Legionário, No 318, 16 de outubro de 1938

...Mas a juventude católica reage e enfrenta vitoriosamente a Gestapo

 

Ressurgem os ídolos do paganismo. Queimam-se em praça pública as imagens do culto católico e agridem-se sacrilegamente os sacerdotes de Deus. Procura-se dissolver a família pelo divórcio

 

Os últimos acontecimentos verificados na Áustria caracterizaram de modo definitivo a verdadeira fisionomia espiritual do nazismo. Até há pouco tempo, era lícito afirmar que só os ingênuos poderiam nutrir dúvidas sobre o caráter essencialmente anti-religioso do nazismo. Hoje, nem aos ingênuos é permitido alimentar ilusões. Só os mal intencionados, os traidores, e os apóstatas podem negar a dolorosa realidade que temos diante dos olhos.

Esta história é longa e conhecida, mas merece ser contada mais uma vez.

Vivendo em uma civilização baseada sobre os princípios falsos e precários do liberalismo, os católicos alemães sentiam que uma formidável crise ameaçava tragar a sociedade contemporânea. A dois passos da fronteira alemã o incêndio contaminara a Rússia. Era preciso, a todo o custo, salvar a civilização.

A esta altura aparece Hitler que, com uma crítica aguda e inteligente do liberalismo, inaugura uma violenta campanha anticomunista. Vendo nesta linha de conduta um largo campo para a cooperação com o nacional-socialismo, muitos católicos aderiram entusiasticamente a este, abandonando as fileiras do Partido Católico.

O grande erro estava feito. Por que não restaurar ou remodelar o Partido Católico em lugar de desertar dele? Por que procurar em uma bandeira não católica a salvação que só o Catolicismo pode dar?

A campanha anticomunista de Hitler ganha terreno, e levanta barreiras sólidas contra a infiltração bolchevista. Cada vez mais deliram de entusiasmo as hostes nazistas. O seu número cresce de dia para dia.

Ao mesmo tempo, o Episcopado Alemão condena o nazismo. Realmente este, ao par de uma crítica excelente - copiada, aliás, da Igreja - da sociedade contemporânea, apresenta idéias inteiramente opostas à doutrina católica. E a Igreja não podia pactuar com a disseminação destes erros.

Muitos católicos alemães desobedecem o Episcopado. É outro erro fatal. Melhor seria seguir a orientação dos Bispos ainda que fosse errada do que adotar, a despeito da opinião deles, uma atitude acertada.

Generaliza-se a opinião de que os Bispos alemães foram precipitados. Melhor seria que se tivessem calado. Sua condenação irritou o nazismo, e não contribuiu para corrigir os erros doutrinários deste. Se, em lugar de condenar o hitlerismo, os Bispos tivessem cooperado com ele, não teria sido melhor?

A situação na Áustria

Insistentemente repetida esta censura, parece ela ter encontrado guarida no espírito de S. Ema. o Cardeal-Arcebispo de Viena, Prelado douto e virtuoso, mas que acompanhava os acontecimentos muito mais de longe do que o Episcopado alemão.

Por isto, quando o Sr. Hitler invadiu a Áustria, o Cardeal Innitzer, com a melhor das intenções, tentou uma política diversa da de seus confrades alemães. Procurou, dando provas de uma simpatia inicial franca ao nazismo, atraí-lo à Verdade pela Caridade.

Os elementos simpáticos à chamada “direita” bateram palmas. O Sr. Hitler acedeu amavelmente à aproximação, e tanto eles quanto seus lugar-tenentes prometeram tudo quanto os católicos desejavam. Realizou-se o plebiscito. E, graças a esta aproximação imprevista, a votação a favor do “Anschluss” foi grande.

A experiência do Cardeal-Arcebispo de Viena era de molde a tirar a prova dos noves-fora quanto ao nazismo. Se os nazistas fossem, como muita gente insinuava e Sua Eminência parecia crer, bons rapazes tirados do sério pela intransigência prematura dos Bispos Alemães, a atitude do Cardeal Innitzer era de molde a estabelecer definitivamente a paz religiosa no III Reich. Se, pelo contrário, a perseguição religiosa continuasse, estaria demonstrado que o nazismo, animado de um ódio implacável e feroz à Igreja, não se deixaria desarmar por nenhuma concessão, por nenhum gesto de simpatia, por nenhuma atitude de benevolência.

O Cardeal Innitzer, com sua atitude conciliatória, deu ao nazismo uma oportunidade sem igual para se definir claramente.

Como veio essa definição?

