucionária comunista tinha como efeito lógico e fatal a convergência de inúmeros homens de bem para os arraiais fascistas, de sorte que o fascismo não teve maior colaborador do que o governo liberal, real ou aparentemente impotente, que tornou o fascismo um mal que parecia necessário para quem quisesse escapar ao comunismo.

Um mal necessário, dizemos, sobretudo porque o fascismo de então era muito diverso do que se mostrou posteriormente, e em suas fileiras não faltavam representantes de elementos dos mais subversivos, ao lado de intelectuais, aristocratas e até católicos militantes.

Neste ambiente de desorganização geral, Mussolini sobe ao poder. Como se fosse dotado de um poder mágico, aquela desordem, que parecia insanável, se acalma subitamente. Os agitadores, que ainda ontem rugiam como leões, começam a se transformar em inofensivos cordeiros. E, gradualmente, as coisas vão novamente caindo nos eixos, sob a égide do homem cujo prestígio caminhava decididamente para o zênite.

Ao mesmo tempo que os inimigos externos do fascismo iam sendo anulados, o Sr. Mussolini imprimiu diretrizes novas ao seu partido, e, usando sempre desse ascendente cabalístico que é a característica de sua carreira política, foi destroçando todos os adversários internos, e imprimindo à política fascista, no terreno dos fatos, uma orientação concreta que foi muito diversa das doutrinas da maior parte dos chefes fascistas.

Ao invés de depor a monarquia, conservou-a. Em lugar de atacar os elementos reacionários, cercou-os de toda a consideração. E, lentamente, com uma prudência verdadeiramente notável, caminhou de tal maneira em relação à Igreja, que chegou assim às portas do glorioso Tratado de Latrão.

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No que consistiu a essência deste Tratado?

Na reparação oficial e soleníssima de todos os prejuízos sofridos pela Santa Sé.

Em primeiro lugar, a soberania temporal do Papa ficou reconhecida sobre o Vaticano, a Basílica de S. João de Latrão, o domínio rural de Castel Gandolfo, e ainda outros prédios pontifícios, todos eles considerados parte integrante de um Estado absolutamente independente, do qual o Papa é soberano de pleno direito, tendo tanta autoridade sobre os seus domínios quanto o Sr. Mussolini sobre a Itália, e Roosevelt ou Jorge VI sobre os Estados Unidos e a Inglaterra.

A conseqüência disto foi que todos os maçons e liberalóides do mundo inteiro ficaram com a boca fechada, privados inteiramente de qualquer pretexto para se opor a que os respectivos governos mantivessem relações diplomáticas com o Papa, e com isto se consolidou muito a ação internacional da diplomacia pontifícia.

Em segundo lugar, o Estado italiano foi, pelo Tratado, considerado oficialmente católico, apostólico, romano, de sorte que - ao menos segundo a letra do Tratado - Roma deixou de ser a sede de um governo excomungado, maçonizado e anticatólico, para ser a capital de um Estado organizado - é o que o Tratado prometeu na mais plena conformidade com o espírito da Igreja.

Finalmente, a situação do Papa não dependia de uma simples lei italiana, mas de um contrato, o que o colocava ao abrigo - em tese - de qualquer golpe de autoridade unilateral. Uma lei, a Itália poderia revogá-la a qualquer momento. Um Tratado, pelo contrário, só pode ser revogado por acordo de ambas as partes.

Assim pois, o Papa passou de prisioneiro a rei, e o Estado italiano, de um Estado que se agitava às beiras do abismo comunista, para um Estado católico.

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No décimo aniversário do Tratado de Latrão, não nos apraz considerar tudo aquilo quanto, na Itália, ao par de medidas louváveis, foi feito posteriormente ao Tratado, em sentido bem oposto ao espírito deste. O Santo Padre já falou bastante sobre este assunto, e o “Legionário” tem vibrado unissonamente com a voz augusta de Sua Santidade.

Hoje preferimos considerar o Tratado em si, a fim de lhe mostrar todas as magníficas belezas e reconhecer as qualidades verdadeiramente excepcionais que o Duce, incontestavelmente um extraordinário homem de Estado, de uma excepcional envergadura, evidenciou naquela ocasião.