Cessada a campanha eleitoral do plebiscito, e sem que o Cardeal Innitzer desse a mínima razão ou pretexto para isto, começou imediatamente a perseguição. Todas as promessas do Sr. Hitler foram olvidadas e desmentidas. E todas as leis anticatólicas do Reich se aplicaram à desditosa Áustria.

Divórcio, esterilização, fechamento de associações católicas, de institutos religiosos e de jornais católicos, proibição de solenidades públicas, toda a onda, enfim, de leis anti-católicas se despejou sobre a Áustria como uma avalanche.

A definição estava feita com a clareza das provas irretorquíveis. Não havia tolerância ou simpatia que desarmasse o nazismo. Diante dele, só uma atitude era possível: a dos Bispos alemães.

Foi o que compreendeu o Arcebispo de Viena. Chamado até a véspera de apóstata pelos comunistas despeitados, o Prelado vienense, quando viu os direitos de Deus conspurcados e a Santa Igreja perseguida como uma associação de malfeitores, enfrentou o nazismo com uma energia sobre-humana. E publicou diversas resoluções que mostraram que, se a História  puder talvez afirmar, futuramente, que sua política estava errada, não poderá jamais afirmar que suas intenções não foram boas.

A tanta bondade como responderam os nazistas? Assaltaram o Palácio cardinalício com exclamações sacrílegas: “Morra o cão preto Innitzer, morram os Padres, despedacemos Innitzer para que dele nada reste para o campo de concentração”. Depois, atiraram por uma das janelas do palácio cardinalício um Sacerdote septuagenário, que fraturou ambas as pernas. Não encontrando o Cardeal, atiraram pela janela um enorme Crucifixo e um quadro da Mãe de Misericórdia, queimando-os em praça pública. Tudo isto no meio de vociferações sacrílegas e hostis, com morras à Igreja, e sinistras ameaças contra os católicos.

A resposta estava dada. Os simpatizantes de Hitler viam nele um paladino da civilização cristã. Seus adversários mostravam nele um político cujas doutrinas conduziriam a uma situação concreta análoga ao comunismo.

Os fatos deram razão aos segundos. Esse assalto, esses morras, esse Crucifixo queimado, esse quadro profanado, não lembram claramente as cenas de Barcelona? Qual a diferença entre os nazistas que queimam imagens e agridem Sacerdotes na Áustria aos bolchevistas que os queimam e agridem na Espanha?

Telegramas vieram dizendo que Hitler iria deplorar publicamente os acontecimentos. Na realidade, não só não os deplorou até aqui, mas toda a imprensa do Reich desencadeou tremenda campanha contra o Cardeal Innitzer. Ainda aí, portanto, as ilusões não teriam razão de ser e foram implacavelmente esmagadas pelo discurso realizado anteontem pelo representante imediato do Sr. Hitler em Viena, na qual esse funcionário da imediata confiança do “Füehrer” produziu uma diatribe comparável em furor anti-religioso aos piores discursos irradiados na emissora de Moscou.

De tantos frutos amargos, tiremos ao menos um proveito. É a convicção de que, para o nazismo tanto quanto para o comunismo, não há conciliação possível com a Igreja. Depois do que ocorreu na Áustria, todas as ilusões seriam criminosas.

Para o nazismo e para o comunismo, só devemos empregar uma tática - a luta aberta -, uma arma - a intransigência -, e um recurso - a desconfiança.

No terreno das medidas humanas, não há outros meios a indicar.

 

A juventude católica austríaca, que vemos nesta fotografia, desfilando marcialmente nos felizes tempos do governo Schuschnigg, foi um dos mais formidáveis obstáculos ao “Anschluss”. Hoje em dia, feita a deplorável anexação, continua ela a ser o nervo da resistência. Foram estes bravos moços que reagiram, com o risco de sua própria vida, contra os nazistas que, no Largo da Catedral de Viena, pretendiam, há dias atrás, insultar o Cardeal Innitzer e perturbar as festas do Rosário.

Praticadas contra o Arcebispo de Viena as inomináveis violências que os jornais noticiaram, foram os jovens católicos de Viena que se incumbiram, ainda com o risco de sua própria vida, de distribuir em toda a cidade de Viena boletins do Cardeal, apelando para que os católicos resistissem à paganização. A polícia vienense nada percebeu. Proibiu aos jornais que publicassem o apelo cardinalício, e pensou com isto que tinha tapado a boca aos católicos. Na calada da noite, porém, centenas de jovens católicos percorreram toda a cidade, e distribuíram a proclamação do Cardeal. E a Gestapo, a mais famosa e perspicaz das polícias do mundo, foi “despistada” pela coragem e habilidade dos bravos moços.

Belo e proveitoso exemplo para os Jucistas, Jocistas e Congregados do Brasil!